Sobre filosofia, leis morais e ciência moderna

Obra de Alexa Meade. Obs.: Não é uma pintura a óleo, é um modelo coberto de tinta acrílica.

Comentários originalmente publicados em nosso canal do Telegram (@CulturaDeFato)



Filosofia não é coaching (18/jul/2022)


Filosofia não é coaching e nem auto-ajuda. Ela não existe para que você “aprenda a ter paz no coração com Platão”, “cure sua alma com Aristóteles” ou descubra “um remédio contra a depressão em Husserl”. O mundo atual, infantilizado até à demência, tem produzido toda uma geração fatalmente propícia a esse tipo de conteúdo, e os “professores” de plantão — aguçado que têm o tino do marketing, sua real vocação — já o perceberam há muito tempo. Infelizmente, muitos dos que vivem do discurso da “restauração intelectual” são os mesmos a oferecer esse tipo de engodo e lucrar com ele. E que fique claro: o problema não está no vender o produto em si, pois compra quem quer; apenas que não se chame isso de filosofia e não se o respeite como tal. Sócrates e tantos outros não gastaram inteiramente suas vidas — às vezes ao ponto de perdê-las — para que confundíssemos o amor à sabedoria com cursos de “como ser feliz”.


Leis morais e realidade (20/jul/2022)


As leis de Deus só deixarão de nos parecer um fardo insuportável quando as tomarmos não como meras restrições comportamentais, mas como guias para a nossa adequação à realidade. Não há um só Mandamento que, se quebrado, não implique necessariamente uma falsificação da nossa posição em relação à ordem do ser. A insurreição de Lúcifer contra Deus é mais propriamente uma insurreição contra essa ordem; o que está no cerne de sua sedutora falsa promessa na tentação do pecado original (“sereis como deuses”) é o desejo por excelência de subversão da estrutura da realidade. Ora, as leis morais reveladas são os caminhos pelos quais podemos nos ordenar e harmonizar, a partir das próprias atitudes, no todo cosmo-ontológico, e, portanto, um antídoto precisamente contra esse tipo de desafinação quanto à disposição do real.


Marinheiros de primeira viagem (25/jul/2022)


Há cerca de 2.400 anos, Platão nos oferecia uma expressão inequívoca e formal dos alicerces da metafísica ocidental. Tratava-se da postulação do plano suprassensível como dimensão última na qual buscar a fundamentação da realidade. Em vez de procurar, grosso modo, a origem da matéria na matéria, como faziam os chamados filósofos “naturalistas”, o verdadeiro filósofo, através do método dialético, deveria alcançar um degrau mais alto em sua investigação e buscá-la justamente em um plano transcendente à matéria, e que, portanto, pode contê-la e originá-la sem ser contido e originado por ela. Através da célebre metáfora da segunda navegação, o próprio Platão nos conta, em uma das páginas mais luminosas da história da filosofia, algo deste seu itinerário espiritual e intelectual (cf. Fédon, 96 A — 102 A).

Pois ocorre que, após mais de dois mil anos fecundando, de modo mais ou menos direto, o desenvolvimento de basicamente tudo o que o intelecto humano produziu de bom e valioso, a barca platônica viu-se diante das vagas da ciência moderna, a qual opera, admitidamente, uma ruptura com toda a tradição investigativa precedente, e para a qual nada existe além do mundo material, fechado em si mesmo. Todas as principais e mais famosas teorias científicas modernas — do Big Bang ao neodarwinismo, da sopinha cósmica primordial aos “multiversos” — nada mais são do que um retorno ao interminável girar em círculos em busca das origens da matéria na própria matéria, agora sob a forma de psicodélicas proposições dignas das mais chinfrins das ficções científicas. Em outras palavras: a ciência moderna inteira se realiza no âmbito da primeira navegação, aquele mesmo paradigma já refutado há por volta de singelos dois milênios e meio.

Por que aceitamos, então, que essas historinhas estupidificantes sejam ensinadas às nossas crianças como fatos absolutamente comprovados e inquestionáveis? Por que reservamos qualquer respeito intelectual aos pseudocientistas do establishment acadêmico? Por que temos vergonha de desacreditar publicamente as teses e os representantes do mais estúpido, fraudulento e vergonhoso período da história da intelectualidade humana?


Por Daniel Marcondes


Nota da editoria:

A imagem da capa não é uma pintura a óleo, trata-se de um modelo vivo coberto por tinta acrílica pela artista Alexa Meade.


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