Bênção para uniões homossexuais?

Obra: "Isaac abençoando Jacob" (1638), por Govert Flinck (1615 - 1660).

O cristianismo, se for falso, não tem valor; se for verdadeiro, tem valor infinito.
A única coisa que lhe é impossível é ser ‘”‘mais ou menos’ importante.
C. S. Lewis (1898 – 1963)



No dia 22 de fevereiro de 2021, a Congregação para Doutrina da Fé, por meio de seu prefeito o Cardeal Luis Ladaria, emitiu uma resposta ao quesito: “A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?”. A resposta foi negativa1. O motivo alegado foi o seguinte:


É necessário […] que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor. São, pois, compatíveis com a essência da bênção dada pela Igreja somente aquelas realidades que de per si são ordenadas a servir a tais desígnios.

Por tal motivo, não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo.

A resposta acrescenta que, já que há uma relação entre as bênçãos e os sacramentos, uma bênção sobre duplas homossexuais constituiria uma referência de analogia à bênção nupcial invocada sobre o homem e a mulher que se unem no sacramento do Matrimônio. Mas isso é impossível, pois, citando o Papa Francisco, “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família” (Amoris Laetitia, n. 251).




Passou o tempo. As Congregações passaram ser chamadas Dicastérios. E o prefeito do Dicastério (antiga Congregação) para a Doutrina da Fé passou a ser o Cardeal Víctor Manuel Fernández.

No dia 18 de dezembro de 2023, em pleno Tempo do Advento, nas proximidades do Natal do Senhor, eis que é publicada por aquele mesmo Dicastério a declaração “Fiducia Supplicans” (FS) sobre “o sentido pastoral das bênçãos”, admitindo a possibilidade de abençoar “casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo” (FS 31). Como explicar esse giro de cento e oitenta graus em um intervalo de menos de três anos?

O Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, emitiu, no dia 21 de dezembro de 2023, uma nota com o título “A única bênção da mãe Igreja é a verdade que nos fará livres”2.

Inicialmente ele diz que a Assembleia Geral de Cardeais e Bispos daquele Dicastério “não discutiu nem aprovou” o conteúdo da declaração “Fiducia Supplicans”.

Em seguida, afirma que a declaração mudou o conceito de bênção para que pudesse ir além das “coisas, lugares ou circunstâncias que não contradigam a norma ou o espírito do Evangelho” (FS 10, citando o Ritual Romano). A novidade dessa bênção, chamada “pastoral”, não está na sua espontaneidade nem na piedade popular.

Parece que essa bênção pastoral […] foi criada “ad hoc” para poder abençoar situações contrárias à norma ou o espírito do Evangelho.

[…]

Note-se que aqui não se abençoam somente as pessoas pecadoras, pois, ao abençoar-se o casal, abençoa-se a relação pecaminosa em si mesma.

[…]

A bênção de uma realidade que se opõe à Criação [homossexualidade] não só não é possível, mas constitui uma blasfêmia.

[…]

Enquanto o Papa Francisco continuar afirmando que as uniões homossexuais são sempre contrárias à lei de Deus, estará afirmando implicitamente que não se podem dar tais bênçãos.

[…]

O sacerdote que abençoa tais uniões está apresentando-as com seus gestos, como um caminho até o Criador. Por isso, comete um ato sacrílego e blasfemo contra o desígnio do Criador e contra a morte de Cristo por nós para levar à plenitude o desígnio do Criador. Isso se aplica também ao bispo diocesano. Este, como pastor de sua Igreja local, está obrigado a impedir que tais atos sacrílegos ocorram, ou se tornaria partícipe deles e renegaria o mandato que lhe deu Cristo de confirmar seus irmãos na fé.

No dia 11 de janeiro de 2024, o Cardeal Fridolin Ambongo, presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar (SECAM), emitiu uma carta reafirmando a comunhão com o Papa Francisco, e ao mesmo declarando a posição contrária do continente africano às bênçãos de duplas do mesmo sexo, por causa do escândalo e da confusão que elas poderiam causar3.

Uma coisa é bem clara: não se pode dar uma bênção a uma relação pecaminosa. Ora, quando se dá a bênção a um “casal”, não se pode dizer que não se dá a bênção à sua relação pecaminosa, quando a pediram como um casal!


Por Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.
O autor é vice-presidente da Associação Pró-Vida de Anápolis.


Nota:

  1. https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20210222_responsum-dubium-unioni_po.html#. Subir
  2. Em espanhol na Infovaticana (https://infovaticana.com/2023/12/21/muller-advierte-a-los-sacerdotes-de-que-cometeran-sacrilegio-si-bendicen-parejas-homosexuales/), em alemão na Kath.net (https://kath.net/news/83375), em italiano em La nuova bussola quotidiana (https://lanuovabq.it/it/mueller-le-benedizioni-per-le-coppie-gay-sono-blasfeme), em inglês no The Pillar (https://www.pillarcatholic.com/p/muller-fiducia-supplicans-is-self). Subir
  3. https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2024-01/fiducia-supplicans-ambongo-bispo-africa-bencao-casal-homossexual.html. Subir

Nota da editoria:

Imagem da capa: “Isaac abençoando Jacob” (1638), por Govert Flinck (1615 – 1660).


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