“É nosso dever moral e obrigação desobedecer a uma lei injusta.”
Martin Luther King, Jr. (1929 – 1968)
Controle de armas
Os defensores do controle de armas nos afirmam que retirar as armas da sociedade nos traria maior segurança. Mas isto é simplesmente impossível. O fato é que a tecnologia para fazer armas existe. Não pode ser desinventada. Enquanto existirem metalurgia e soldagem, é irrelevante o tipo de lei imposta aos cumpridores de leis. Aqueles que desejam ter armas, e ignoram a lei, terão armas. Paradoxalmente, o controle de armas abre caminho para violência e torna mais provável a agressão, seja o agressor um terrorista ou do próprio governo.
Realmente não acredito que “zonas livres de armas” façam qualquer diferença. Se fizessem, por que será que os piores tiroteios ocorrem consistentemente em zonas livres de armas, como escolas? E, apesar de que acidentes realmente podem acontecer, não se ouve falar de tiroteios agressivos, ligados ao terrorismo, como estes, ocorrendo em feiras de armas brancas e de fogo – a antítese da zona livre de armas.
Cabe repetir que uma sociedade armada é uma sociedade verdadeiramente educada. Ainda que você não goste de armas e não possua uma, você se beneficia com os efeitos produzidos por quem as possui. É melhor que os criminosos imaginem que estão diante de uma população armada do que desarmada.
A história nos conta que outra tragédia resultante de leis anti-armas é o genocídio. Por exemplo: Hitler sabia que para perpetrar sua “solução final”, uma ação precursora imprescindível era o desarmamento. Apesar de este ser um exemplo extremo de morticínio pelo governo sobre o povão desarmado, caso um governo tenha intenção de atacar o seu próprio povo, ele terá que desarmá-lo antes, para que não possa se defender. O desarmamento deve ocorrer em tempos de alta confiança no governo, sob o disfarce de segurança para o povo, ou talvez das crianças. Sabendo-se que qualquer tipo de governo pode se tornar despótico, não importando o quão idealístico tenha sido seu início, os fundadores asseguraram a liberdade futura dos norte-americanos através da 2ª emenda da constituição.
No nosso próprio país, devemos estar sempre vigilantes para qualquer tentativa de desarmamento do povo, especialmente diante de uma reviravolta econômica. Acredito que a criminalidade possa vir a aumentar rapidamente nos próximos tempos, à medida que os estados e municípios forem pressionados financeiramente pela crise, e a polícia será menos capaz de agir diante dos crimes.
Em muitas áreas, a força policial local poderá ser desviada cada vez mais para atividades geradoras de caixa, tais como aplicar pequenas multas de trânsito e confisco de bens nas contravenções não violentas do comércio de drogas. Sua segurança sempre foi, em última instância, de sua própria responsabilidade, mas isso nunca foi tão importante quanto agora. As pessoas têm um direito natural de se defenderem. Os governos que tomam isso do seu povo são altamente suspeitos.
Tiranos como Hitler, Mao e Stalin procuraram desarmar seus próprios cidadãos, pela simples razão que povo desarmado é mais fácil de controlar. Nossos fundadores, que tinham acabado de expulsar a armada britânica, sabiam o quanto o direito de portar armas serviu como guardião de todos os outros direitos. Este princípio é muito frequentemente ignorado por ambos os lados no debate sobre o controle de armas. Somente um povo armado pode, no final das contas, resistir a um governo tirânico.
Desobediência civil
Acredito firmemente na desobediência civil pacífica. Ela é uma das formas que o impulso da liberdade usa para refrear os poderosos. Eu ainda não participei de nenhum ato – exceto quando me recuso a participar do mercado de votos no congresso – mas eu apoio aqueles que o fizeram, tanto os da esquerda como da direita do espectro político. Desde a Guerra Civil, e mesmo antes, na Rebelião do Whiskey, muitos que se opõem à guerra foram presos e encarcerados.
Protestos contra a escravidão e a segregação levaram muitos a se manifestar e desafiar a lei de modo pacífico. Protestos contra o sistema de impostos e o sistema monetário inconstitucional estão cada vez mais frequentes.
Qualquer protesto, mesmo quando protegido pela constituição, é visto pelos que estão no poder como um desafio perigoso à autoridade do estado. E de fato o é. Muita coisa boa resultou dos protestos, e tristemente, muitas boas pessoas ficaram presas por anos e algumas vezes pela vida toda por terem protestado.
Apesar de não ter escolhido este método de protesto e, em vez disso, optado por promover mudança através de educação e ação política, eu admiro pessoas que o fazem, desde que de modo não violento e desde que compreendam exatamente o que está em jogo. É possível que algum dia eu considere este método como a única opção. A tática a ser usada é estritamente uma opção pessoal. O maior benefício da desobediência civil é a publicidade que ela produz. Ela serve como ferramenta de educação e, no final, pode ser útil para mudar leis ruins ou fazer parar alguma guerra de intenção doentia. Conquanto seja um recurso limitado, é mais prático acreditar que, pelo fato mesmo de que o insurgente está moral e constitucionalmente certo, a justiça será conseguida pela via dos tribunais.
No entanto, nossos tribunais estão tão “corrompidos” com más ideias quanto estão os poderes executivo e legislativo de nosso governo. Grandes mudanças foram conseguidas pela desobediência civil, e os heróis que se lançaram nela merecem nossa gratidão. Sua verdadeira recompensa vem da satisfação interna de perseguir a verdade tal como entendem que ela é – não vem da sensação de se sacrificar por um bem maior.
Admirar alguém que pratica desobediência civil pacífica e perseverante por longo tempo não implica em concordar totalmente com a filosofia daquele indivíduo. Por exemplo, gosto do que Martin Luther King Jr. fez para eliminar a segregação aplicada pelo estado – o boicote é ótima ferramenta para promover mudança pacífica, e King se manifestou brilhantemente contra o sacrifício inconstitucional e fútil que era a Guerra do Vietnã. No entanto, não acredito que sua visão econômica fosse de apoio ao livre mercado. Mesmo quando se tornou radical, e correto, sobre a Guerra do Vietnã, ele se virou para a esquerda no tocante aos assuntos econômicos.
É uma pena, mas é bem o costume: na minha maneira de ver, há uma tendência geral para as pessoas que defendem políticas corretas sobre as guerras estarem erradas quanto à economia, e a mesma tendência para as pessoas corretas no pensamento econômico estarem erradas quanto às guerras. Do mesmo modo que uma pessoa que deseja se manifestar contra a guerra do Iraque, pelo seu custo e militarização, estará também argumentando a favor da assistência médica em seu país paga pelos contribuintes. E é certo como a pessoa que denuncia o tamanho do governo no âmbito nacional estará muito provavelmente defendendo dramática expansão do poderio militar. Se tivéssemos uma filosofia consistente de paz e liberdade, estaríamos nos opondo tanto ao socialismo quanto às guerras, e dispostos a lutar contra toda forma de estatismo, seja no âmbito doméstico ou internacional.
Algumas vezes, o doméstico e o internacional se intersectam para nos lembrar dessa verdade. Quando isso ocorre, a desobediência civil é especialmente necessária. Há muitos heróis desconhecidos que se levantaram contra o alistamento não voluntário, especialmente quando é para lutar em guerras não declaradas e inconstitucionais. Um dos casos mais conhecidos por ter sido perseguido em razão de suas crenças e resistência foi Muhammad Ali. Apesar de ele ter se incorporado à Nação do Islã e ter argumentado que sua objeção era por questões de consciência1, ainda assim foi preso por se recusar a servir e ir para o Vietnã em 1966. Seu resumo sobre suas crenças e porque estava recusando, se tornou um clássico. Simplesmente ele afirmou: “Não tenho nenhum problema com nenhum VietCong.”2 Nenhum outro americano tinha!
Em 1967, Ali foi considerado culpado num tribunal de Houston e sentenciado a cinco anos de reclusão, e multado em US$10.000 – o júri levou 21 minutos. Ele perdeu o título e foi banido do boxe por sete anos. Depois de cinco anos, a Suprema Corte se pronunciou a favor de Ali. Ele nunca passou um só dia na prisão, no entanto pagou um preço alto por suas convicções.
O escritor esportivo Harold Conrad disse, depois da condenação e sentença: “Ele jogou fora sua vida numa jogada de dados, por algo em que acreditava. Não é muita gente que faz isso.” Verdade, “não é muita gente que faz isso”, mas discordo que tenha atirado fora sua vida. Aquela luta, contra o estado, finalmente ele venceu, pagando certo preço. A história deverá mostrar que aquela foi a melhor luta de sua vida, e deve ter sido a que lhe deu o maior sentimento de dignidade e orgulho.
Na época, a resistência de Ali à guerra e ao alistamento foi vista pela maioria dos americanos como “impatriótica”. Mas aquela maioria não tinha entendido que patriotismo é o ato de se levantar contra o governo quando o governo está errado, e mesmo arriscando alto, manter-se firme aos princípios que protegem as liberdades de todas as pessoas. Aqueles que resistem ao estado, sem usar de violência, merecem todo nosso apoio.
A forma oposta de protestar é o uso da violência. Violência é um terrível agente de mudança social. Indivíduos que defendem a violência ou participam de violência, algumas vezes se associam a certos grupos e falsamente dão a impressão que estão agindo como um membro autêntico daquele grupo. A mídia raramente tem interesse em apurar os fatos, especialmente se o grupo que está sendo culpado erroneamente representa ideias contrárias ao tamanho exagerado do governo. Agentes do FBI também se infiltram em certos grupos que eles consideram perigosos. O próprio governo, ao espionar qualquer grupo privado, é uma ameaça aos nossos direitos dispostos na 4ª emenda, que é algo que as pessoas tendem a esquecer. O argumento geralmente é que isto é necessário para manter a segurança do povo americano. Houve vários exemplos em que o funcionário do governo não levou à quebra da lei, mas participou daquilo para surpreender os suspeitos fazendo algo errado. Foi este tipo de abuso da lei que resultou na tragédia de Ruby Ridge, (quando, em 1992, o governo matou a mulher de um homem perseguido numa caçada sem sentido3) e a emboscada a vários grupos do tipo “milícia”. Foi usado em investigações do tráfico de drogas também. O uso de agentes do governo para instigar quebra da lei em operação de “espetar” o suspeito representa violência governamental que pode superar a violência dos supostos criminosos.
Pessoalmente não sei de nenhum grupo organizado que esteja conspirando para um golpe violento contra nosso governo. Há, de fato, muitos indivíduos que reivindicam um sistema de governo mais justo, que não recompense os bem-relacionados com ajuda financeira, nem puna aqueles que só pedem para serem totalmente autônomos, e não serem forçados a ser tutelados ou serem vítimas do estado.
A grande maioria dos americanos detesta o mero pensamento de violência como ferramenta legítima para trazer mudanças políticas. Quase todos acreditam que mudanças podem ser feitas através do processo político. Muitos dos que se sentem impotentes trabalhando em um sistema político bastante confuso ainda enxergam os benefícios em trabalhar para mudar atitudes através da educação e conhecimento. Outros endossam o princípio da desobediência civil pacífica, como um meio de desencadear as mudanças políticas. Esta é uma ferramenta legítima que foi usada por muitos do movimento de direitos civis, para eliminar leis incompreensíveis que forçavam a segregação.
Martin Luther King Jr. percebeu os méritos e também os riscos óbvios de ser preso e se tornar uma vítima da violência do governo. A desobediência civil é uma forma de nulificação pessoal de leis injustas ou inconstitucionais. Mesmo os atuais luminares da esquerda, que reprovam todos os argumentos pró nulificação usados pelos constitucionalistas radicais, dificilmente deixariam de reconhecer a validade desta comparação.
Desobediência civil é um processo pelo qual os fracos e indefesos podem resistir à violência perpetuada pelo estado. O grande problema é que, quando o governo se torna poderoso e abusivo demais, um grande número de cidadãos desiste da educação, da atividade política e da resistência pacífica para desencadear mudanças, e parte para a resistência violenta contra o estado. A linha divisória entre essas alternativas é sempre muito difusa, e algumas pessoas ficam muito ansiosas para combater a violência do governo pelo uso da violência popular. Apesar desse tipo de conflito ter resultado na nossa própria revolução contra a Inglaterra, minha natureza pessoal me leva a defender a persuasão pacífica a fim de conseguir o entendimento necessário para fazer avançar a causa da liberdade.
As pessoas devem compreender que não se pode usar violência para nossa própria maneira de pensar sobre os outros – nem os agentes do governo deveriam ter este poder. Nem mesmo o sistema do voto majoritário nunca deveria ser aceito para legitimar o uso de violência pelo governo sobre o povo.
Extraído da obra Definindo a Liberdade de Ron Paul.
Tradução de Caio Márcio Rodrigues e Tatiana Villas Boas Gabbi.
Esta obra se encontra disponível para download gratuito através do
Instituto Ludwig von Mises Brasil. Acesse nos links respectivos.
Sobre o autor:
Ronald Ernest “Ron” Paul é médico e ex-congressista Republicano do Texas. Foi candidato à presidência dos Estados Unidos em 1988 pelo Partido Libertário e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008 e 2012 pelo Partido Republicano. É autor de diversos livros sobre a Escola Austríaca de economia e a filosofia política libertária, tais como Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal (1984), O fim do Fed – por que acabar com o Banco Central (2009), The Case for Gold (1982), A Foreign Policy of Freedom (2007), The Revolution: A Manifesto (2008) e Pillars of Prosperity (2008). Ron Paul foi um dos fundadores do Ludwig von Mises Institute, em 1982; no ano de 2013, fundou o Ron Paul Institute for Peace and Prosperity e o The Ron Paul Channel.
Notas:
- No original: conscientious objector, isto é: CO – é um indivíduo que alega o direito de recusar atender ao serviço militar, com base em liberdade de pensamento, consciência e/ou religião. Em alguns países os CO são encaminhados a um serviço civil alternativo como substituto para o alistamento ou o serviço militar burocrático. Alguns CO se consideram pacifistas, não intervencionistas, não resistentes ou antimilitaristas. – NT.
- Muhammad Ali: The Greatest, Time, June 14, 1999.
- Um bom relato do caso pode ser encontrado em Wikipedia/Ruby_Ridge, acessado em 15 de dezembro de 2010.
Notas da editoria:
Imagem da capa: Saint Michael Triumphs over the Devil (1468), do artista gótico espanhol Bertolomé Bermejo (1440 – 1448/1500). Para visualizá-la integralmente, clique aqui.