“A crítica não tem sobre a psicologia das massas o poder sugestivo
que têm as crenças afirmativas, mesmo falsas.”
Olavo de Carvalho (1947 – 2022)
Sabe por que O Código Da Vinci, como outros livros de sucesso lidos por milhões de leitores no mundo inteiro (“Harry Potter”, por exemplo), fisgam o leitor e o fazem devorar as páginas praticamente sem parar, mesmo não tendo hábito de leitura?
Essa capacidade de induzir a uma leitura compulsiva é frequentemente creditada ao livro: este seria bom porque “faz ler”. A leitura “apaixonante” seria uma prova do seu valor e das ideias que ele veicula.
Mas isso é falso.
Qual o segredo que faz vender livros como O Código Da Vinci?
Não passa de uma “receita de cozinha”, e vou revelá-la a seguir. Ela não se encontra em nenhum manuscrito secreto pertencente ao Tesouro dos Templários; Leonardo da Vinci não a pintou em nenhum quadro como deusa grega disfarçada em velho barbudo, e nenhuma pirâmide foi construída por Mitterrand para designar a sua localização.
Não. A “receita de cozinha” literária que faz ler está descrita em muitas obras… que poucos leem! Para o leitor de Catolicismo, anotei as principais regras de como escrever uma boa ficção. Foram extraídas principalmente de um livro de James Frey: How to write a damn good fiction (Como escrever uma ficção arrebatadora). Depois você mesmo descobrirá facilmente quais os truques aplicados em cada página do Código Da Vinci. E poderá até escrever um livro de sucesso, seguindo essa receita!
Crie um sonho-ficção
Seu leitor deve ser transportado em um sonho-ficção. Este é criado pelo poder da sugestão. Você deve apresentar cenas que criem uma imagem na fantasia do seu leitor.
Você deve mais mostrar do que dizer. Mostrar mais por meio de detalhes sensíveis do que pela razão. O raciocínio tira o leitor do sonho-ficção.
Você vai criar uma imagem que se projetará na tela mental de seu leitor. Depois conseguirá que ele se engaje emocionalmente; para isso é preciso ganhar a simpatia dele.
Ganhe a simpatia do leitor
Ganhar a simpatia do leitor é crucial para induzi-lo ao sonho-ficção.
Para que o seu leitor tenha simpatia por seu personagem, faça-o sentir pena dele. Todas as situações nas quais seu personagem sofre — física, mental ou espiritualmente — atraem a simpatia do seu leitor.
A simpatia é a porta pela qual seu leitor se engaja emocionalmente na história. Sem simpatia, não há emoção.
Uma vez adquirida a simpatia, você levará o leitor mais longe no sonho-ficção fazendo-o identificar-se com o personagem principal.
Identificação com o personagem
Não confunda simpatia com identificação. A simpatia nasce porque o personagem sofre e seu leitor sente pena dele. A identificação se dá quando, além da simpatia, seu leitor faz seus os objetivos e as aspirações do personagem e tem um forte desejo de que este atinja a sua meta.
Dê ao seu personagem um objetivo nobre, e seu leitor se identificará com ele, mesmo que no passado ele tenha sido um criminoso horrendo. No pior dos casos, dê-lhe um código de honra pessoal e que suponha a defesa de uma nobre causa.
Crie a empatia
Empregue detalhes sensíveis e que provoquem emoção no seu leitor, a fim de que ele sinta o que sente o personagem da ficção. Seu leitor irá colocar-se facilmente no lugar do personagem.
Com o emprego de detalhes sensíveis que provoquem a emoção, você levará o leitor à experiência íntima do seu personagem. O leitor então se colocará no lugar do personagem. Descreva assim as informações que os sentidos lhe comunicam, o que ele vê, o que ele pensa, o que ele sente fisicamente.
Não diga, faça-o sentir, utilizando o poder da sugestão.
Simpatia, identificação, empatia ajudam a criar uma ligação entre o leitor e o personagem. Só falta levá-lo aonde você quer.
Leve o seu leitor ao irreal
Você precisa transportar seu leitor a um outro mundo, como se ele mergulhasse numa bolha, a ponto de se evaporar o mundo real e ele viver o mundo da ficção.
Esse é o seu objetivo como redator de ficção: conseguir que seu leitor fique completamente absorto pelos personagens e pelo enredo da história.
Para conduzir o leitor a esse estado, além da simpatia, da identificação e da empatia você precisa explorar os conflitos internos.
Fabrique conflitos interiores
O conflito interior é como uma tempestade que ruge no âmago da alma do personagem: dúvidas, erros, faltas, culpas, remorsos, indecisão…
Seu leitor vai sentir as dúvidas do personagem, compartilhar seus remorsos, oscilar com todas as suas hesitações.
Mais: ele vai tomar partido nas decisões que o personagem será forçado a tomar. Essas decisões serão, em sua maioria, de caráter moral e com graves consequências para o personagem.
É a participação nesse processo de tomada de decisões que transporta seu leitor: quando ele sente as dúvidas, a culpabilidade, os remorsos, as hesitações, os erros do personagem, ele acaba acompanhando este último, inclinando-se para tal solução em detrimento de tal outra.
Seu personagem está diante de um dilema: é aí que você queria conduzi-lo. Para mantê-lo absorto, basta aumentar o suspense.
O suspense – ponha um enigma
Faça o possível para que o leitor fique paralisado, preso pela leitura. Mantenha-o no suspense, porque a história ainda tem um mistério a desvendar e algo a decidir.
Coloque uma questão possante desde o começo do enredo e fisgue o leitor, de maneira que ele não possa mais parar de ler. A curiosidade cria o suspense.
Desencadeie a ansiedade
A ansiedade e a apreensão produzem um suspense ainda mais forte que a curiosidade.
A primeira condição para gerar a ansiedade é ter suscitado a simpatia pelo personagem; e a segunda é fazer perfilar contra ele uma ameaça, não necessariamente física. Isso ao longo de toda a ficção, e não só na abertura.
O maior erro que você poderia cometer seria de não mergulhar seu herói nos maiores dissabores, desde o início e ao longo de toda a história. Ameace o seu personagem e coloque-o nos maiores problemas; se ele conquistou a simpatia do leitor, este será vítima da ansiedade.
Acenda o detonador
Algo de terrível vai acontecer em certo momento já fixado. E o personagem principal deve impedi-lo, antes que seja tarde demais.
O suspense consiste portanto em levantar questões que dão base ao seu enredo, colocar o simpático personagem em situações de ameaça e acender a mecha do perigo de uma catástrofe. Isso levará o leitor a preocupar-se e a maravilhar-se com o destino dos personagens. Ele irá se identificar com o herói e adotar sua maneira de pensar e de agir.
Último conselho
Sua fábula literária deve ser escrita para uma certa elite intelectual sensível a certas finuras de redação, bem como a situações filosóficas e existenciais. Esteja bem ao corrente do que está em voga no meio ao qual você se dirige: tramas, segredos, perigos planetários, religiões esotéricas, difamação da Igreja católica…
Parabéns! Você acaba de escrever O Código Da Vinci!
Quando ouvir alguém impressionado por esse livro, é só revelar-lhe a “receita de cozinha” que permitiu a sua elaboração, e esse alguém tomará a distância crítica necessária.
Escrito por Benoît Bemelmans.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo em outubro de 2006 (número 670).
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Portrait of a Man Writing in His Study” (1885), por Gustave Caillebotte (1848 – 1894).