“O jovem não precisa de razões para viver; precisa só de pretextos.”
Ortega y Gasset (1883 – 1955)
Ortega y Gasset esceveu que são as ideias dos náufragos que importam. Afinal, o pensamento de quem naufraga está envolvido em um cenário concreto, inescapável, fatal; é um pensamento que dispensa o supérfluo e precisa agarrar-se ao essencial.
Nós, diferente do náufrago, negamos a fatalidade da nossa circunstância. Vivemos como se nossa terra fosse firme, como se não houvesse um mar de incertezas à nossa volta. Negamos a incoerência da existência e as contradições da vida, refugiando-nos em abstrações e agarrando-nos nas artificialidades que criamos.
E não há nada mais artificial do que a civilização que erigimos. Nossos modelos sociais, com suas estruturas jurídicas, sistemas de governo e instituições podem nos dar a sensação que nosso mundo é estável e seguro, mas não passam de “quadros fantasmagóricos”, como dizia Ortega.
Esquecemos que toda a nosso mundo civilizado não é natural e deixamos que ele nos hipnotize. Acreditamos que a paz e a ordem que experimentamos são espontâneas e deixamo-nos ser alienados por isso.
Tal segurança favorece, então, nosso fingimento e a afetação. Permitimo-nos se perder em sutilezas vazias e especulações estéreis. Mergulhamos na futilidade.
O náufrago não tem esse privilégio. Em meio ao caos e às restrições que enfrenta, ele organiza sua vida com base naquilo que lhe está disponível. Nesta situação, não há lugar para fingir que está tudo bem. Diante do caos instalado, ele precisa ser sincero e absolutamente honesto consigo mesmo, sem agir como se sua situação não fosse trágica.
O náufrago precisa conscientizar-se radicalmente da sua situação, abrir totalmente sua visão para sua circunstância. Ele precisa admitir que está perdido, assumir o seu caos. Só assim tem alguma chance de sobrevivência.
Por isso, suas ideias é que importam. Afinal, precisamos, como o náufrago, aceitar que o substrato da nossa realidade é caótico e fatal; precisamos deixar de ser fingidos, deixar de pose, deixar de afetação; precisamos valorizar aquilo que é essencial. Precisamos pensar como ele porque só assim podemos realmente nos salvar.
Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 18 de julho de 2023.
Fabio Blanco também é o responsável pelo portal filosofiaintegral.com.br.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Naufrágio de um Cargueiro” (1810), por Joseph Mallord William Turner (1775 – 1851).