O conteúdo abaixo contém dois excertos do artigo “América Latina: Governos de esquerda com pouco apoio popular e progresso da revolução cultural”, publicado pela Revista Catolicismo, número 865 de janeiro de 2023.
Mais detalhes no término desta postagem.
Em todos os tempos e civilizações, mesmo nas mais primitivas, a autoridade sempre se dotou de certos protocolos, distâncias e formalidades que lhe conferiam uma influência natural sobre o restante da sociedade. Com isso ela realçava em geral os aspectos mais nobres das idiossincrasias da nação ou do grupo social que liderava.
Mas o que acontece quando, em vez de querer refletir essas qualidades, a autoridade opta pelo contrário, ou seja, por se misturar com o que há de mais vulgar e comum na nação?
O efeito-espelho entre a autoridade e os cidadãos se inverte, e o povo, ao contemplar a sua própria vulgaridade nas autoridades, acaba banalizando quem tenta ser igual a ele. É o que aconteceu notoriamente no ano findo com os chefes de Estado e os políticos em geral.
Eles procuram ser vistos apenas como “mais um” do conjunto, refletindo exclusivamente o que há de mais comum e prosaico. Tomemos, por exemplo, os presidentes do Chile, do Peru e da Bolívia. O primeiro, Gabriel Boric, renunciou ao uso da gravata; o segundo, Pedro Castillo usou o chapéu chotano até se convencer de que essa atitude “dividiu” o país; e o terceiro, Luís Arce, adota modos de ser semelhantes a seus congéneres; sua aparência representa mais hábitos terroristas do que a de um chefe de Estado.
Se essa é a forma de apresentação característica de muitos chefes de Estado do continente, o que dizer dos políticos em geral? A extravagância total é a nota dominante, e quanto maior for ela, mais os políticos julgam atingir as simpatias de seus respectivos eleitorados.
No entanto, o resultado é muito diferente do que eles imaginariam. As sociedades, não vendo nada nas autoridades que as distinga delas mesmas, acabam por questionar se tais autoridades têm o direito de ocupar os cargos para os quais foram eleitas.
Assim, a banalização das autoridades políticas acaba sendo um círculo vicioso, e, em última instância, uma das importantes causas do descrédito do próprio sistema democrático representativo. O que, por sua vez, se presta ao surgimento de novos “líderes salvadores”, como Chávez, Maduro, Ortega e outros, que vemos se espalhar no nosso continente.
O ano de 2022 assistiu a grave aumento do divórcio entre as autoridades políticas e os cidadãos, colocando em sério risco a própria manutenção do sistema democrático representativo.
A revolução do vestuário e a saturação do grafite
Se este é o panorama indumentário daqueles chamados a serem as elites naturais de uma nação, o que dizer do resto das populações do nosso continente?
O imortal Camões escreveu nos Lusíadas que “o fraco rei faz fraca a forte gente”. Isso se aplica ao mau exemplo dado pelos atuais “reis” da notoriedade, ungidos pela propaganda. Sua vulgaridade no modo de se apresentar vai se tornando o denominador comum das sociedades.
Outra expressão desse ambiente vulgar, em que estadeiam o sujo e o feio, são os grafites que infestam as ruas e logradouros públicos da maioria das capitais latino-americanas. Sobre a chegada a Buenos Aires de um grafiteiro inglês para expor suas “obras de arte”, a comentarista Mónica López Ocón comentou:
“O rebelde que começou a fazer tremer os muros das ruas de Bristol, cidade onde nasceu, com seus grafites críticos e rebeldes, fazendo crer aos transeuntes que a nova Revolução não era mais feita por guerrilheiros barbudos, nem por russos com foices e martelos, mas que agora vinha com aerossol, um frasco que ao ser apertado disseminava uma substância revolucionária que ficava grudada nas paredes, [o qual] era simplesmente comprado em loja de ferragens e não precisava de estratégias bélicas ou de mártires imolados em busca de um ideal, agora cotiza suas obras em milhões e estas percorrem o mundo pelas mãos de empresários que obtêm substanciosos lucros”. 1
Hoje o grafite não expressa ideias, como em maio de 1968 em Paris, mas culto ao feio, ao brutal, ao obsceno. Não respeita o consentimento dos donos dos imóveis grafitados, nem a aprovação daqueles que se sentem agredidos por suas representações abjetas.
Como um hino à anarquia, onde tudo é permitido numa terra de ninguém, esses novos revolucionários imprimem cores estridentes, formas vulgares misturadas com algumas mensagens anti-ordem, como meio de conquistar o terreno do visível e fazer apologia do sujo e do feio.
Por ocasião do chamado “Chile acordou”, todas as ruas ao redor do epicentro das manifestações, bem como a maioria das fachadas das igrejas, que escaparam dos incêndios, e edifícios dos centros das principais cidades do país, estavam sujas com o spray desta nova revolução.
No entanto, esta agressão revolucionária não é exclusiva de Santiago. As principais cidades do nosso continente, outrora cartões de visita da cultura e da ordem que nelas reinavam, se transformaram em exibições de sujeira, incitando os transeuntes a se tornarem sujos e vulgares como elas.
Escrito por Juan Antonio Montes.
Publicado pela Revista Catolicismo, número 865 de janeiro de 2023.
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Notas:
- Mónica López Ocón, “A revolução em aerossol”. Obras do grafiteiro inglês mais famoso e valorizado do mundo desembarcam na Argentina em agosto. Uma exposição que promete ser um sucesso. 18-5-22. https://www.tiempoar.com.ar/cultura/la-revolucion-en-aerosol/
Notas da editoria:
- Imagem de capa: “Decadência da Revolução” (2009), por Jobert.
- Foto inclusa no interior do artigo. Da esquerda para a direira: Gabriel Boric (Chile), renunciou ao uso da gravata; o segundo, Pedro Castillo (Peru), usou o chapéu chotano até se convencer de que essa atitude “dividiu” o país; e o terceiro, Luís Arce (Bolívia), adota modos de ser semelhantes a seus congêneres.