O que torna perigosas certas ideias políticas?

Obra: "O dilema eterno da humanidade, A escolha entre a virtude e o vício" (1633), criada por Frans Francken (1581 - 1642).

O progresso técnico deixará apenas um problema: a fragilidade da natureza humana.
Karl Kraus (1874 – 1936)



Por que motivo, tantas vezes tomadas como inspiração no acesso ao poder e ali chegadas numa corrente de esperança, resultam em fracassos éticos, políticos, econômicos e sociais? Qual seu erro essencial?

O erro essencial constatável nestes casos envolve a natureza humana. É um erro antropológico, sobre quem somos. Aquele que vai lidar com política ou outras ciências sociais, mas principalmente expor ideias e apresentar propostas para a organização da vida em sociedade, precisa conhecer o homem e sua natureza porque ele é o ente indispensável a partir do qual e com o qual se constrói o pensamento e a ação política. Ao desconhecê-lo, ao subestimá-lo, ao ver o ser humano apenas como um simples animal racional, ou como uma insignificância no conjunto da sociedade, proclama-se a tragédia por vir. Pelo viés oposto, ao superestimá-lo, tendo-o como deus de si mesmo, cometem-se erros tão terríveis quanto os que já foram praticados a partir de tais equívocos.

Somos seres complexos. Convivem em nós múltiplas dualidades e antagonismos internos inerentes à nossa existência:

  • Tiranossomos materiais e espirituais;
  • somos individuais e sociais;
  • somos racionais, intuitivos e emocionais;
  • somos capazes do bem e do mal.

E, ainda:

  • somos sujeitos da história e objetos da história;
  • somos imperfeitos e aperfeiçoáveis;
  • estamos vivos e sabemos que vamos morrer.

Muito mais poderia ser dito com igual sentido. De nada vale preferir que fôssemos diferentes; é assim que somos e é assim que nos defrontamos cotidianamente com as tensões inerentes a tais características.

Portanto, toda ordem social que desconhecer as realidades acima não estará apenas predestinada ao insucesso. Estará condenada a se tonar um flagelo, uma tragédia com inscrição funesta nos anais da história.

Não se brinca com a natureza humana. Não se pode descartar de uma cultura, ou de uma civilização, a fé inerente àqueles que nela se integram. Não se pode fazer isso com todos, nem com ninguém. Tal afirmação nos transporta, pela mão, para o caráter simultaneamente individual e social do ser humano.

O dito erro antropológico está presente tanto no individualismo exacerbado quanto no coletivismo exacerbado porque ambas as dimensões são implícitas à nossa natureza, desde antes do nascimento até depois da morte. Ele marcou os coletivismos nascidos no século XX e continua a influenciar o pensamento e a ação política contemporânea.

Para agravar o cenário, ressurge, remodelado em forma e conteúdo, nas articulações do globalismo efluente neste século XXI, tem cadeira no STF e influencia o pensamento jus-político em nosso país.


Por Percival Puggina.
Publicado no website do autor em 13 de agosto de 2021.


Notas da editoria:

Imagem de capa: “Mankind’s Eternal Dilemma. The Choice Between Virtue and Vice” (1633), do pintor antuerpiense Frans Francken (1581 – 1642). Para visualizar a obra em alta definição, clique aqui.


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