“O homem que diz que a verdade não existe está pedindo para que você não acredite nele. Então, não acredite!”,
Roger Scruton (1944 – 2020): filósofo e escritor inglês.
Quem não se sente agradado ao inalar o perfume de uma rosa ou a fragrância de um lírio? O cheiro inconfundível de um churrasco ou de um prato temperado com ervas aromáticas, ou ainda o bouquet de um vinho de boa qualidade, quanta atração exercem sobre nós?
Em sentido contrário, o mau cheiro repele; dependendo da intensidade, pode provocar náuseas. Daí o gesto simbólico, muito conhecido, de se tapar o nariz quando um assunto repelente é exposto durante uma conversa.
São reações naturais, que fazem parte da boa ordenação das coisas, pois o que é desagradável ao olfato ou ao paladar tem uma afinidade profunda com o feio, o mal e o erro. Daí Plinio Corrêa de Oliveira afirmar: “Como Deus estabeleceu misteriosas e admiráveis relações entre certas formas, cores, sons, perfumes e sabores e certos estados de alma, é claro que por estes meios se pode influenciar a fundo as mentalidades” (Revolução e Contra-Revolução, 4ª edição, Artpress, São Paulo, 1998).
Nessa perspectiva, é rejeitável a propaganda que vem sendo feita em torno das atividades de uma escandinava de nome Sissel Tolaas, apresentada como “especialista em aromas e artista dos cheiros”, ou então “teórica do odor e missionária do aroma”.
Nascida na Noruega, Sissel dedica-se a pesquisar odores e os produz artificialmente em seu laboratório de Berlim, tanto perfumes como maus cheiros. Coleciona um arquivo de cerca de 6.700 cheiros diferentes e treina seu nariz (e o de outros) para deixar de lado a noção de que os odores podem ser bons ou ruins. Segundo ela, “para o artista do odor, é preciso se libertar da ideia de cheiro bom ou ruim”.
Há anos ela vem “investindo no futuro”. Ataca o que considera ideias pré-concebidas das crianças em relação aos cheiros bons e ruins: “Eu levo as crianças para bairros movimentados, onde o cheiro é bastante irritante, e as crianças ficam desvairadas”. Em seguida reproduz esses mesmos cheiros em seu laboratório e expõe novamente a eles as mesmas crianças. No primeiro dia elas não gostam, mas lentamente se acostumam. No quinto dia, aprenderam a gostar daquele odor que antes lhes era estranho. Tomada por um relativismo assustador, afirma: “Não nascemos para gostar ou não das coisas. […] Todo cheiro acontece num contexto emocional, e você precisa ter uma experiência para reagir ao cheiro”.
Sissel realiza instalações de arte, trabalha com universidades em projetos de pesquisa e utiliza comercialmente sua atividade. Expôs nove tipos de cheiro de suor no Centro Artístico MIT, dos Estados Unidos. Em um show na Fundação Cartier, em Paris, simulou o cheiro da cidade, tendo para isso trabalhado durante seis meses com perfumistas para capturar com precisão o odor de fezes de cão, onipresente na Rive Gauche; de cinzeiros transbordando; e do fedor sulfuroso do sangue de um matadouro.
Numa festa, borrifou sua roupa com cheiro de suor: “Para muitas pessoas da festa, eu estava fedendo. Todas as mulheres exclamavam: Ohhh!”. Gosta de citar Napoleão, numa carta a Josefina. Estando a centenas de quilômetros de Paris, ele escreveu: “Chegarei em três dias. Não se lave”.
Algum tempo atrás os cinemas brasileiros projetaram um filme intitulado “O cheiro do ralo”, em que um permanente e fedorento cheiro de ralo faz parte da trama.
Assim vão se habituando as pessoas a conviver com o mau cheiro. Assim se vai quebrando mais uma barreira, esta de caráter psicológico, entre as muitas barreiras ideológicas já demolidas.
O mau cheiro é um dos tormentos do inferno. Narra Dante Alighieri, na Divina Comédia, que ao chegar com o poeta à beira do sétimo círculo do Inferno, “o ar denso e fedorento que emanava do abismo nos afastou de sua borda” (Inferno, canto XI).
Nesta nossa sociedade em que figuras horrendas e disformes nos são apresentadas como arte, e ruídos cacofônicos como música, só faltava o mau cheiro para torná-la uma antecâmara do inferno.
Escrito por Gregorio Vivanco Lopes.
E-mail do autor: gregorio@catolicismo.com.br.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo em agosto de 2010.
Atualmente Sissel Tolaas produz sobonetes com o cheiro dos seus ex-namorados,
e fabrica queijos com bactérias extraídas dos pés de famosos.