“O liberalismo é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo,
acaba dissolvendo no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o Estado de direito.”,
Olavo de Carvalho.
Apesar de diversas épocas apresentarem ideias sobre a liberdade, a doutrina filosófica conhecida como Liberalismo tomou forma somente no século XVII com os escritos de John Locke e, posteriormente, Adam Smith. O liberalismo baseia-se na defesa da liberdade individual, nos campos político, econômico, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal.
Enquanto sua influência política foi materializada no formato da maioria dos governos ocidentais – divisão de poderes e “check and balances” – sua expressão econômica é mais conhecida através da metáfora de Smith – “a mão invisível” do mercado – e da máxima dos fisiocratas – “laissez faire”-, defendendo a primazia do mercado e da livre iniciativa como organização social.
Um liberal constantemente faz uso da expressão “direito natural” para designar direitos que seriam anteriores ao advento do Estado. Nesta visão, o Estado apenas decodificaria em lei o que a própria natureza humana já havia identificado como direito fundamental.
Nesta categoria estão o direito à propriedade privada e o direito à vida. O “direito natural” ou “jusnaturalismo” foi inicialmente desenvolvido por São Tomás de Aquino, mas posteriormente, os liberais passaram a utilizá-lo para fundamentar suas posições, em especial, nas obras do já citado Locke.
Para um liberal clássico, o Estado só deve intervir como garantidor da propriedade privada, para proteger o individuo de outros indivíduos, mediando conflitos – o poder judiciário e o “estado de direto” – ou para regular a economia de forma a impedir que ações de um grupo prejudiquem outros – as externalidades, como se diz na literatura econômica.
Observando o debate sobre o aborto, inúmeras vezes deparamo-nos com liberais que aprovam o aborto, justificando-o como sendo a defesa do direito individual da mulher sobre seu próprio corpo, querendo reconhecer isto em lei.
Ao dar ao Estado a tarefa de definir quando começa a vida e quando é lícito tirá-la, o defensor desta ideia confere ao poder estatal poderes excepcionais, claramente em desacordo com qualquer premissa de um pensamento liberal genuíno e lógico. Existiria maior coerção do que a ingerência sobre a própria vida?
O Estatuto do Nascituro é o reconhecimento de que biologicamente a vida começa na concepção, já existindo o direito à propriedade da mesma. Portanto, não seria possível ao Estado autorizar o aborto por lei. Ao contrário, deveria defender a propriedade da vida já desde este momento.
Note-se que esta posição seria frontalmente contrária ao aborto em qualquer hipótese, seja em casos de estupro ou anencefalia. A decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar o aborto de anencefálico, por exemplo, significou a intrusão do Estado no direito sobre a propriedade mais primordial do indivíduo, ou seja, sua vida.
A liberdade de mercado só existe verdadeiramente quando há respeito a todas as propriedades. Ao permitir que o Estado defina as situações nos quais é lícito o aborto, o pseudo-liberal, em última instância, está aceitando a transformação do direito à propriedade de sua vida em uma concessão estatal, cabendo ao Estado definir quando esta concessão seria válida.
Não é de se estranhar que em todos os Estados totalitários, o aborto era autorizado de forma integral e irrestrita.
Se até o direito à propriedade da vida é precário e dado segundo a vontade do Estado, o que diríamos do direito à propriedade privada de coisas?
Os defensores do aborto não podem se dizer “liberais”. Um verdadeiro liberal, usando a lógica, seria contra o aborto.
Nesse dia 28 de setembro – transformado por militantes abortistas no famigerado “dia do aborto” – os verdadeiros liberais devem se pronunciar contra a relativização do direito à vida.
Escrito por Rodrigo Sias.
Publicado originalmente no website Mídia Sem Máscara, em 28 de setembro de 2012.
Nota do articulista:
Escrevi este artigo inspirado basicamente pelo debate (digamos que tenha sido um) ocorrido entre Olavo de Carvalho e o meu xará boboca Rodrigo Constantino, entre abril e maio de 2012.
Olavo citou a posição contraditória de Constantino no True Outspeak de 25 de abril de 2012, e recebeu uma resposta totalmente ilógica do mesmo (para verificar, clique aqui).
Finalmente, no True Outspeak de 2 de maio de 2012 e com dois artigos publicados no Mídia Sem Máscara (“Diálogo no elevador” e “Demolindo Otávio de Ramalho”), Olavo divertiu-se demolindo o “pseudo-liberal”.
O que fiz foi tentar resumir essa argumentação no artigo, tendo como pano de fundo o dia 28 de setembro, escolhido pela militância abortista para lutar pelo assassinato de fetos. Não sei se fui totalmente feliz, mas o resultado está aí para vocês leitores avaliarem.
Nota do editor:
A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da obra: “A Liberdade guiando o povo”, criada em 1830 pelo pintor francês Ferdinand Victor Eugène Delacroix (1798 – 1863).
Excelente comentário. Eu também uso esse argumento quanto debato contra o aborto: o direito à vida é primeiro de todos os direitos, quando se viola esse direito, se tira do indivíduo todos os outros direitos que viria a ter se nascesse: casa, comida, cuidado, saúde, educação, segurança, etc.