“A Inteligência Artificial é uma ferramenta poderosa que pode ajudar a resolver muitos dos desafios mais complexos do mundo, mas é importante lembrar que, ao final do dia, ela é apenas tão inteligente quanto os dados que recebe e a lógica que foi programada para seguir.”
Frase devolvida pelo ChatGPT em função da afirmação:
“Preciso de uma epígrafe para um artigo sobre Inteligência Artificial, que seja gerada pelo ChatGPT.”
Inteligências artificiais são admiráveis: não possuem dúvidas e são burras demais para errar.
Um sujeito qualquer, visando auxiliar um manobrista, pode dizer o famoso “vai que dá!”, e o motorista, mesmo sem muita confiança, pode aceitar a dica e causar um belo estrago. No entanto, um carro “inteligente” não erra, pois efetua uma série de cálculos e somente executa a manobra caso constate ser fisicamente possível realizá-la com sucesso. Observar a operação de um veículo desse tipo é espantoso, mas observar um motorista humano, além de espantoso, é divino: com habilidade e intuição, um caminhoneiro incapaz de executar operações matemáticas fundamentais pode estacionar com facilidade e precisão um veículo gigantesco.
Mas o que é a inteligência?
“A inteligência é um órgão — digamos assim: um órgão — que só serve para isto: captar a verdade. Às vezes ela entra em operação através do pensamento, às vezes através da imaginação ou do sentimento, e às vezes entra diretamente, num ato intelectivo — ou intuitivo — instantâneo, no qual você capta alguma coisa sem uma preparação e sem uma forma representativa em especial que sirva de canal à intelecção. Outras vezes há uma longa preparação através do pensamento, da imaginação e da memória, e no fim você não capta coisíssima nenhuma: cumpridos os atos representativos, a intelecção a que se dirigiam falha por completo; dados os meios, a finalidade não se realiza. A inteligência está na realização da finalidade, e não na natureza dos meios empregados. E se a finalidade dos meios de conhecimento é conhecer, e se o conhecimento só é conhecimento em sentido pleno se conhece a verdade, então a definição de inteligência é: a potência de conhecer a verdade por qualquer meio que seja.”
A definição acima foi extraída da obra Inteligência e verdade, de Olavo de Carvalho. Resumindo, inteligências artificiais não são inteligências — e nem inteligentes —, e onde não há inteligência não pode haver a falta dela. Afirmar que uma pedra é inteligente ou ignorante seria ilógico, diferentemente de estudar o que nela há de inteligível, gravado por Aquele que a criou.
É correto, então, afirmar que não existe inteligência artificial? Recorramos a outro trecho da obra citada:
“Hoje em dia, quando se fala de ‘inteligência artificial’, mais certo seria dizer pensamento artificial, ou talvez imaginação artificial, porque uma determinada sequência de pensamentos, um conjunto de operações da mente, pode ser imitado de várias maneiras. Um conjunto é imitado, por exemplo, na escrita. A escrita é uma imitação gráfica de sons, que por sua vez imitam idéias, que por sua vez imitam formas, funções e relações de coisas. A escrita foi a primeira forma de pensamento artificial. Toda e qualquer forma de registro que o homem use já é um tipo de pensamento artificial, uma vez que implica um código de conversões e permutações, e neste sentido um programa de computador não é muito diferente, por exemplo, de uma regra de jogo: como no jogo de xadrez, onde se concebe uma sequência de operações com muitas alternativas, cristalizadas num determinado esquema que pode ser imitado, repetido ou variado segundo um algoritmo básico. Existem muitas formas de pensamento artificial, ou de imaginação artificial. Porém a inteligência, propriamente dita, não tem como ser artificial. O pensamento artificial é essencialmente uma imitação de atos de pensamento segundo a fórmula das suas sequências e combinações. Do mesmo modo podemos imitar a imaginação e a memória, se em vez de utilizar uma correspondência biunívoca entre signo e significado recorrermos a uma rede de correspondências analógicas. Dá na mesma: em ambos os casos, trata-se de imitar um algoritmo, a fórmula de uma sequência ou rede de combinações, que por sua vez imitam as operações reais da mente. Acontece que a inteligência não é uma ‘operação da mente’; ela é o nome que damos a uma determinada qualidade do resultado dessas operações, pouco importando qual a faculdade que as realizou ou qual o código empregado. É legítimo dizer que um indivíduo inteligiu alguma coisa somente quando ele captou a verdade dessa coisa, seja pelo raciocínio, seja pela imaginação ou seja lá pelo caminho que for. Até mesmo o sentimento intelige, quando ama o que é verdadeiramente amável e odeia o que é verdadeiramente odioso: há uma inteligência do sentimento, como há uma burrice do sentimento. A inteligência não reside na mente, mas num certo tipo de relação entre o ato mental e o seu objeto, relação que denominamos ‘veracidade’ do conteúdo desse ato mental (notem bem: veracidade do conteúdo, e não do ato mesmo).”
Em suma, máquinas que produzem peças ou textos são incapazes de qualquer subjetividade — os computadores às vezes apenas aparentam possuí-la, assim como marionetes aparentam emoções.
Caso você solicite um saque de R$ 100,00 a um caixa eletrônico e o dispositivo acabe expelindo uma cédula de R$ 50,00, você não suspeitará de que o aparelho esteja cansado ou mal intencionado, mas de que, talvez, alguém tenha colocado as notas em compartimentos trocados, por incompetência ou distração. No entanto, com o ChatGPT em voga, máquinas como caixas eletrônicos parecerão cada vez mais limitadas.
Verdade seja dita: a ferramenta de “bate-papo” criada pela OpenAI impressiona. Faça quaisquer questionamentos e o ChatGPT responderá com a naturalidade de alguém retornando-lhe uma mensagem pelo WhatsApp. Conteste-o sempre que necessário e obtenha continuamente uma série de respostas educadas como nenhum ser humano suportaria interagir — inteligências artificiais não se aborrecem. Contudo, a verdade é que da mesma maneira que o caixa eletrônico pode expelir uma cédula de um compartimento “A” ou “B”, conforme o valor solicitado, o ChatGPT pode extrair e combinar textos (respostas) que se encontram armazenados em um número colossal de compartimentos (bases de dados). Aliás, o ChatGPT utiliza computadores e infraestruturas com os mesmos princípios que quaisquer outros sistemas computacionais (incluindo os caixas eletrônicos), por trás dos quais há softwares em execução que continuam sendo apenas algoritmos.
Para simplificar, uma receita de bolo é um ótimo exemplo de um algoritmo simples. Suponha que você esteja fazendo um bolo com a assistência do ChatGPT e, ao final da preparação, questione: “Vai ficar muito aguado; como posso corrigir?”. Pode ser que você tenha lançado uma pergunta que venha a servir de resposta para outro usuário que queira um “bolo bem aguado”. Voltando ao exemplo do caixa eletrônico, quando solicitamos R$ 80,00 o equipamento poderá coletar uma nota de R$ 50,00 de um determinado compartimento, uma de R$ 20,00 de um outro repositório e, por fim, uma de R$ 10,00 de um terceiro. Sua pergunta sobre como corrigir o “bolo aguado” talvez tenha gerado mais um compartimento de onde o ChatGPT possa obter suas respostas.
Alguns poderão pensar: “Mas não é exatamente assim que aprendemos?”. Os mais céticos ainda poderão afirmar: “Nossos pensamentos e sentimentos são meros resultados de processos químicos e elétricos”, contudo, se assim fosse, um homem-bomba que falhasse em sua missão deveria sofrer punição tanto quanto a bomba! As inteligências artificiais realmente aparentam possuir certa consciência, mas, na realidade, não estão cientes sequer da própria existência. Aliás, a verdade é que a própria ciência não é capaz de explicar a nossa consciência — quanto mais de criá-la artificialmente. Até os mecanismos mais simples, como o da dor, ainda não são completamente conhecidos. Ademais, sem esta consciência de si, o ChatGPT e qualquer outra “inteligência artificial” não tem medo de ser puxado da tomada; ainda que o seja, no entanto, poderá ser facilmente religado, ao contrário de nós, que, logo depois de mortos, não podemos ser “reiniciados”, mesmo que toda a matéria ali presente seja ainda a mesma de minutos antes de nossa morte.
Mas sejamos justos: Elon Musk, Sam Altman, Greg Brockman e outros membros fundadores da OpenAI criaram uma ferramenta poderosa. “GPT” é a sigla para Generative Pre-trained Transformer — “Transformador Generativo Pré-treinado” — e, com ela, podemos solicitar correções, traduções e até mesmo a criação de textos. Os programadores poderão ser auxiliados por ela, obtendo códigos completos. O desemprego será provocado? Provavelmente sim. Porém, antigamente, os aviões, por exemplo, exigiam três tripulantes técnicos (engenheiro de voo, piloto e primeiro oficial), e os computadores fizeram com que se dispensasse a função do engenheiro de voo; os trens precisavam de um maquinista, mas já temos metrôs que operam sem a presença desse profissional, e assim por diante.
Será que o ChatGPT é imparcial? Como podemos ter certeza de que receberemos respostas neutras ao fazermos, por exemplo, questionamentos políticos? Na verdade, não podemos. É possível desmontar um veículo e descobrir boa parte, se não a totalidade, da tecnologia ali empregada. No caso do ChatGPT, porém, enviamos um texto que, ao atingir seu destino, aciona algoritmos que não estão em nossas máquinas; logo, todo o trabalho é executado remotamente, e apenas a resultante chega até nós. Vale lembrar que, neste caso, o código-fonte (algoritmo) não é de conhecimento público (não é executado em nossos dispositivos).
Enfim, somos únicos. Nada do que foi descrito acima poderá desagradar alguma inteligência artificial, mas poderá, sem dúvida, irritar muitos dos seus defensores; afinal, todo este assunto, da forma que vem sendo exposto, propagandeia exatamente o que desejam: dar ares de humanidade a algo sem qualquer consciência.
Acalmem-se! O clichê “errar é humano” permanece válido — ainda não somos capazes de criar a burrice artificial.
Escrito por Eric M. Rabello.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Puppet master” (2012), por Natalya Syuzeva.