“A idéia que não é perigosa, não merece ser chamada de idéia.”
Oscar Wilde (1854 – 1900)
No longa de ficção científica A origem (“Inception”), de 2010, Christopher Nolan apresenta o conceito da extração de informações do subconsciente de um indivíduo através dos sonhos. Nosso protagonista Dom Cobb é especializado nesse tipo de trabalho: invadir o sonho de uma pessoa e manipular seu subconsciente para que ela mesma entregue a informação desejada, que pode ser a senha de um cofre, uma informação sigilosa, um segredo de estado, o que for.
A trama se intensifica quando Cobb recebe uma oferta para realizar um trabalho mais complexo: agora, em vez de extrair, ele precisa inserir uma ideia. O trabalho parece impossível a seu parceiro Arthur, mas Cobb confessa já tê-lo realizado antes, quando ele e sua esposa viviam juntos em um sonho compartilhado, sonho este do qual o protagonista decidira acordar, voltando para a realidade. A única forma de fazê-lo era morrer no mundo dos sonhos, o que era um problema para sua esposa, que, após passar tanto tempo sonhando, já havia perdido completamente a conexão com a realidade, acreditando ser aquele o mundo real. É aí que Cobb realiza a inserção de uma ideia: a ideia de que o mundo em que ela vive não é real. O procedimento funciona e ela decide confiar nele, cometendo “suicídio” no mundo dos sonhos para, então, retornar à realidade. O problema é que essa ideia, essa “semente”, não parou de crescer, e mesmo estando agora no mundo real, tudo não passava de um sonho para Mal, que comete suicídio novamente — dessa vez, um suicídio verdadeiro.
A princípio, tudo isso pode parecer fantasioso demais, e é possível encontrar várias interpretações para o filme, seja de ordem simbólica ou através de uma simples análise da narrativa. Mas uma fala específica revela algo mais profundo: “Qual é o parasita mais resistente? Uma bactéria? Um vírus? Não. Uma ideia! Resistente e altamente contagiosa”. Existe aí um conceito que podemos ver com frequência na vida real: inserção e manipulação de ideias.
Uma ideia, teoria, ideologia ou conceito pode ser algo muito poderoso e capaz de moldar nosso modo de agir e pensar. Podemos basear todo o nosso modo de viver em uma simples ideia. Veja, por exemplo, quanto ateísmo nos rendeu a Teoria da Evolução, quanta censura, falsidade e mentira nos rendeu o “politicamente correto”, quantas injustiças não foram causadas pela ideia de que traficantes, ladrões e assassinos são vítimas da sociedade, e toda a crise moral gerada pelo relativismo. Imagine a frustração de uma pessoa que cresceu ouvindo de seus pais que “pode ser o que quiser” ao se deparar com suas limitações e as circunstâncias inesperadas da vida, ou o caos mental causado nas crianças pela ideologia de gênero. E o que será delas, que vivem enfiadas no celular, consumindo entretenimento o tempo todo ou ouvindo funks de conotação sexual, sendo frequentemente fuziladas por ideias imorais?
Veja o poder hipnotizante de uma ideia como o comunismo, que já foi refutada inúmeras vezes e de cuja implantação temos documentos históricos comprovando todas as atrocidades cometidas, as mentiras, censuras, perseguições religiosas, a pobreza instaurada em seus países por todos os seus líderes, em diferentes lugares do globo, em épocas diferentes, sem exceções… em sua forma mais simples, propositalmente travestida de justiça e igualdade, será plantada, em momento oportuno, na cabeça de uma pessoa que teve sua inteligência reprimida desde o ensino fundamental, e que, agora contaminada, não apenas irá defendê-la com unhas e dentes, como também irá ignorar a própria realidade para não admitir estar errada. São esses que caem em contradições absurdas, que pregam tolerância ao mesmo tempo em que são os primeiros a atacar qualquer um de opinião contrária, pregam democracia enquanto defendem perseguição à oposição, e pregam liberdade de expressão enquanto defendem a censura. Não é preciso muito esforço para descobrir que o comunismo é uma ideia diabólica; um pouquinho só de cristianismo já seria suficiente para se entender que a desigualdade e a injustiça não só estão presentes em toda a natureza, mas também são partes integrantes da própria estrutura da realidade. Este mundo não é perfeito ou justo, e nunca o será. Jó não me deixa mentir: perfeito, mesmo, só Deus o é — o que, evidentemente, não é desculpa para não se fazer nada, mas uma bela oportunidade para demonstrarmos virtudes como caridade, amor ao próximo, doação, serviço e sacrifício. Mesmo assim, o comunismo ainda é o movimento político que mais recruta defensores e militantes em todo o mundo.
Quer outro exemplo? Perceba o estrago feito pela simples ideia de chamar um bebê que ainda está em desenvolvimento na barriga de sua mãe de “feto”; esse simples jogo de palavras, a troca de “bebê” para “feto”, foi o suficiente para desumanizar o indefeso bebê em formação, dando carta branca para matá-lo; foi assim rebaixado do status de ser humano para o de coisa, uma coisa sem vida. Não é preciso ser um gênio para perceber o absurdo. Mas se você, quando se recolhe para o mais íntimo de sua alma, quando está sozinho, naquele lugar do qual somente você e Deus conhecem os caminhos, onde encontra sua essência, no mais profundo de seu ser, não se comove, se sua alma não se enche de escuridão e desesperança ao imaginar uma vida humana sendo aniquilada no mesmo lugar em que deveria gozar de segurança, amor e calor materno, e, pior ainda, traída e morta pela própria mãe — assassinada no ventre, indefesa e inofensiva, cheia de potência, morrendo sem conhecer a luz do dia, a possibilidade humana, a felicidade e a tristeza, o amor e a liberdade —, se nem assim, ao imaginar tamanha perversidade, você se comove, e se não vê o crime cometido pela mãe traidora, então é porque já levaram o que você tinha de melhor: seu coração. Maldita ideia! Prevalece, ainda que não faltem relatos dessas mesmas mães dizendo o quanto se arrependem de ter matado o próprio filho. É assim, nesses jogos de palavras, que perdemos a sensibilidade.
Sabemos que no campo de batalha da guerra cultural as principais armas são as ideias, ou, ao menos, deveríamos saber. A esquerda em todo o mundo não apenas sabe muito bem disso como essa é sua arma mais utilizada. Em meio a esta guerra, eles estão armados até os dentes, com munição e soldados de sobra, montados em seus tanques de guerra, enquanto o outro lado tem, quando muito, um estilingue e algumas mamonas, poucos soldados e uma desorganização tremenda, sem falar nos agentes duplos infiltrados nas trincheiras, fazendo-se de soldados amigos apenas para, mais tarde, apunhalar a todos pelas costas. Além de todo o arsenal, a esquerda ainda desfruta de mais algumas vantagens, como estratégia e paciência. Contra os adultos usam artilharia ostensiva, bombardeio pesado; quando querem nos enfiar alguma ideia goela abaixo, atiram de todos os lados: redes sociais, televisão, jornais, livros, músicas, filmes e peças de teatro, o tempo todo, sem parar, vinte e quatro horas por dia. Não cessam até que nos vejam de joelhos, pedindo perdão e acenando a bandeira branca, rendendo-nos às suas exigências. Os inocentes que são pegos no fogo cruzado acabam baleados e se calam por medo, ou, pior ainda, alistam-se no exército esquerdista e compram uma briga que não entendem. Sabem, porém, ser também discretos quando necessário; um exemplo é quando estão em seu território preferido (as escolas), com suas vítimas preferidas (as crianças): são bem mais precisos e cirúrgicos, como um sniper, utilizando as versões mais simples das ideias desejadas, para que floresçam naturalmente. Não acredita? Acompanhe o movimento gay nas ruas dos EUA e escute-os gritando orgulhosamente: “We’re here, we’re queer, we’re coming for you children” (ênfase no children, meus amigos). Além disso, note o fetiche dessa gente por escrever livros infantis, ou o tanto que amam o “ensino obrigatório e para todos”; é ali que eles vencem a guerra sem enfrentar qualquer resistência.
Eu mesmo não escapei e já fui, um dia, contaminado por essas e outras ideias da mesma espécie. A boa notícia é que podemos escolher com quais ideias nos contaminar; por isso, deixo aqui a minha tentativa de inserção de uma ideia que, em tempos de inversão de valores, perseguição e censura, nessa antessala da ditadura na qual vivemos, acredito que nos servirá muito bem: aquela que São Severino Boécio escreveu durante o martírio, quando lhe sobrava tempo entre as sessões de tortura: “É possível abalar a resolução de um espírito firme e perturbar sua tranquilidade? Um tirano que pensasse poder fazer, por meio da tortura, um homem livre denunciar os pretensos cúmplices de uma rebelião contra ele veria o seguinte procedimento: o homem livre e honesto morderia a própria língua, parti-la-ia e a cuspiria no rosto do tirano. Assim, as torturas que o tirano considerasse instrumentos de crueldade e pavor tornar-se-iam para o sábio uma oportunidade de mostrar sua virtude”.
Por Caio Machado
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Crispin and Scapin”, por Honoré Daumier (1808 – 1879).
Sensacional! De ponta a ponta, sensacional! Excelente reflexão!