“O PT toca o socialismo com uma banda de pagode; o PSDB toca o socialismo com uma banda de jazz.“
José Monir Nasser (1957 – 2013), economista e escritor brasileiro
Capítulo I: A distinção contestada
A distinção entre direita e esquerda não exclui de modo algum, sequer na linguagem comum, a configuração de uma linha contínua sobre a qual entre a esquerda inicial e a direita final, ou, o que é o mesmo, entre a direita inicial e a esquerda final, se colocam posições intermediárias que ocupam o espaço central entre os dois extremos, normalmente designado, e bastante conhecido, com o nome de “centro”. Se se quiser flertar com a linguagem da lógica, pode dizer que, enquanto a visão diádica da política, segundo a qual o espaço político é concebido como dividido em duas únicas, partes, uma das quais exclui a outra e nada entre elas se interpõe, pode ser denominada de Terceiro Excluído, a visão triádica, que inclui entre direita e esquerda um espaço intermediário, que não é nem de direita nem de esquerda, mas está entre uma e outra, pode ser denominada de Terceiro Incluído. No primeiro caso, os dois termos, que mantêm entre si uma relação de “ou-ou”, dizem-se contraditórios; no segundo caso, em que existe um espaço intermediário simbolizado pela fórmula “nem-nem”, dizem se contrários. Nada de estranho: entre o branco e o preto pode existir o cinza; entre o dia e a noite há o crepúsculo. Mas o cinza não elimina a diferença entre o branco e o preto, nem o crepúsculo elimina a diferença entre a noite e o dia.
O fato de que, em muitos sistemas democráticos com acentuado pluralismo, o Terceiro Incluído tenda a se tornar tão exorbitante que passa a ocupar a parte mais ampla do sistema político, relegando a direita e a esquerda às margens, não elimina nada da antítese originária; o próprio centro, ao se definir nem como direita nem como esquerda e não podendo se definir de outro modo, pressupõe a antítese e extraí da existência dela a sua própria razão de existir. Conforme as estações e as latitudes, crepúsculo pode ser mais ou menos longo, mas a maior ou menor duração em nada altera o fato de que sua definição depende das definições do dia e da noite.
Capítulo V: Outros critérios
É incrível a dificuldade para se fazer compreender que a descoberta de uma diversidade não tem qualquer relevância com respeito ao princípio de justiça, o qual prescrevendo que os iguais devem ser tratado de modo igual e os desiguais de modo desigual, reconhece que ao lado dos que são considerados iguais existem os que são considerados desiguais ou diversos. Quanto à questão de saber quem são os iguais e quem são os desiguais, trata-se de um problema histórico, que não se resolve de uma vez para sempre, pois são mutáveis os critérios adotados para unir os diversos em uma categoria de iguais ou desunir os iguais em uma categoria de diversos. A descoberta do diverso é irrelevante no que diz respeito ao problema da justiça, desde que se demonstre que se trata de uma diversidade que justifica um tratamento diverso. A confusão é tanta que a maior revolução igualitária dos nossos tempos, a revolução feminina, com a qual nas sociedade mais avançadas as mulheres adquiriram direitos paritários em muitíssimos campos, a começar da esfera política até chagar à esfera familiar e terminar na esfera do trabalho, foi feita por movimentos que as mulheres davam particular evidência, de modo fortemente polêmico, à diversidade.
A categoria do “diverso” não tem qualquer autonomia analítica com respeito ao tema da justiça: não só as mulheres são diversas dos homens, como cada mulher e cada homem são diversos uns dos outros. A diversidade torna-se relevante quando está na base de uma discriminação injusta. Porém, que a discriminação seja injusta não depende da diversidade, mas do reconhecimento de que inexistem boas razões para um tratamento desigual.
Capítulo II: Extremistas e moderados
A tese dos opostos extremismos, que, do ponto de vista dos moderados, não são opostos, mas sob muito aspectos análogos, acabou por obter uma confirmação, embora em uma história menor, nos assim chamados “anos de chumbo”, durante os quais a sociedade italiana foi continuamente alarmada por atos terroristas provenientes de ambas as partes extremas do universo político. Esta mesma tese, em um plano bem mais alto, de história maior, de história universal, está na base do debate historiográfico a respeito da assim chamada “guerra civil europeia” — cujo protagonista principal é o historiador Ernst Nolte —, de acordo com o qual bolchevismo e fascismo (ou nazismo) estão ligados por um fio duplo, o segundo sendo a inversão do primeiro, e a reação segue à ação, a revolução-contra, mas sempre revolução, a catástrofe após a catástrofe.
Excertos da obra “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”,
escrita por Norberto Bobbio (1909 – 2004).
Publicado pela Editora Unesp, sob ISBN 978-8571393561.
Notas da editoria:
Imagem da capa: “A noite estrelada” (1889), de Vincent van Gogh (1853 – 1890).