“A ciência nunca resolve um problema sem criar pelo menos outros dez.”,
George Bernard Shaw (1856 – 1950): dramaturgo e romancista irlandês.
Imagine que você seja um cientista que acabou de inventar um dispositivo capaz de contar quantas laranjas existem dentro de uma caixa, seja qual for a distância que essa caixa está. Agora imagine que, para provar o funcionamento de seu novo dispositivo, você coloque uma caixa de laranjas no quarteirão de cima de sua casa. Ninguém sabe quantas laranjas há lá dentro, nem você. Apontando o dispositivo para essa caixa, o aparelho indica então que existem exatamente cem laranjas lá dentro. Entusiasmadíssimo, é chegada a hora de fazer a contagem manual. Mas um imprevisto ocorre: você encontra apenas cinco laranjas lá dentro. Como algo pode ter dado errado, o experimento é repetido. Mas, novamente, o dispositivo indica cem laranjas. Convencido de que seu invento funciona perfeitamente, o mesmo teste é repetido infinitas vezes, mas, para sua frustração, o resultado é sempre o mesmo: cem laranjas. Não querendo dar o braço a torcer e ver sua brilhante carreira de cientista-inventor ir para o espaço, você então decide dar um jeito de convencer a todos de que seu dispositivo funciona, sim, e perfeitamente! Mas como? Simples: a saída é afirmar, com convicção matemática, que existem dentro da caixa 95 laranjas invisíveis e apenas cinco visíveis, o que daria um total de cem laranjas, exatamente como sempre indicou, com perfeição, o dispositivo que você, jura, vai revolucionar as ciências modernas.
Logicamente, quando o que está em jogo são laranjas invisíveis dentro de uma caixa, tudo o que você e seu suposto dispositivo poderiam receber da comunidade científica e da população em geral é o escárnio público. Ninguém duvidaria disso. Mas e se, no lugar de contar laranjas, você fizesse a mesma coisa, mas agora com a quantidade de massa existente no Universo?
Ainda na década de 1930, Fritz Zwicky, um astrônomo húngaro radicado nos Estados Unidos, decidiu calcular a massa de algumas galáxias, como a de nossa vizinha Andrômeda (cerca de 3 milhões de anos-luz da Terra) e a da Grande Nuvem de Magalhães (galáxia-satélite da Via-Láctea), mas seus cálculos mostravam sempre algo cerca de 400 vezes maior do que o que ele esperava. Assim como no experimento das laranjas na caixa, Zwicky refez inúmeras vezes seus cálculos e utilizou diversos outros objetos celestes para tentar provar que ele estava certo. Os resultados, no entanto, nunca mudavam. Poderiam os cálculos efetuados por Zwick estar errados? Sim, poderiam, ainda mais quando se obtém um valor cerca de 400 vezes maior do que o esperado.
Para explicar esse “desvio” matemático – e evitar qualquer possibilidade de que suas convicções científicas pudessem ser colocadas em xeque –, Zwick criou o conceito de “matéria escura”. Ou seja, se o professor acrescentasse ao Universo 95% de massa além do que sugeririam seus cálculos, a conta fechava. E foi exatamente o que ele fez.
Até o presente momento, nenhuma evidência concreta da existência de matéria escura foi encontrada. Para suprir mais essa lacuna também, algumas características interessantes foram atribuídas à hipotética (não para Zwick) matéria escura:
- A matéria escura não emite luz nem qualquer outro tipo de radiação (diferente, por exemplo, de buracos negros que, mesmo sendo objetos escuros, emitem outras ondas eletromagnéticas capazes de serem detectadas);
- A matéria escura não interage com a matéria “comum”, não a influencia, nem pode ser detectada, se não matematicamente (conforme mostrava o desvio no cálculo do professor);
- A matéria escura não tem absolutamente nenhuma propriedade físico-química, com exceção de exercer força de gravidade, mas de forma inversa à gravidade verificada na matéria “comum”, ou seja, a matéria escura tem gravidade negativa (característica esta que foi usada para explicar a expansão do Universo, já que nenhum modelo físico nem matemático conseguiu, até hoje, dar uma resposta a esse fenômeno que contraria veementemente as leis gravitacionais propostas desde Sir Isaac Newton até o novo modelo sugerido por Einstein, o da Relatividade Geral).
Depois de ler esse breve e resumido apanhado de propriedades a respeito da matéria escura, não seria nenhum exagero propor mais uma e definitiva característica a ela: a matéria escura não existe! Mas como admitir isso daria muito trabalho e obrigaria a ceder à ideia de que praticamente tudo o que sabemos a respeito do Universo até hoje pode estar errado e não faz absolutamente nenhum sentido (já que não explica 95% dele), a solução proposta pelo professor Fritz Zwick pareceu uma boa ideia.
Essa espécie de “ciência do egoísmo”, na qual se constroem modelos de Universo praticamente com o único propósito de atender aos caprichos de seus idealizadores, é muito mais comum do que se imagina. Um bom exemplo de quem a vem praticando ao longo de décadas é o famoso físico teórico e cosmólogo Stephen Hawking, cujas extravagantes ideias acerca da origem, destino e funcionamento do Universo renderam até um longa-metragem, “A Teoria de Tudo”, lançado em 2015, com direção de James Marsh.
Entre as décadas de 70 e 80, quando a Teoria da Relatividade Geral proposta por Einstein já era bastante conhecida fora do meio acadêmico, Stephen Hawking desenvolveu algumas teorias com as quais procurava demonstrar que viajar no tempo é possível. Mas, desta vez, não foram usados cálculos matemáticos, laranjas, observações de fenômenos naturais nem nada que pudesse dar a esse conjunto de ideias malucas a nomenclatura de “teoria” em si. Para “provar” que viajar no tempo é possível, Stephen Hawking lançou mão apenas da imaginação. Isso mesmo: imaginação! Desviando-se das ciências exatas e se aproximando da narrativa ficcional, o jovem britânico, mesmo preso a uma cadeira de rodas, se tornou o cientista mais aclamado, respeitado e admirado desde Galileu Galilei. Um exemplo de como isso foi possível:
Para Hawking, nós, seres humanos, somos todos dotados de uma espécie de “seta do tempo”, que se encontra em algum lugar do cérebro. Como essa suposta seta está sempre apontando na mesma direção em que o tempo flui, temos, então, a percepção de que o tempo está avançando. No entanto, se fosse possível inverter a posição dessa seta e fazê-la apontar de forma diretamente oposta à passagem natural do tempo, teríamos uma percepção totalmente diferente do escoamento do tempo e começaríamos, assim, a viajar para trás. Daqui a 50 anos, por exemplo, você teria recuado meio século no tempo e estaria lá pelo ano de 1966 e, a menos que desse um jeito de colocar sua seta do tempo de volta à posição inicial, chegaria a contemplar o Big Bang. O que aconteceria depois disso (ou antes, já que o tempo estaria invertido, ou mesmo se aconteceria alguma coisa), ninguém – nem Stephen Hawking – sabe.
Outra ideia igualmente amalucada e também desprovida de bases verdadeiramente científicas se refere à possibilidade de percorrer bilhares de anos-luz pelo espaço e, quem sabe, alcançar até mesmo outra dimensão, tudo isso sem precisar se descolar muito pelo espaço. É exatamente isso o que sugeriu o físico norte-americano John Archibald Wheeler quando lançou, em 1957, a ideia de “buraco de minhoca”, aprimorada mais tarde por Stephen Hawking.
Nessa teoria, o conceito de espaço-tempo assume a forma geométrica de uma sela (daquelas usadas em cavalos). Como as duas extremidades inferiores dessa sela-Universo estão muito próximas, dada a curvatura da peça, haveria um modo de, em vez de ter de percorrer toda a extensão desta sela, viajar por seu interior, passando por uma das extremidades inferiores e saindo pela outra. A esses “furos” no Universo, que nada mais seriam do que atalhos no espaço-tempo, John Archibald Wheeler deu o nome de “buracos de minhoca”. Segundo essa ideia que, é preciso repetir, não está amparada por nenhum tipo de observação, experimentação ou qualquer outra ferramenta utilizada pelo verdadeiro método científico, para entender um buraco de minhoca “basta imaginar um “Universo-bebê” conectado ao seu “progenitor” por um “cordão umbilical”. O “cordão” poder ser encarado como o fio condutor entre possíveis multiversos ou entre o Universo-pai e o Universo-filho.
A ideia defendida por Wheeler se encaixaria muito bem num desenho animado do Gato Félix, mas não! Ela é discutida e aceita entre as mais importantes academias científicas do mundo, mesmo estão bem mais próxima da ficção do que da ciência em si.
Existem inúmeros outros exemplos de “ciência do absurdo” sendo feitos mundo afora – e talvez sendo levados a sério demais – em outras áreas do conhecimento, como na biologia, na genética, na química e até mesmo na matemática, o que nos leva a cogitar a hipótese de ressurreição da alquimia, agora aplicada a todos os “saberes” humanos. Dos cientistas que ganharam notoriedade mundial por transformar imaginação em lógica científica, Albert Einstein talvez tenha sido o único a reconhecer que a divagação precisa de cautela quando começa a se imiscuir à ciência, e fez isso quando afirmou publicamente que o conceito de “constante cosmológica”, proposto por ele por volta de 1917 como uma forma eficaz de “fechar a conta” para um universo estático e imutável (já que seus cálculos apontavam para a direção oposta) foi “o maior erro de sua vida”.
A tentativa de explicar o mundo sem ter muito trabalho tem sido praticada e cultuada de longa data, de séculos atrás, talvez antes mesmo de Leucipo e Demócrito, mas esse método pouquíssimo confiável, que beira à literatura nonsense, nunca foi levado tão a sério quanto agora, quando tem rendido fama, dinheiro, respeito e alguns prêmios Nobéis (e até um Oscar) a seus criadores. Mas basta, no entanto, substituir alguns jargões científicos por “laranjas” ou alguma outra palavra não tão exótica ou que remeta a Star Wars, para que toda essa pompa acadêmica se reduza a análise simples e literal de um mero buraco de minhoca.
Escrito por Fabio Rabello.
Notas:
- Fritz Zwicky (1898 – 1974): astrônomo suíço.
- Para compreender mais leia a obra: “Ciência e Mito”, escrita por: Wolfgang Smith. Publicado por Vide Editorial, sob ISBN: 978-8567394282.
Assista ao trecho do Programa True Outspeak, exibido em 26 de setembro de 2012 por Olavo de Carvalho. E, constate que outras teorias disseminadas por renomados cientistas, como Isaac Newton e Galileu Galilei, não são empíricas: