O Clube dos Estúpidos

Obra: "Feast of fools", de Frans Floris (1519 - 1570).

É falta de educação calar um idiota, e crueldade deixá-lo prosseguir.
Benjamin Franklin (1706 – 1790)



Inspirado pela crônica O Clube dos Estúpidos, que faz parte da obra O Romance Morreu de Rubem Fonseca (1925 – 2020), o âncora do Diário da Manhã, Salomão Schvartzman (1934 – 2019), resolveu recitá-la no programa de 9 de novembro de 2007. Confira:





O Clube dos Estúpidos (excerto da obra O Romance Morreu):


Creio que todos aqueles que têm computador e usam o correio eletrônico recebem também muitas mensagens desse tipo [spam]. Mas recebi uma que me parece mais rara. Aqui vai ela, transcrita ipsis litteris:


José,

O senhor provavelmente nunca ouviu falar de nossa associação, o Clube dos Estúpidos. Sou Secretário de Divulgação e Relações Públicas do clube. O nosso lema é a frase do grande poeta alemão, Friedrich Schiller: Contra a estupidez humana até os Deuses lutam em vão. A criação do Clube dos Estúpidos, no Brasil, segue o modelo dos clubes de estúpidos de outros países, como Inglaterra, Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Rússia, França, Espanha, Portugal, Bélgica, África do Sul, Japão, Grécia e Luxemburgo. A estupidez tem como características principais a sofisticação e a ubiquidade, além de ser, para o indivíduo, um forte fator motivacional. É infundada a acusação comumente feita aos estúpidos de serem privados de inteligência e discernimento. Os neurofisiologistas sabem muito pouco sobre o funcionamento da mente humana. Se inteligência é, como dizem, a capacidade de resolver situações problemáticas novas mediante reestruturação dos dados perceptivos, os ratos de laboratório não fazem outra coisa senão demonstrar tal aptidão. E essa disposição para compreender e adaptar-se facilmente é, na verdade, uma forma de conformismo. Nós, os estúpidos, não aceitamos as regras e valores convencionais impostos pela sociedade, por isso dizem que nos faltam sensatez e critério.

As atividades do clube, assim como a identidade dos associados, são mantidas em segredo. Existem várias enciclopédias, dicionários e teorias sobre a estupidez, sendo a mais conhecida A teoria da estupidez, do alemão Hans von Eitel, em oito volumes. Mas von Eitel, como a maioria dos outros autores que escreveram sobre o assunto, é um oportunista aproveitador: ele nunca foi membro, como alega, do clube de Bonn, um dos mais ativos da Alemanha. Porém von Eitel está certo quando afirma que estupidez não é a mesma coisa que falta de inteligência, e que, não obstante seja uma característica humana essencial, não se sabe o que a estupidez é, exatamente. Quando um ser humano nasce, Deus lhe concede, como suprema graça, a capacidade de ser estúpido. Aquele que exerce esse dom é sempre feliz.

Capa do livro "O Romance Morreu" de Rubem Fonseca.Os associados fazem o juramento solene de não revelar o nome dos outros membros do Clube nem a identidade dos doadores de recursos que ajudam a financiar as atividades da associação, para não expô-los ao escárnio, à inveja e ao mau-olhado. Temos sede própria, mas mantemos nosso endereço e o local das nossas reuniões em segredo. Assim como ocorria antigamente na maçonaria, quando poucos sabiam que o imperador d. Pedro I dela fazia parte, o Clube dos Estúpidos tem vários sócios importantes, destacadas figuras dos setores político, econômico, social, educacional, acadêmico e cultural do país, cuja filiação associativa é desconhecida do público.

São aceitos sócios de todos os estados do Brasil, desde que comprovem, com palavras e atos, possuir condições para ser admitidos. O clube se reúne uma vez por mês, em cidades diferentes, quando são feitas palestras dos sócios e debatidas as maneiras de se alcançar a condição conhecida como “estupidez plena”. Em nossa última reunião, dois sócios propuseram como temas para discussão o apotegma de Zenon “Temos duas orelhas e uma só boca, por isso devemos ouvir mais do que falar”, e a indagação filosófica de Joaquim Araújo, “Uma consciência pesada tem quantos gramas?”.

Os candidatos, com exceções especiais, como no seu caso, para serem aceitos como sócios são submetidos a uma entrevista prévia, na qual devem relatar, devidamente confirmada por testemunha idônea, uma ação pessoal taxada de estúpida por terceiros. O atual presidente do Clube, professor de uma importante universidade paulista, entre outras estupidezes cometidas, passou um mês de férias no Rio, na praia de Ramos, pensando que estava em Copacabana, além de ter levado para fazer cocô na praça um cachorro e um gato, juntos numa única guia com duas coleiras, inventada por ele com objetivo de educar esses animais fazendo cessar a hostilidade existente entre eles, mas que, lamentavelmente, causou a morte do gato.

O seu nome, prezado José, foi indicado por um dos membros do nosso quadro associativo. O Comitê de Seleção, depois de analisar o seu curriculum vitae e constatar suas qualificações, pediu-me que lhe escrevesse dizendo da nossa honra em ter o amigo como membro do nosso Clube. Estamos aguardando sua visita.


Excerto da obra O Romance Morreu, de Rubem Fonseca.


Notas da editoria:

Imagem de capa: “Feast of fools”, por Frans Floris (1519 – 1570).


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