O amor inspirou inúmeros compositores, alguns dos quais escreveram peças dedicas a ou
diretamente inspiradas pelas pessoas que amavam. Aqui estão oito das melhores cartas de amor
musicais já escritas.
1. Wagner: Siegfried Idyll
Ainda que sua reputação descanse sobre suas grandiosas, longas e estrondosas óperas mitológicas, Richard Wagner também era capaz de compor em menor escala. Ele escreveu o Siegfried Idyll como um presente de aniversário à sua esposa Cosima, que recentemente lhe havia dado à luz um filho, Siegfried. Wagner contratou uma orquestra de treze músicos para executar a peça nos degraus da casa de campo da família, em Tribschen, na Suíça, na manhã do Natal de 1870, enquanto sua esposa dormia no quarto acima. Cosima recorda:
“Enquanto eu acordava, meus ouvidos captaram um som, que se enchia mais e mais; eu já não mais podia imaginar estar sonhando: havia música ressoando, e que música! Quando terminou, Richard entrou em meu quarto com a criança e me ofereceu a partitura daquele poema sinfônico de aniversário. Eu estava em lágrimas, assim como todos os criados da casa. Richard havia montado sua orquestra na escadaria, e assim nossa Tribschen era consagrada para sempre.”
Wagner tinha a intenção de manter a peça privada, mas, anos depois, precisando de dinheiro, vendeu o Siegfried Idyll para um editor, expandindo a orquestração da obra.
2. Mahler: Adagietto da Sinfonia no. 5
Gustav Mahler escreveu duas peças para sua esposa Alma: a canção Liebst Du Um Schönheit, baseada em um poema de Friedrich Rückert, e este famoso movimento de sua Quinta Sinfonia. Infelizmente, com o tempo, o Adagietto passou a ser associado à morte; Leonard Bernstein o tocou no funeral de John F. Kennedy, e a música apareceu também no filme Morte em Veneza, de 1971. Em grande parte por conta dessa associação, muitos maestros têm arrastado o tempo do Adagietto, em décadas recentes, para um ritmo de funeral, com dez, onze ou doze minutos — e, em alguns casos, até mais —, deformando o movimento e alterando seu devido caráter. As evidências indicam que o próprio Mahler conduzia o movimento em cerca de oito minutos, e é este tempo que revela a origem da peça como uma pujante carta de amor. A gravação abaixo segue os desejos de Mahler a este respeito.
3. Mozart: “Grande” Missa em Dó Menor
A Missa em Dó Menor foi provavelmente o resultado da promessa de Mozart de compor uma Missa em ação de graças a Deus, por seu casamento com Constanze Weber. “É realmente minha obrigação moral”, escreveu o compositor a seu pai Leopold, pouco depois do casamento. “Fiz a promessa e espero ser capaz de cumpri-la. Quando a fiz, minha esposa ainda era solteira; ainda assim, como estava determinado a casar-me com ela logo após sua recuperação, foi fácil, para mim, fazê-la.” Leopold não aprovava a união, acreditando que o filho deveria se concentrar em suas composições e julgando Constanze indigna de seu Wolfgang. Embora nunca tenha terminado a Missa, o jovem Mozart executou o trabalho inacabado em sua cidade natal, Salzburg, quando lá retornou para apresentar sua nova noiva a seu pai. Nesta performance, Constanze cantou os solos para soprano, no que pode ter sido um esforço de agradar o descontente Leopold. A tentativa falhou.
4. Berlioz: Symphonie Fantastique
Obcecado com o trabalho de Shakespeare, o compositor francês Hector Berlioz, certa noite, assistiu a uma apresentação de Hamlet no Teatro Odéon, em Paris. Uma segunda obsessão teve início naquela noite, ao ver-se cativado pela performance da atriz irlandesa Harriet Smithson, no papel de Ofélia. Ignorando seus repetidos avanços, Smithson logo deixou Paris e Berlioz voltou-se às composições, buscando alívio para sua sofreguidão. O resultado foi um estranho novo trabalho: a Symphonie Fantastique, que conta a história de um amante obcecado que sonha com a mulher que deseja (primeiro movimento); que participa de um baile, enquanto ela se mantém evasiva (segundo movimento); que então vai para o interior e encontra um bálsamo para os seus anseios, enquanto escuta o toque recíproco de dois pastores (terceiro movimento); que então faz uso do ópio e sonha que está matando sua amada e sendo guilhotinado por seu crime (quarto movimento); e que finalmente sonha estar no meio de um orgiástico Sabbath das Bruxas, enquanto sua morte é celebrada, como escreveu o compositor em suas notas originais para o programa de estreia da Fantastique, em um “horrendo encontro de sombras, feiticeiras e monstros de todos os tipos”.
Berlioz, afinal, conseguiu fazer com que Smithson consentisse em casar-se com ele, mas sua vida juntos foi deplorável desde o início, e Berlioz acabou por manter um caso com outra mulher.
5. Janáček: Quarteto de Cordas (“Cartas Íntimas”)
Aos 63 anos de idade, o compositor tcheco Leoš Janáček conheceu e apaixonou-se imediatamente por Kamila Stösslová, de 26 anos. Ambos já eram casados, e Stösslová mostrava-se ambivalente em relação a ele, como homem e como compositor. Ainda assim, Janáček escreveu mais de 700 cartas de amor à jovem mulher ao longo dos seus restantes 11 anos de vida. “Você é tão adorável em caráter e aparência que, na sua companhia, o espírito se eleva”, escreveu ele em sua primeira missiva. “Feliz de você! Apenas ainda mais dolorosamente experimento minha própria desolação e meu destino amargo.”
Stösslová tornou-se a inspiração para as personagens femininas de suas óperas e para muitas de suas composições, incluindo o Quarteto de Cordas, “Cartas Íntimas”. Janáček a escreveu a respeito do terceiro movimento do quarteto: “Ele será bastante alegre, e então dissolver-se-á em uma visão da sua imagem, transparente, como que entre a névoa”.
6. Richard Strauss: “A companheira do herói” (de Ein Heldenleben)
O poema sinfônico Uma vida de herói, de Richard Strauss, é escancaradamente autobiográfico — ainda que Strauss, quando perguntado, tenha despistado o assunto, de modo nada convincente —, obra de um compositor que se considerou “não menos interessante do que Napoleão”. A peça descreve musicalmente a vitória de um herói sobre seus inimigos (críticos musicais?), suas maravilhosas obras de paz (suas composições?), sua saída de cena em glória… e sua companheira romântica.
Para Strauss, esta companheira foi sua esposa, Pauline de Ahna, a quem descreveu como “muito complexa, muito feminina, um tanto perversa, um tanto coquete, sempre em constante mudança, a cada minuto diferente do que havia sido momentos atrás”. A música de “A companheira do herói” pode ser vista como um reflexo desta caracterização de Pauline. A esposa de Strauss apareceria novamente, como um personagem sem nome, na sequência de Uma vida de herói, a musicalmente menos interessante Sinfonia doméstica.
7. Beethoven: “Für Elise”
Uma das mais famosas peças já escritas para piano, esta bagatelle de três minutos só foi publicada quarenta anos após a morte de Beethoven. Desde então, a pessoa para quem a peça foi dedicada tem sido assunto muito debatido entre os estudiosos. Quem foi essa “Elise”?
Alguns sugeriram que teria sido Elisabeth Roeckel, amiga do compositor que atendia pelo apelido Elise, enquanto outros argumentam que a dedicatória foi transcrita incorretamente, e que “Für Therese” era direcionada a Therese Malfatti, mulher que rejeitou uma proposta de casamento de Beethoven. Assim como o assunto de sua carta jamais entregue, “Para a amada imortal”, a identidade do objeto das afeições de Beethoven permanece um mistério.
8. Smetana: Quarteto de Cordas No. 1, “Da minha vida”
O compositor tcheco Bedřich Smetana, mais conhecido por sua ópera A noiva vendida e por seu ciclo de poemas musicais Má Vlast (“Minha pátria”), também escreveu esta autobiográfica e muito pessoal música de câmara, que detalha eventos de sua vida, incluindo o início de sua surdez. Smetana explicou que a peça “foi escrita para quatro instrumentos que, como em um pequeno círculo de amigos, conversam entre si sobre o que me oprimiu de modo tão significativo (…). O terceiro movimento (que, na opinião dos senhores que tocam este quarteto, é inexecutável) me recorda a alegria do meu primeiro amor, a garota que depois tornou-se minha primeira esposa”. Esta foi Kateřina Kolářová, que morreria de tuberculose dez anos após terem se casado.
Por Stephen Klugewicz. Tradução: Daniel Marcondes.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Mozart com Constanze na lua de mel” (1910), de Hugo Schubert (1874 -1913).
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