“É bem necessário investigar muitas coisas para os homens serem amantes da sabedoria.”
Heráclito, por Clemente de Alexandria (Stromata, V, 140)
O compromisso de investigar verdadeiramente as raízes de um problema pressupõe, necessariamente, uma disposição ao sofrimento, principalmente quando o problema em questão assume, para nós, uma suprema relevância do ponto de vista existencial, ultrapassando indizivelmente a esfera da simples curiosidade teórica.
Nesses casos, a jornada investigativa dificilmente falha em machucar muitas das opiniões e posições que, até então, tínhamos como certas, e cujo abandono nos é especialmente doloroso, pois, na maioria das vezes, representavam não somente este conjunto seguro de ideias estabelecidas a partir das quais julgávamos todo o restante, e que agora encontram-se desmoronando diante de nossos olhos, mas também a cristalização dessas ideias em uma série de traços e símbolos incorporados em nossa personalidade, com os quais costumávamos nos apresentar (e representar) em nosso meio social. Esta, portanto, é sobretudo uma experiência de estilhaçamento, ao menos parcial, da identidade, muito antes de tratar-se apenas de uma desdita intelectual.
É, porém, justamente no momento desse estilhaçamento — que é também o momento do medo de não saber, do medo da dúvida (e cuja resolução nada tem a ver com o pueril e logicamente impossível “duvidar de tudo” cartesiano) —, que o espírito se encontra diante da escolha definitiva: o passo atrás, que parece quase natural, garante o conforto psicológico e, muitas vezes, sociológico, em detrimento da verdade; o passo adiante leva a um conhecimento sincero e provado pelo fogo, não sem antes exigir um teste de constância no esforço de bem suportar aquele estado de incerteza e confusão, mas também não sem recompensar quem o faça com a reintegração dos estilhaços de outrora em novas formas, muito mais frescas e elevadas, ou, em outras palavras: com a reintegração — uma de muitas — do eu no ser.
Conhecer, e principalmente conhecer aquilo que merece ser conhecido, dói. Não é por acaso que a palavra que utilizamos para significar algo crucial está etimologicamente ligada também à ideia de dor, de cruz, de tortura (crucis, crucio). Aceitemos, pois, o que nos toca oferecer em sacrifício no altar da verdade, sem a vergonhosa e débil presunção de anelar os prêmios sem jamais percorrer a via dolorosa — a via crucis — que leva até eles.
Por Daniel Marcondes.
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Notas da editoria:
Imagem da capa: São Paulo escrevendo suas epístolas, atribuído a Valentin de Boulogne (1591 – 1632).