“As artes procuram dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história e no universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias, necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor.”,
Do Concílio Vaticano II.
A menina agarra-se ao braço da religiosa a quem acaba de dar um bouquet de flores, enquanto a mãe lhe apresenta sua filhinha caçula para a despedida. Atrás delas o funcionário dos correios consulta seu relógio, pois mais do que uma norma de educação, a pontualidade é para ele um dever que deriva do respeito ao próximo e reflete na própria honra.
No interior da carruagem, outra freira já ocupa seu lugar ao lado de um militar. Outra viajante compra frutas de uma simpática vendedora ambulante. A dama de touca e lenço azul aponta com sua sombrinha para a caixa de chapéu que lhe pertence.
Os carregadores dispõem a bagagem no teto do veículo, alguns homens conversam perto dos cavalos, e o funcionário responsável pela transportadora toma notas em seu relatório.
Assim era a vida há um século ou pouco mais: tranquila, alegre, interessante, colorida. A indumentária variada e elegante realça a dignidade das pessoas. O ambiente é de calma, mesmo em meio ao burburinho que precede a partida. Ninguém grita nem gesticula. Embora sejam de regiões e classes sociais diferentes, pela harmonia que a cena transmite os personagens parecem membros de uma mesma família.
O respeito mútuo, a bonomia, o amor ao trabalho honesto, a compreensão da legitimidade e dos benefícios de uma hierarquização social, como fruto da tradição e do mérito, tornam a vida mais suave, embora não eliminem a necessidade do esforço nem as consequências do pecado original. Em outras palavras, os princípios cristãos ainda marcam profundamente esta sociedade, entretanto já fustigada intensamente por ideias e princípios revolucionários.
Outro aspecto desta cena refere-se à viagem enquanto tal. O ambiente é de calma, sim, mas também de muita vida, até de certo alvoroço. Para muitos, a viagem representa a aventura, e esta dá sabor à vida.
Por outro lado, quem parte deixa para trás um pouco de si mesmo, de suas raízes: os seres queridos, as amizades, os lugares, as recordações. Por isso, alguém disse: partir é morrer um pouco…
Escrito por Benoît Bemelmans.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo em junho de 2011.
Nota do editor:
Esta postagem detalha quadro criado em 1862 pelo pintor britânico Abraham Solomon (1823 – 1862). A obra retrata “a partida da mala postal de Biarritz” (no país Basco francês), durante o Império de Napoleão III. Vale mencionar: o correio da época transportava pessoas e mercadorias. Para visualizar a obra sem recortes, clique aqui.