“Aqueles que foram intoxicados pelo poder nunca irão abandoná-lo por vontade própria.”,
Edmund Burke (1729 – 1797): político, filósofo e orador irlandês.
O meio jurídico é tristemente dominado por uma empáfia característica, uma maldição de nascença.
O estudante de 3° período, ao vestir um terno para ir ao estágio pela primeira vez, sente-se imediatamente superior e envolvido em uma aura mística de sabedoria e iluminação.
Enxerga-se como o que gostaria de ser – um grande doutor – e passa a se comportar ridiculamente como tal, absorto em seus próprios delírios de grandiosidade.
O excesso de juridiquês – cafonice que parece ter sido criada justamente para compor o cenário de superioridade delirante – entra na equação que levará o sujeito a um patamar irreversível de orgulho e autoexaltação.
Nessa toada, ele passa a se achar merecedor de toda pompa e deferência. Se é aprovado em um concurso de ponta, o elemento delirante tende a se potencializar formidavelmente: qualquer crítica ou desconformidade se torna uma ofensa mortal.
Sua biografia deve ser imaculada, higienizada assepticamente com álcool 70% e talco Pompom a cada deslize: “o que meus colegas vão falar de mim no grupo de Zap”? Confessa e desculpa-se por qualquer infração não cometida diante de uma plateia de corvos famintos.
O Direito passa para segundo plano. O principal é adotar os entendimentos jurídicos permitidos e bem vistos pela “beautiful people”. Talvez dê certo abraçar a causa de uma minoria, mesmo que contra legem. Pode até ser que ganhe uma medalha.
É importante ser aplaudido n’O Antagonista, no Conjur e ser convidado para coquetéis e convescotes onde fará networking. Quem sabe consegue uma promoção por merecimento, ou ficar conhecido para se lançar a algum alto cargo corporativo? “Quem é visto, é lembrado”.
Se algo for abalar minimamente sua imagem – ainda que seja o certo a fazer – ele se esconde. Há uma biografia a preservar.
No leito de morte, talvez lembre que sua invejável biografia, prestes a se encerrar, foi conquistada ao custo das coisas mais sagradas – e que isso lhe custará caro a partir dali.
Quem vive para ter uma biografia imaculada age movido pelo egoísmo e pela soberba, para agradar a si e aos homens.
Já quem se esquece da biografia age movido pela caridade e justiça, para agradar unicamente a Deus.
Escrito por Ludmila Lins Grilo, em 8 de abril de 2021.
Este texto foi extraído de uma postagem realizada pela autora em canal do Telegram.
Notas da editoria:
A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da obra: “The treason trial of Sir Roger Casement”, criada pelo pintor irlandês John Lavery (1856 – 1941).
O título desta postagem (“Um grande doutor”) foi atribuído por nossa editoria com base no terceiro parágrafo redigido pela autora.