O escritor e a política mesquinha de seu tempo

Obra: "Anton Chekhov" (1898), por Osip Braz (1873 – 1936).

Nada está no ambiente político de um país que não esteja primeiro em sua literatura.
Hugo Von Hofmannsthal (1874 – 1929)



Anton Tchékhov escreveu certa vez que os grandes escritores e os grandes artistas devem se ocupar da política apenas na medida em que é preciso se defender dela.

Numa época como a nossa, em que vemos um nítido embate entre direita e esquerda em nosso país, esse pensamento ganha uma importância maior. Mas, em 1898, quando Tchékhov compartilhou-o com o amigo e editor Alexei Suvorin, ele já demonstrava tal preocupação.

Ele sabia, certamente, que as grandes mudanças que podem acontecer numa sociedade ocorrem, antes de tudo, na cultura. Para que a vida política mude de alguma maneira, é preciso que haja primeiro uma mudança na cultura.

Pensemos no trabalho de décadas da esquerda no Brasil, controlando editoras e universidades, penetrando em todas as esferas de nossa cultura – tanto nas esferas do divertimento e do jornalismo, como nas áreas da ficção, da poesia e da crítica literária. A esquerda não dominou apenas a teoria sociológica, filosófica e política, mas a produção teórica em geral, nela incluída a própria teoria literária.

O que aconteceu no Brasil nas últimas décadas — e continua acontecendo — não nasceu do nada. As mudanças não surgem por geração espontânea, mas se devem a um trabalho no substrato da organização da sociedade, na cultura em geral.

Clementinum (Pequeno)Tchékhov tinha consciência disso. Estava também consciente de que o trabalho de um grande escritor não deve se prender às questões momentâneas da política: ele precisa encarar sua arte e sua vida sob outra perspectiva, que vai muito além de sua própria vida e de seu próprio tempo.

A última preocupação dos grandes escritores — aqueles que deixaram uma obra que transcendeu o período de tempo no qual viveram — era a política mesquinha de todo dia. Preocupavam-se principalmente em deixar uma obra que permanecesse para as futuras gerações. Essa deve ser também a preocupação principal daqueles que desejam de fato tornar nosso país um lugar em que as ideias possam ser debatidas com maturidade, independência e sensatez — e em que a verdade possa ser buscada sem a influência perniciosa de ideologias.

Portanto, se você quer ser escritor, se quer produzir uma obra que efetivamente permaneça para além de sua época, não perca seu tempo buscando saber o que fez ou deixou de fazer este ou aquele político. Daqui a 10 ou 20 anos ninguém se lembrará de nada disso, como hoje ninguém se lembra de quem foi presidente do Senado Federal há 20 anos. Quem ainda se recorda dos nomes dos presidentes da Câmara Federal de 15, 10 ou 5 anos atrás? Ninguém. E essa ignorância não atesta a falta de senso crítico ou a inconsciência política dos brasileiros, senão a mera irrelevância desses fatos para a história — e o infortúnio de termos uma classe política que não vale nem a pena qualificar.

Ora, o primeiro grande passo para se defender do mundo da política é parar de ler jornal. Quem quer que deseje se aprofundar no mundo da leitura, da escrita e da literatura deve esquivar-se dos textos da mídia, em geral repletos de chavões e ideias vazias papagueados por jornalistas. Parem de ler essas notícias que pintam todos os dias um país mergulhado no caos — a imprensa vive desse eterno sensacionalismo.

Tchékhov estava certo, afinal. Se você de fato ama a literatura e quer se impregnar das coisas maravilhosas que existem no mundo da leitura e da escrita, não se deixe contaminar pela política.


Escrito por Rodrigo Gurgel.
Publicado originalmente em 3 de fevereiro de 2020 no website do autor.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Anton Chekhov” (1898), por Osip Braz (1873 – 1936).


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