“A lei deve ser breve para que os indoutos possam compreendê-la facilmente.”
Sêneca (04 a.C. – 65).
História número 1
Na primeira aula para a turma de calouros de uma faculdade de Direito, o professor, logo após a chamada, encarou o aluno visivelmente mais idoso da classe e disse, em tom agressivo: “O senhor aí, retire-se da minha sala de aula!”. Após alguns instantes de tensão, tendo o aluno saído, perguntou à turma: “O que houve? Porque vocês estão assim, com cara de quem viu lobisomem?”. Longo silêncio até que um dos estudantes, com visível insegurança, explicou que a expulsão do colega parecia não ter razão de ser. “Cometi uma injustiça? É isso? Então, vai lá fora e chama-o de volta”. Ao retornar, a surpresa: o aluno expulso ocupou o lugar do “professor” e este, encerrada sua representação, sentou-se entre os colegas. A partir daí, o verdadeiro docente da turma passou a lecionar o grupo sobre o dever moral, mormente entre advogados, de não silenciar perante uma injustiça.
História número 2
A aula daquela matéria toda vez mudava de local. Perdia-se um tempo procurando, subindo e descendo escadas. Naquela manhã, o professor já começara a falar quando uma aluna, retardatária, ensaiou entrar na sala. O homem com giz na mão olhou-a de modo rude e lhe disse, em tom mais rude ainda, que não podia entrar, pois a aula já começara. Enquanto a mocinha, humildemente, se retirava, um aluno levantou-se e explicou ao professor que sua cadeira sempre envolvia aquela dificuldade de localização, dando causa a tais atrasos. E completou: “Se a colega não pode entrar, eu saio”. E saiu da sala, seguido pelos demais.
A primeira história circula nas redes sociais há algum tempo. Não sei se realmente aconteceu. A segunda, esta última, deu-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, na minha turma, por volta de 1966 e fui eu o aluno que reagiu à conduta do professor.
Quando o silêncio de alguns faz a história de todos
Injustiças me incomodam. Por isso, observo com indignação as ocorrências nacionais e o silêncio de tantos que devendo reagir, não o fazem. Penso na omissão perante casos como os de Allan dos Santos, de Barbara Destefani (Te atualizei), de Bernardo Küster, de Camila Abdo e outros que tiveram cortadas suas fontes de renda e enfrentam as dificuldades disso decorrentes sem ter acesso aos seus processos. O que fazem com eles não cabe no mundo das boas leis. Não conheço a todos, mas os que mencionei são pessoas que, de bom grado, receberia em casa para jantar com minha família. A seus detratores, não.
Outro dia, assisti Bárbara dizer à Jovem Pan que, há 10 meses, foi desprovida de seu sustento e não recebeu até agora sequer um e-mail que lhe indicasse os motivos disso. Logo após, li Bernardo afirmando estar na mesma situação dois anos depois de ter sido vítima de igual arbitrariedade.
A defesa da liberdade
Eles tinham milhões de seguidores. São pessoas que comungam do amor à liberdade e da aversão ao arbítrio. Censurados, podem sair à convivência das ruas enquanto seus censores viajam ao exterior para poder tomar sol.
Nada espero da OAB, nem dos advogados banqueteiros e festeiros da confraria Prerrogativas (Prerrô, para os íntimos). Tampouco espero algo das associações ditas “Pela democracia”, organizadas por pessoas que passaram por cursos de Direito e nada aprenderam sobre o valor Justiça.
Minha singular e tênue esperança está em que a sociedade não deixe morrer a repugnância à injustiça. E perceba, em tempo, o quanto ainda pode ir além, perigoso e arrogante, o poder que tudo pode.
Por Percival Puggina.
Publicado no website do autor em 27 de julho de 2022.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “The allegory of justice, the room of constantine in the papal apartments in the Vatican” (1509), Raffaello Sanzio da Urbino (1483 – 1520).