“Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim.”,
José Ortega y Gasset (1883 – 1955): filósofo espanhol.
Outro dia, passando pelo centro de uma cidade moderna, encontrei o homem medíocre. Ele tinha todos os nomes: chamava-se João, Pedro, Antônio, Luis, Paulo etc., etc. Tinha também todas as alturas possíveis ao ser humano, desde o agigantado ao anão. Seu peso? Gordo como um tonel e magro como um caniço, passando pelas flutuações intermediárias. A cor de sua pele era branca, preta, amarela, comportando uma infinidade de tons. Vendia saúde e tinha todas as doenças. Ele era rico, era pobre, era remediado; era nobre, burguês e plebeu. Advogado e mendigo, médico e faxineiro, empresário e operário, não havia profissão que ele não exercesse, até a de desempregado.
A cidade onde o encontrei? São Paulo, Tóquio, Nova York, Madri, Camberra… enfim peguem o mapa mundi e será fácil localizá-lo em qualquer parte.
Só o que nele não encontrei foi sabedoria e verdadeira fé.
Dei-me conta então de que o homem medíocre é o fruto típico do processo revolucionário de caráter igualitário que desde o Renascimento e o Protestantismo vem, como um flagelo, se abatendo sobre as sociedades do mundo moderno. Lembrei-me dos tempos áureos da civilização cristã em que cada homem, por mais minguadas que fossem suas capacidades naturais, por menores que fossem sua importância social ou seus recursos de fortuna, era detentor de urna personalidade própria, que normalmente fazia dele uma célula viva, única e inconfundível no plano da Criação. Isto lhe advinha da graça e da retidão de sua natureza espiritual não deformada pelos mil condicionamentos revolucionários modernos.
De homens assim surgiu então toda uma cultura e uma civilização católicas, não só com sua filosofia e sua arte sublimes, suas catedrais e castelos incomparáveis; mas também, num outro plano, com seus queijos e vinhos requintados, sua culinária variada, suas mil formas de artesanato popular, de canções e danças alegres e inocentes. Os homens que geraram tais maravilhas, frequentemente eram apenas medianos (ninguém tem obrigação de ser gênio), raramente medíocres.
É claro que medíocres sempre os houve, mas a Revolução igualitária, causadora de um achatamento generalizado devido a seu igualitarismo nauseante, roubando às almas seus mais prodigiosos fatores de ascensão espiritual que são a fé e o amor de Deus, fez da civilização moderna urna verdadeira fábrica de medíocres produzidos em série.
Quer conhecer um deles? Deixarei que o escritor católico francês Ernest Helio (1828 – 1885) o apresente:
“Suas admirações são prudentes, seus entusiasmos são oficiais. Por vezes o homem medíocre admite um princípio, mas se se chega às consequências desse princípio, ele dirá que se exagera. Se a palavra exagero não existisse, o homem medíocre a inventaria. Ele tem medo e horror dos santos e dos homens geniais; nada admira com calor. Não crê na existência do diabo. Ele prefere seus inimigos, se são frios, a seus amigos se são quentes. O homem medíocre gosta dos escritores que não dizem nem sim nem não sobre coisa alguma, que nada afirmam, que condescendem com todas as opiniões contraditórias. Ele acha insolente toda afirmação. Mas se alguém é um pouco amigo e um pouco inimigo de todas as coisas, ele o achará sábio e reservado. Ele tem medo de comprometer-se O homem medíocre diz que há bem e mal em todas as coisas. Ele lamenta que a Religião cristã tenha dogmas. Não tem entusiasmos nem compaixão. Sente-se apoiado sobre a multidão dos que se lhe assemelham. Ele não luta. Tem sucesso porque segue a correnteza. Não percebe a grandeza, não se extasia nem se precipita. Nos seus julgamento como em suas obras, ele substitui a contenção à realidade, aprova o que cabe em seu casulo e condena o que escapa às designações e categorias que ele conhece; teme o que o surpreende, e não se aproxima nunca do mistério terrível da vida, evitando as montanhas e os abismos através dos quais ela conduz seus amigos. O homem medíocre é muito mais perverso do que ele se imagina e do que os outros o imaginam, porque sua frieza esconde sua maldade. Ele é o mais frio e o mais feroz inimigo do homem genial. Ele é cheio de si, cheio de nada, cheio de vazio, cheio de vaidade” (“L’Homme”, capítulo “L’homme médiocre”, pp. 58 a 67).
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo em janeiro de 1987.
Nota do editor:
A imagem associada a esta postagem é uma reprodução de fotografia capturada em 1952 por J. R. Eyerman (1906 – 1985). Foi utilizada na capa da primeira edição do livro “A sociedade do espetáculo”, obra escrita pelo autor marxista Guy Debord (1931 – 1994).
Assista ao vídeo produzido pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, denominado “Explicando a Gnose e a Nova Era: A Revolução Igualitária, Silenciosa e Anti-Cristã no Mundo”: