“‘Escrever bem’ e deixar a realidade falar, tal é a diferença entre um jornalista e um escritor. Deixar que os fatos da experiência falem é muito mais difícil do que ‘escrever bem’. Para isto basta dominar os instrumentos usuais da linguagem pública. Para aquilo, é preciso inventar uma linguagem capaz de dizer o que nunca foi dito antes.”
Olavo de Carvalho (1947 – 2022)
Poucas pessoas estão preparadas para entender o drama que é para quem vive de expressar seus pensamentos por meio da escrita a relação destes com a complexidade contraditória da vida cotidiana, especialmente a política.
O filme “Enquanto a guerra durar” retrata bem a aflição de um intelectual ante a tensão entre sua necessidade de compreender e escrever sobre a realidade que observa e os caminhos contraditórios que esta toma, muitas vezes desafiando aquilo que foi escrito.
A obra de Alejandro Almenábar consegue transmitir a contínua e silenciosa ansiedade que toma conta do pensador Miguel de Unamuno por causa do progressivo contraste que vai se apresentando entre seus valores intelectuais e suas opções – ainda que ocasionais – políticas.
Não há nada mais caro para um filósofo do que sua coerência e nada mais angustiante do que vê-la ameaçada quando as análises feitas sob certas circunstâncias parecem equivocadas na experiência real.
Apesar do diretor de “Enquanto a guerra durar” ocultar a anarquia e a violência do esquerdismo espanhol – o que conduzia o país ao caos – enfatizando a reação franquista, com sua óbvia virulência, o foco do filme é voltado para a aflição de Unamuno – e ele a mostra muito bem, apesar de certo lirismo e discrição.
Miguel de Unamuno apoiou o início do movimento liderado pelo general Francisco Franco por entender que era preciso fazer algo para conter a anarquia promovida pelos ‘rojos’ republicanos. No entanto, o fascismo franquista logo mostrava para o escritor que esse apoio estava sujeito a muitas ressalvas.
Na política, geralmente, apoiar o grupo que se levanta contra o mal evidente não significa apoiar o bem, mas o mal menor. Aliás, política é a contínua escolha pelo mal menor. No entanto, este mal, muitas vezes, é só um pouco menor que o mal maior, ou seja, contém muito de mal em si mesmo.
Para o pensador que tem a coerência como um patrimônio inegociável, testemunhar seus próprios escritos sendo desafiados pela realidade é angustiante e o filme “Enquanto a guerra durar” tem o mérito de captar essa angústia de forma sensível e profunda.
Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 20 de dezembro de 2022.
Fabio Blanco também é o responsável pelo domínio
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Notas da editoria:
Imagem da capa: “Retrato de Pierre de Nolhac” (1909), por Henri Girault De Nolhac (1884 – 1948).