“Pessoas brancas já nascem demônios por natureza.”
Malcolm X (1925 – 1965)
São pouquíssimas as sociedades humanas que não conheceram a escravidão. No entanto, a grande maioria das pessoas, quando escuta a palavra “escravo”, pensa em alguém de origem africana, no sul dos Estados Unidos, nas Antilhas ou no Brasil. O escravo, por antonomásia, é portanto de origem africana e propriedade de um branco cristão. Estatisticamente falando, esse tipo de escravidão é representada em mais de 90% das narrativas literárias ou cinematográficas. Na verdade, essa forma de escravidão foi, de longe, a que menos ocorreu. Não obstante seus inegáveis horrores, foi também, por grande margem, a menos atroz e violenta, e, sobretudo, foi no seio do mundo cristão que realizou-se a sua abolição.
No cristianismo, era concedido ao escravo viver, morrer de velhice e colocar filhos e netos no mundo. O tráfico transatlântico durou quatro séculos, e daqueles homens e mulheres mantidos em escravidão temos a cor, os descendentes, a música. No continente americano, dos Estados Unidos ao Brasil, passando pelo Caribe, vivem 70 milhões de descendentes de africanos. Essas pessoas passaram a fazer parte de uma civilização de modo brutal e violento, mas agora são parte dela. Foram batizadas e conduzidas ao cristianismo. Enquanto a escravidão ainda existia, nos Estados Unidos havia não apenas padres, mas até mesmo bispos de origem africana. As bulas dos papas católicos foram os primeiros documentos a condenar a escravidão de maneira absoluta e definitiva.
Já o tráfico de negros africanos por parte do mundo árabe-muçulmano, iniciada a partir do século VII e concluída oficialmente no século XX, pode ser equiparado a um extermínio em massa; quatorze séculos foi um período que estrangulou a África. Estima-se em cerca de 17 milhões o número de vítimas diretas, deportadas para morrer em poucos anos e frequentemente castradas, ao que se deve adicionar um número difícil de ser calculado, mas provavelmente igual ou maior, de mortos na travessia, e o infinito número de vítimas indiretas.
Quando os escravistas chegavam a uma vila, queimavam-na e queimavam os campos que a circundavam. Os que escapavam não tinham mais como sobreviver. Aniquilados os homens, não era mais possível, sem sua força, desbastar e arar. De modo a salvar-se, as pessoas abandonavam as terras férteis para refugiar-se nos desertos, ou em meio às rochas das montanhas. As costas sudanesas do Mar Vermelho, riquíssimo de peixes, estão desabitadas. O único centro é Port Sudan, cidade maldita dos tráficos negreiros. Sem esses tráficos, a costa ocidental do Mar Vermelho seria uma profusão de campos cultivados e redes de pescadores, de onde se formariam diversas malhas rodoviárias de mercadores.
Em 1985, o bispo de Cartum ainda comprava crianças negras a 50 dólares cada para livrá-las de seu destino de escravas, nas rotas para o leste. Em 1990, no Cairo, 54 ministros das Relações Exteriores de países islâmicos, reunidos na Organização da Conferência Islâmica, reafirmaram o papel do Islam na Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islam. Um dos artigos recomenda que os escravos devam ser tratados sempre com humanidade e justiça, do que se deduz que sua existência seja considerada legal. Em Mosul, mulheres cristãs e yazidis, assim como crianças pequenas, eram vendidas nos mercados públicos, ao lado de melancias.
A escravidão islâmica se voltou primeiramente à Europa. Não sabemos quantos são os milhões de europeus raptados nas costas meridionais da Europa por piratas sarracenos, ou na fronteira meridional da Ucrânia, pelos tártaros. Tornamos difícil a vida dos escravistas já no século VII, e fechamos de vez a conta graças a duas extraordinárias batalhas: a de Lepanto e a de Viena.
Quando a mercadoria caucasiana não se encontrava mais disponível, o comércio árabe se desenvolveu na África. O filósofo Pascal Bruckner comenta, em seu ensaio Um culpado quase perfeito, como justamente aqueles que aboliram a escravidão são agora considerados os únicos responsáveis por ela. A eles é inclusive negado o direito de falar. Somente os povos indígenas têm o direito de fazê-lo, enquanto aos brancos é reservado apenas o dever de fazer penitência. Artistas e dramaturgos de origem africana ou afro-americana explicam que não querem absolutamente que pessoas brancas possam traduzir ou resenhar suas obras. Como já explicaram muitos intelectuais, mas também empreendedores e políticos franceses, os europeus nativos têm o dever de evitar ao máximo sua reprodução, de modo a abrir caminho para uma imigração tão massiva que acarrete uma substituição étnica completa. Depois que os brancos forem reduzidos a um vale alpino remoto, a uma esquecida fazenda islandesa qualquer, ou a um pesqueiro norueguês qualquer, o mundo será melhor? Talvez não, dizem-nos, mas ao menos a justiça terá sido feita. A raça branca é culpada, e dado que ainda possui a arrogância de ser forte demais para que seja fisicamente exterminada, se lhe informa que seria de bom tom suicidar-se.
Como é possível que as primeiras nações a abolir a escravidão sejam as únicas submetidas a acusações e exigências de indenização? A escravidão foi abundantemente praticada e o é ainda hoje, entre os povos africanos; mas, sobretudo, foi abundantemente praticada e o é ainda hoje por povos islâmicos não africanos. A escravidão islâmica foi infinitamente mais violenta e trágica do que a ocidental. Não foi apenas muito maior e muito mais duradoura ao longo dos séculos, mas também muito mais atroz, na qual um escravo sobrevivia por poucos anos. Teve também a característica de ter destruído o tecido social africano, de tê-lo aniquilado por séculos, de ter dizimado civilizações que já existiam e impossibilitado a criação de novas. Se a África jamais foi capaz de fazer frente a nenhum tipo de pressão externa, com a única exceção dos poucos povos que estiveram sempre alheios à escravidão islâmica, é devido a esse poder destrutivo.
As informações sobre tudo isso sempre existiram, mas em livros escritos por brancos, seres desprezíveis por definição e, portanto, considerados não confiáveis. Quando Malcolm X, entrevistado pela Playboy, saiu-se com a fantástica afirmação de que os brancos cristãos eram proprietários de escravos e os árabes islâmicos eram libertadores, ninguém se sentiu no dever (ou no direito) de contradizê-lo, até porque, no mundo liberal, contradizer um afro-americano é feio e parece coisa de racista. O ódio contra os brancos, que agora explodiu, brotou por toda a parte e tornou-se um must da esquerda liberal, sempre campeã absoluta do semianalfabetismo histórico.
Precisaremos do livro escandaloso do historiador franco-senegalês Tidiane N’Diaye, Le génocide voilé (“O genocídio velado”), publicado em 2008, para reafirmar a verdade. É uma pena que este livro tenha passado despercebido. Trata-se de um texto chocante sob muitos pontos de vista: pelas informações pouco conhecidas que fornece, pela inversão de perspectivas que impõe e pela nova hierarquia que propõe dos graus de culpabilidade das civilizações. O surgimento deste livro deveria ter provocado um terremoto, sobretudo no Magreb e no Oriente Próximo. Até mesmo Malek Chebel, grande antropólogo da civilização islâmica, quebrou o tabu, publicando o monumental Esclavage en terre d’islam (“A escravidão na terra do Islam”, Pluriel, Paris, 2010).
Nesses livros, os autores explicam como no Islam existe uma lei teológica que proíbe tomar um muçulmano como escravo. Os cristãos tornaram seus escravos cristãos, os muçulmanos não tornaram seus escravos muçulmanos. Aos escravos africanos, portanto, era vetada a reprodução: seus filhos teriam de ser muçulmanos e, assim, não poderiam ser feitos escravos.
O tráfico atlântico levava os escravos negros a viver em escravidão, tendo gerado 70 milhões de descendentes. O tráfico árabe os levava para morrer em escravidão. A média de vida de seus escravos não passava dos sete anos. Não podiam casar-se e não podiam ter filhos, sendo frequentemente castrados. A castração dizia respeito, obviamente, aos guardiões do harém, mas muitas vezes envolvia também escravos que realizavam outros trabalhos, ainda que ao custo de privá-los de sua força física viril. A castração é uma operação atroz tanto para o corpo quanto para a mente. Além disso, alcançava, à época, uma taxa de mortalidade de 80% devido a complicações sépticas e renais. Quase sempre, a castração era também reservada aos filhos nascidos de uniões entre patrões e mulheres negras.
Esta é a razão pela qual não associamos a Pérsia e a Arábia à escravidão, ao passo que o fazemos quando se trata dos Estados Unidos ou das Antilhas. Não há descendentes, nem os cromossomos, nem a música. Não há coisa alguma.
Eles os aniquilaram: reduziram-lhes a nada.
Por Silvana de Mari
Tradução: Daniel Marcondes
Artigo original disponível em
https://www.silvanademaricommunity.it/2022/08/09/4998/.
Notas da editoria:
Imagem da capa: “The Slave Market” (1886), por Gustave Boulanger (1824 – 1888).