“Educação é uma arma cujos efeitos dependem em quem a tem em mãos e a quem ela é dirigida.”,
Joseph Stalin (1878 – 1953).
A questão-chave para toda a discussão é: quem deve ser o supervisor da criança, os pais ou o estado? Uma característica essencial da vida humana é que, por muitos anos, a criança é relativamente incapaz, que seu poder de se sustentar madura tarde. Até que este poder esteja plenamente desenvolvido ela não pode agir completamente por si mesma como um indivíduo responsável. Deve estar sob tutela. Sua tutela é uma tarefa complexa e difícil. De uma infância de completa dependência e subordinação aos adultos, a criança deve crescer gradualmente para o status de adulto independente. A questão é sob qual orientação e “propriedade” virtual a criança deve estar: sob seus pais ou sob o estado? Não há terceiro ou meio-termo nesta questão. Alguma parte tem controle e ninguém sugere que terceiros tenham autoridade para confiscar a criança e educá-la.
É óbvio que o estado natural das coisas é que os pais tenham a guarda dos filhos. Os pais são os produtores literais da criança, e a criança está em relacionamento íntimo com eles, mais do que com outras pessoas. Os pais têm laços de afeto familiar com a criança. Os pais estão interessados na criança como indivíduo, são os mais suscetíveis a se interessarem por ela e estão familiarizados com suas necessidades e personalidade. Finalmente, acreditando numa sociedade livre, onde cada um é dono de si e do que produz, é óbvio que seu próprio filho, um de seus bens mais preciosos, também está sob sua guarda.
A única alternativa lógica para a “propriedade” dos pais sobre a criança é o estado confiscar os filhos de seus pais e educá-los ele mesmo. Para qualquer um que acredita na liberdade este parece ser, na verdade, um passo monstruoso. Em primeiro lugar, os direitos dos pais foram completamente violados, seu próprio e amado bem foi confiscado para ser subordinado à vontade de estranhos. Em segundo lugar, os direitos da criança foram violados, pois ela cresce em sujeição às mãos de desamor do estado, com pouco respeito pela sua personalidade individual. Além disto – e esta é a consideração mais importante – para cada pessoa ser “educada”, para desenvolver suas faculdades ao máximo, ela precisa de liberdade para este desenvolvimento. Vimos acima que estar livre da violência é essencial para o desenvolvimento da razão e personalidade do homem. Exceto para o estado! A própria existência do estado se baseia na violência, na coação. Para bem dizer, a característica que distingue o estado de outros indivíduos e grupos é que o estado é o único que tem o poder (legal) para usar a violência. Em contraste com todos os outros indivíduos e organizações, o estado decreta o que deve ser obedecido sob risco de prisão ou cadeira elétrica. A criança deve crescer sob as asas de uma instituição que repousa sobre violência e restrição. Que tipo de desenvolvimento pacífico pode haver sob circunstâncias deste tipo?
Ademais, é inevitável que o estado imponha uniformidade tutelar sobre o ensino. Não somente a uniformidade agrada mais o temperamento burocrático e é mais fácil de aplicar, como seria quase inevitável onde o coletivismo suplantou o individualismo. Com o estado tendo a propriedade coletiva das crianças substituindo a propriedade individual e os direitos de propriedade, é claro que o princípio coletivo seria também aplicado no ensino. Acima de tudo, o que seria ensinado seria a doutrina de obediência ao próprio estado. Pois tirania não é compatível com o espírito do homem, que exige a liberdade para o seu pleno desenvolvimento.
Portanto, técnicas de inculcar reverência ao despotismo e outros tipos de “controle de pensamento” são obrigadas a emergir. Ao invés de espontaneidade, diversidade e homens independentes, emergiria uma raça passiva, ovelhas seguidoras do estado. Uma vez que se desenvolvessem incompletamente, estariam apenas semivivas.
Pode-se dizer que ninguém está contemplando tais medidas monstruosas. Mesmo a Rússia comunista não foi tão longe a ponto de impor um “comunismo das crianças”, mesmo tendo feito quase tudo para eliminar a liberdade. O ponto é, no entanto, que este é o objetivo lógico dos estatistas na educação. A questão que tem sido lançada no passado e no presente é: deveria existir uma sociedade livre com controle dos pais, ou um despotismo com controle estatal? Vejamos o desenvolvimento lógico da ideia de intrusão e controle do estado. A América, por exemplo, começou, quase em sua totalidade, tanto com um sistema completamente privado, quanto com escolas filantrópicas. Então, no século XIX, o conceito de educação pública mudou sutilmente, até todos estarem instados a irem para as escolas públicas e as escolas privadas serem acusadas de ser divisionistas. Finalmente, o estado impôs para as pessoas a educação obrigatória, seja forçando as crianças a irem às escolas públicas, seja determinando arbitrariamente padrões para escolas privadas. A instrução pelos pais foi desprezada. Assim, o estado entrou em conflito com os pais pelo controle sobre seus filhos.
Não apenas tem havido uma tendência para maior controle do estado, como seus efeitos têm sido agravados pelo sistema de igualdade perante a lei, que se aplica na vida política. Em geral, houve um crescimento da paixão pela igualdade. O resultado tem sido uma tendência a considerar cada criança igual a qualquer outra, como merecedoras de tratamento igual, e de impor uma uniformidade completa na sala de aula. A princípio, se tendia definir o nível de acordo com a média da sala, mas isto sendo frustrante para os mais fracos (que devem, entretanto, ser mantidos no mesmo nível dos outros, em nome da igualdade e da democracia), o ensino tende cada vez mais a ser fixado em níveis mais baixos.
Devemos ver que, desde que o estado começou a controlar a educação, sua tendência evidente tem sido cada vez mais agir de modo a promover a repressão e o impedimento à educação, ao invés do verdadeiro desenvolvimento do indivíduo. Sua tendência tem sido para a coação, para a igualdade forçada ao nível mais baixo, para o enfraquecimento dos conteúdos e até mesmo o abandono de todo ensino formal, para o inculcamento da obediência ao estado e ao “grupo”, ao invés do desenvolvimento da auto-independência, e para a depreciação dos assuntos intelectuais. E, finalmente, é a sede do estado e seus asseclas pelo poder que explicam o credo da “educação moderna” de “educação integral da criança”, tornando a escola um “pedaço da vida”, onde os indivíduos jogam, se ajustam ao grupo etc. O efeito desta, como de todas as outras medidas, é reprimir qualquer tendência para o desenvolvimento das capacidades racionais e independência individual; é tentar usurpar de várias formas a função “educacional” (para além do ensino formal) do lar e dos amigos, e tentar moldar “toda a criança” nos caminhos desejados. Assim, a “educação moderna” tem abandonado as funções escolares de instrução formal em favor de moldar toda a personalidade, tanto para forçar a igualdade do aprendizado ao nível dos menos educáveis, quanto para usurpar, o quanto possível, o papel educacional do lar e de outras influências. Como ninguém vai aceitar a definitiva “comunização” estatal das crianças, mesmo na Rússia comunista, é óbvio que o controle estatal deve ser alcançado mais silenciosa e sutilmente.
Para todo aquele que é interessado na dignidade da vida humana, no progresso e desenvolvimento dos indivíduos em uma sociedade livre, a escolha entre o controle dos pais ou do estado sobre as crianças é claro.
Deveria, então, não existir qualquer interferência estatal nas relações entre pais e filhos? Suponha que os pais agridam e mutilem seu filho? Devemos permitir isto? Se não, onde colocaremos a linha-limite? A linha pode ser facilmente desenhada. O estado pode aderir estritamente à função de defender a todos da agressão violenta de todos os outros. Isto incluirá crianças e adultos, pois as crianças são adultos em potencial e futuros homens livres. Simples fracassos em “educar”, ou melhor, instruir, não são motivo para qualquer interferência. A diferença entre os casos foi sucintamente colocada por Herbert Spencer:
Nenhuma causa para tal interposição [estatal] pode ser mostrada até que os direitos das crianças sejam violados, e que seus direitos não são violados por uma negligência de sua educação [atualmente, instrução]. Pois… o que chamamos de direitos são meramente subdivisões arbitrárias da liberdade em geral de se exercer as faculdades; e que apenas pode ser chamado de uma violação dos direitos o que realmente diminua essa liberdade – que tolha um poder já existente de se perseguir os objetos de desejo. Agora os pais que são descuidados com a educação dos filhos não fazem isto. A liberdade de exercer as faculdades é deixada intacta. Omitir instrução de modo algum tira a liberdade de uma criança para fazer seja o que for da melhor maneira que puder, e essa liberdade é tudo o que a equidade exige. Toda agressão, lembre-se – toda infração de direitos – é necessariamente ativa; ao passo que toda negligência, imprudência, omissão, é necessariamente passiva. Consequentemente, por mais errado que um não cumprimento de um dever dos pais possa ser… ele não equivale a uma violação da lei de igual liberdade e não pode, portanto, estar sob jurisdição do estado.1
Extraído da obra “Educação: Livre e Obrigatória”, escrita por:
Murray N. Rothbard (1926 – 1995).
Atente: A obra “Educação: Livre e Obrigatória” é ofertada gratuitamente pelo Instituto Rothbard Brasil e,
todos os links que mencionam tal livro irão direcioná-lo ao respectivo download.
Nota:
1 Herbert Spencer, “Social Statics: The Conditions Essential to Human Happiness Specified, and the First of Them Developed” (New York: Robert Schalkenbach Foundation, 1970), p. 294. Ou, como outro escritor respeitado expressou, no que diz respeito a um pai e outros membros da sociedade: “seus associados não podem compeli-lo a prover para seu filho, embora possam forçosamente impedi-lo de agredir seu próprio filho. Eles podem evitar os atos, mas não podem obrigar a realização de ações.” Clara Dixon Davidson, “Relations Between Parents and Children”, Liberty, 03 de Setembro de 1892.
Notas da editoria:
A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da obra: “Mother reading to her child”, criada pelo pintor inglês George Goodwin Kilburne (1839 – 1924).
O título desta postagem (“Quem deve supervisionar crianças, os respectivos pais ou o estado?”) foi atribuído por nossa editoria com base no primeiro parágrafo do excerto aqui postado.