“Primeiro o aborto é autorizado, depois recomendado, por fim imposto obrigatoriamente. É sempre assim. Cada novo ‘direito’ contém em si o germe de uma imposição totalitária. Quando vão entender isso?”
Olavo de Carvalho (1947 – 2022)
Reparo como o catolicismo tem vindo a alterar-se na forma como é vivido pelos próprios leigos. Não é incomum hoje vermos auto-proclamados católicos defendendo coisas como o aborto. Não duvido que o façam com boa intenção, porém mergulhados numa ignorância que não abona a favor de ninguém.
Este termo “aborto” vem do latim, formado por AB-, prefixo que denota privação, mais ORIRI, “nascer, ter origem”. Significa então “privação de nascer”. Esta é a realidade que os defensores do aborto querem ignorar.
Na comunicação social, na literatura feminista e no entretenimento têm vindo a associar essa palavra a conceitos como “direitos reprodutivos”. Ora, se esse termo é adequado, eu duvido, pois como é que matar um bebê no ventre respeita os direitos de alguém reproduzir ou não? “Não reproduzir” é NÃO REPRODUZIR. Não é reproduzir e eliminar o fruto da reprodução, fingindo que nunca foi reproduzido. É a coisa mais fácil de não fazer, só que isso significaria colocar um freio na Revolução Sexual.
Outra associação que se faz é com o conceito de “saúde pública”. Em 2022, o aborto foi a principal causa de morte, pelo 4º ano consecutivo, com 44 milhões de bebés mortos. Seria bom lembrar que, para muita gente iludida no século XX, a matança de judeus e pessoas contrárias ao regime nacional-socialista foi também justificada como uma questão de saúde pública com ampla participação da comunidade médica.
Associa-se também aos direitos das mulheres e ao seu direito de propriedade sobre o próprio corpo. Isto, ao mesmo tempo que se viola o direito das mulheres não nascidas e, numa manobra malabarista, se cria a ideia de que o corpo do bebê morto no ventre era propriedade da mãe. Quão similar é esta ideia àquela que vigorava nos tempos da escravidão, em que um senhor tinha todo o poder e direito sobre a vida do seu escravo, que era considerado sua propriedade?
A vida humana começa na concepção, e esta ideia não é discutível, pois além de ser o óbvio dos óbvios, ela é também consagrada pela ciência da embriologia.
Assim sendo, a única forma de intencionalmente privar alguém de nascer é matando-o, pois ele já está vivo! (mais uma vez, o óbvio dos óbvios). Pergunto aos católicos: por que é tão difícil entender um mandamento tão simples como “não matarás”? Os mandamentos foram elaborados, não para oprimir, mas para proteger a vida e dignidade humanas, essa é a sua real função. Eles nos protegem na dimensão material, como possíveis vítimas, mas também na dimensão espiritual, como possíveis perpetradores.
Não são os movimentos contemporâneos de “justiça social” que têm a patente de exclusividade sobre a defesa dos direitos humanos. Esse legado já o trazemos há milhares de anos. O que esses movimentos fazem hoje é perverter esses direitos para fins de dominação ideológica.
E por fim, qual será a dimensão do dano psicológico e espiritual que sobrevem à mulher que aborta? Talvez não tenhamos capacidade para fazer esse julgamento, pois só Deus conhece a vida interior de cada indivíduo, e só com esse conhecimento se pode ajuizar correctamente. No entanto, como colectividade, é urgente mudarmos a forma como tratamos este problema, começando por repor o verdadeiro significado das palavras que usamos.
Por Francisca Irina.
Pulicado originalmente pelo portal Tribuna Diária, em 19 de março de 2023.
Notas da editoria:
Imagem de capa “Amazing Grace”, por Bill Stephens.