“Porque a vida é um verdadeiro caos onde ele está perdido. O homem suspeita disso, mas tem pavor de se encontrar cara a cara com essa realidade terrível, e procura ocultá-la com uma cortina fantasmagórica, onde tudo está muito claro. Não importa que suas ‘ideias’ não sejam verdadeiras; usa-as como trincheiras para se defender da sua vida, como rompantes para afugentar a realidade. O homem de cabeça clara é aquele que se liberta dessas ‘ideias’ fantasmagóricas e olha a vida de frente, e assume tudo o que é problemático nela, e se sente perdido. Como isso é a pura verdade – a saber, que viver é se sentir perdido – aquele que o aceita já começou a se encontrar, já começou a descobrir a sua autêntica realidade, já está em terra firme. Instintivamente, como o náufrago, buscará algo a que se agarrar, e essa busca trágica, peremptória, absolutamente veraz, porque se trata de salvar-se, o fará ordenar o caos da sua vida. Essas são as únicas ideias verdadeiras: as ideias dos náufragos.”, José Ortega y Gasset (1883 – 1955). 1
Se vivemos para morrer, e esse é o ciclo natural…
Se há ameaças por toda parte, germes, vírus, doenças graves, acidentes, bandidos, catástrofes, guerras, crises na política e na economia…
Se a qualquer momento podemos perder familiares, amigos, emprego, dinheiro, saúde…
Se, na melhor das hipóteses, morreremos de velhice, num estado avançado de debilidade física e mental…
Se não há Deus e estamos entregues ao acaso de um mundo extremamente perigoso, enquanto esperamos a morte, como podemos não ficar ansiosos?
Não é absurdo que se espere que, em tais condições, os humanos consigam atingir um estado mental de serenidade e otimismo?
Como pode a ansiedade não ser o estado natural para seres racionais à mercê do acaso?
E ainda há quem, crendo no acaso, recorra à terapia para encontrar paz de espírito. Qual a fundamentação para que terapeutas ofereçam seus serviços de alívio à ansiedade? Será que podem anotar em suas placas de consultórios “Venham aqui aqueles sobrecarregados com as angústias da vida e eu os ensino o caminho da paz de espírito”?
A menos que estejamos sob efeito de alucinógenos, ou tenhamos a capacidade de raciocínio tão debilitada que impossibilite qualquer compreensão das implicações de estar vivo num mundo sem Deus, a ansiedade é um estado natural para seres racionais – tão natural quanto seria para os passageiros de um navio que está afundando em alto mar, sem salva-vidas.
No entanto, terapeutas, fundamentados em pressupostos que desconsideram a existência de Deus, pretendem oferecer recursos para tratar a ansiedade. Não é estranho?
É como dizer: “Você tem todas as razões possíveis para estar com medo. Viver é, realmente, muito perigoso. Mas relaxe e se acalme, vamos lhe ajudar a ficar sereno enquanto você espera a morte.” Ou ainda: “Se você tem alguma crença no transcendente, acredita em alguma divindade, use isso para se acalmar – não é real, mas pode ajudar, assim como funciona para a criança que se agarra ao ursinho de pelúcia para sentir-se segura e conseguir dormir numa noite de tempestade”.
Entretanto, sei de Alguém que, além de afirmar ser o próprio Deus, disse:
“Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês.” 2
Fui a Ele. É nele que eu descanso em meio às tragédias deste mundo – enquanto aguardo o novo mundo que Ele prometeu aos que o amam.
Escrito por Noeme Rodrigues de Souza Campos.
Publicado originalmente no website da Editora Ultimato, em 26 de abril de 2022.
Notas:
- “A Rebelião das Massas”, José Ortega y Gasset (1883 – 1955). A obra começou a ser publicada em 1929, no formato de artigos de jornal.
- Mateus 11:28-29
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Provérbios Neerlandeses” (1559), por Pieter Bruegel.
Confira, neste áudio, comentários do filósofo Olavo de Carvalho (1947–2022) sobre as expectativas quanto a esta vida: