“Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem,
mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer,
de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor.”,
Papa Emérito Bento XVI.
A “bondade” divina diverge da nossa, mas não é totalmente diferente: ela não difere como o preto do branco, mas como um círculo perfeito se destaca da primeira tentativa de uma criança para desenhar uma roda. Quando porém ela aprende a desenhar, saberá que o círculo que traça então é aquele que estava tentando reproduzir desde o início.
Quando nos referimos à bondade de Deus hoje, estamos indicando quase que exclusivamente seu amor; e nisto talvez tenhamos razão. E por amor, neste contexto, a maioria de nós quer dizer bondade – o desejo de ver outros felizes, e não a própria pessoa; não feliz deste ou de outro modo, mas apenas feliz. O que realmente nos satisfaria seria um Deus que dissesse a respeito de qualquer coisa que gostássemos de fazer: “Que importa se isso os deixa contentes?” Queremos, na verdade, não tanto um Pai Celestial, mas um avô celestial – uma benevolência senil que, como dizem, “gostasse de ver os jovens se divertindo” e cujo plano para o universo fosse simplesmente que se pudesse afirmar no fim de cada dia: “todos aproveitaram muito”. Não são muitos os que, devo admitir, iriam formular uma teologia exatamente nesses termos: mas um conceito semelhante espreita por trás de muitas mentes. Não me julgo uma exceção: gostaria imenso de viver num universo governado de acordo com essas linhas. Mas desde que está mais do que claro que não vivo, e desde que tenho razões para crer, mesmo assim, que Deus é Amor, chego à conclusão que meu conceito de amor necessita correção.
Eu poderia, sem dúvida, ter aprendido até mesmo dos poetas que Amor é algo mais rigoroso e esplêndido do que a simples bondade: que até o amor entre os sexos é, como em Dante, “um senhor de terrível aspecto”. Existe bondade no amor, mas amor e bondade não são confinantes, e quando a bondade (no sentido dado acima) é separada dos demais elementos do Amor, ela envolve uma certa indiferença fundamental ao seu objeto, e até mesmo algo semelhante ao desprezo em relação a ele. A bondade consente com facilidade na remoção do seu objeto – temos todos encontrado indivíduos cuja bondade para com os animais constantemente os leva a matá-los a fim de que não sofram. A bondade desse tipo não se preocupa com o fato de o seu objeto tomar-se bom ou mau, desde que escape ao sofrimento.
Como as Escrituras afirmam, os bastardos é que são estragados: os filhos legítimos, que devem continuar a tradição da família, são corrigidos. [1] Para aqueles com quem não nos preocupamos absolutamente é que exigimos felicidade sob quaisquer termos: com nossos amigos, nossos entes queridos, nossos filhos, somos exigentes e preferimos vê-los sofrer do que ser felizes em estilos de vida desprezíveis e desviados. Se Deus é amor, Ele é, por definição, algo mais do que simples bondade. E, ao que parece, de acordo com todos os registros, embora tenha com freqüência nos reprovado e condenado, jamais nos considerou com desprezo. Ele nos prestou o intolerável cumprimento de nos amar, no sentido mais profundo, mais trágico e mais inexorável.
A relação entre Criador e criatura é naturalmente única e não pode ser comparada a qualquer das demais relações entre uma criatura e outra. Deus está, ao mesmo tempo, mais distanciado e mais próximo de nós do que qualquer outro ser. Ele está mais distante de nós porque a completa diferença entre aquilo que possui o Seu princípio de existência em Si Mesmo e aquilo a que a existência está sendo transmitida é tal que comparada a ela a diferença entre um arcanjo e um verme é praticamente insignificante. Ele faz, nós somos feitos: Ele é o original, nós os derivados. Mas, ao mesmo tempo, e pela mesma razão, a intimidade entre Deus e até mesmo a menor das criaturas é mais próxima do que qualquer outra que as criaturas possam alcançar umas com as outras.
Extraído da obra: “O problema do sofrimento” [2], escrita por: C. S. Lewis (1898 – 1963).
Publicado pela Editora Vida, sob ISBN: 8573678518.
Nota:
- Hebreus 12:8.
- Excertos do terceiro capítulo, intitulado: “A Bondade Divina”.