“Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso.”,
Paulo Francis (1930 – 1997).
Observando a apatia social diante das anomalias com que a mídia nos bombardeia diariamente, lembrei de um fato e não pude deixar de traçar um paralelo. Um sombrio paralelo.
Antes, vou contar o caso de Catherine Genovese, conhecida por Kitty Genovese.
Kitty realmente existiu e seu assassinato marcou profundamente a sociedade americana, criando até a expressão, “Síndrome de Genovese” para descrever a indiferença egoísta das pessoas que evitam ‘se envolver’ nos problemas das outras, por mais graves que estes sejam.
Gravidade que às vezes leva à morte, como no caso de Kitty.
Passavam alguns minutos das 3 da manhã do dia 13 de março de 1964, uma jovem mulher atrás do volante saiu do carro e iniciou a caminhada de uns 30 metros em direção ao seu apartamento no bairro de Queens, Nova York, quando percebeu um desconhecido em seu caminho.
Então ela mudou de direção e foi rumo à esquina onde havia uma cabine telefônica policial.
Subitamente, o homem agarrou-a e ela gritou desesperada. Moradores de apartamentos próximos ao local acenderam as luzes e abriram as janelas, ao todo 38 pessoas.
A mulher gritou: “meu Deus, ele me apunhalou! Por favor, me ajudem!”.
De repente, as luzes dos apartamentos se apagaram e as janelas foram fechadas.
Kitty conseguiu escapar, correr rumo ao seu apartamento, mas o agressor a agarrou e a esfaqueou novamente. “Estou morrendo!”, ela gritou.
As janelas se abriram novamente. O agressor entrou num carro e foi embora.
As janelas se fecharam, mas logo o agressor voltou. Kitty agora havia se arrastado para a porta da frente de um prédio próximo. Ele a encontrou estendida no chão e a esfaqueou novamente, atacou-a sexualmente, desferiu mais algumas facadas matando-a.
Ao todo decorreram 45 minutos desde o primeiro ataque até a morte, só então um vizinho da vítima chamou a polícia. Os policiais chegaram dois minutos depois e encontraram seu corpo sem vida. A vítima foi identificada como sendo Catherine Genovese, 28 anos, que estava voltando de seu emprego, todos os vizinhos a conheciam.
Seis dias depois da morte da jovem, a polícia prendeu um suspeito – Winston Moseley, 29 anos, operador de máquinas em comércios que vivia com sua esposa e os dois filhos.
Moseley acabou confessando não apenas ter matado Kitty, mas também duas outras mulheres. Disse possuir “um desejo incontrolável de matar”. Ele falou aos agentes que vagava pelas ruas à noite em busca de vítimas enquanto sua esposa, Elizabeth, estava no trabalho. “Eu escolhia mulheres para matar porque elas eram mais fáceis e não lutavam”, disse Moseley.
O caso Genovese tornou-se um símbolo da apatia social não apenas para os americanos dos anos 60, mas para toda uma geração consciente de que a aglomeração das grandes cidades favorece a desumanização ‘dos outros’, favorece a inércia dos espectadores e acerba a indiferença para com quem não lhe é próximo, porque o espaço urbano pertence a um povo que não tem nada a ver com eles.
Quem circula naquele espaço não faz parte de sua vida. As pessoas se enclausuram numa cápsula virtual tornando-se espectadoras passivas das mazelas que as rodeiam.
A essa atitude foi dado até um nome “bystander effect”, fenômeno psicológico no qual indivíduos mostram-se nada propensos a ajudar outras pessoas em situações emergenciais quando percebem que há outros presentes no mesmo local, é o jeito eufemístico de dizer, “não tenho nada com isso”. Acho que devemos considerar melhor quando se diz que o ser humano é solidário, é generoso, se preocupa como bem estar alheio, não é isso que a prática demonstra.
Observando a atitude dos brasileiros, a apatia geral da grande massa com relação ao estado em que se encontra o país, não posso deixar de comparar o Brasil com a Kitty Genovese que, sangrando, implora ajuda da Sociedade, que segue sua vida indiferente aos desígnios da nossa Pátria.
A Cultura de Massas, filha absoluta do Marketing mais rasteiro, vem modificando a atitude e o pensar do povo brasileiro, anulando as identidades das pessoas que, sem perceber, assumem tranquilamente um novo modelo, proposto pelas grandes mídias.
Esse mecanismo vem subvertendo os tradicionais valores e as instituições, como conhecemos, vão sendo solapadas por um novo perfil sócio cultural, onde impera a mesquinhez, arrogância, indiferença e um consumismo exacerbado.
O certo é que a Antropologia da Maldade decidiu fazer da barbárie uma civilização.
Um antropólogo da maldade não acredita ser possível ensinar matemática ou a poesia de Camões e Manuel Bandeira ao morro ou à periferia, mas está certo de que o morro e a periferia é que têm de ensinar funk e rap aos “imperialistas” e aos “playboys”, já que se trataria da expressão de um novo sistema de valores. É como se aquela “civilização” já não fosse a nossa.
Lutam para preservá-la da nefasta influência da cultura central, pobre e populista, corroída pelo materialismo, pelo capitalismo e por um moralismo de fachada.
Esse é o novo brasileiro. Critica a Sociedade estruturada, desenvolvem uma nova concepção de Sociedade que os levem à ser como somos nós, só que “sem fé, sem lei e sem rei”: sem esperança, sem estado e sem governo.
Uma concepção equivocada, onde os piores suplantam os melhores e criam padrões que são imediatamente absorvidos e copiados.
Pobres brasileiros.
Escrito por Sérgio Avellar.
O autor é comunicólogo com doutorado em “Master en Publicidad” pela Universitat de Barcelona,
onde se aprofundou sua tese sobre a “Cultura de Massas e a Perda das Identidades”.
Autor e gerencia o website Rádio RockPuro.
e-mail: avellar@rockpuro.net / Release: http://rockpuro.net/sergioavellar.html.
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