Nem tudo é importante

Obra: "Friends Talking", por Leonid Afremov (1955 - 2019).

É a proporção entre nossas representações e a experiência, que assegura a racionalidade dos nossos pensamentos.
Olavo de Carvalho (1947 -2022)



Pela saúde da minha vida social, eu aprendi a falar sobre qualquer assunto. Isso evita aquele desgaste de parecer metido simplesmente por não participar de determinadas conversas. Confabulo sobre filosofia, artes e história; mas também falo sobre futebol, política e, claro, mal dos outros. Tudo pela boa convivência.

A única diferença entre boa parte das pessoas e eu é que elas falam sobre tudo isso com o mesmo entusiasmo. Contam um detalhe qualquer de sua vida cotidiana com a mesma paixão de que discutem um dogma de fé. Tudo parece ter igual importância. Enquanto isso, os temas triviais são tratados por mim apenas como uma concessão que faço para não me afastar demais da sociedade. Obviamente, neste caso, não demonstrarei euforia.

Sinceramente, não me importo de ter de conversar sobre assuntos vulgares. Entendo que eles fazem parte da vida e inclusive servem para aliviar um pouco as pressões do dia-a-dia. Até gosto de falar sobre esportes e política, mas confesso que faço isso sempre com um pouco de desdém, como quem comenta vídeos engraçadinhos de cachorros fofinhos no Instagram. O problema é que falar desdenhosamente de assuntos que outros tratam como importantes não é nada simpático. Não tem como não parecer arrogante ao fazer um comentário desinteressado sobre algo que o outro tem como se fosse da mais alta relevância. Assim, minha estratégia para manter uma boa convivência acaba dando n’água.

Defrontar-se com as questões da vida como se tudo tivesse o mesmo peso já seria um problema, no entanto, as pessoas fazem ainda pior: mostram-se entusiasmadas ao falar do lance polêmico da última rodada do campeonato carioca, da fofoca política da semana ou de algum fato corriqueiro de sua vida comezinha, enquanto ficam profundamente entediadas quando são apresentadas a algum tema mais abstrato, filosófico, que exija um pouco mais de reflexão. São fervorosas nas ninharias ordinárias e letárgicas diante das coisas superiores.

Leo Haas Imagem número 10. Tamanho pequeno com cantos esfumaçados.Todavia, eu não posso fugir de uma verdade óbvia: as coisas têm importâncias diferentes e, por isso, merecem tratamentos diferentes. Não vejo nada demais em fazer comentários jocosos sobre um amigo sem-vergonha, mas é claro que isso não pode me empolgar mais do que um bate-papo sobre um artigo do Olavo de Carvalho. Se eu tratar tudo com a mesma animação, isso não significa que sou feliz, mas é um forte indício de que seja um perfeito idiota.

O problema é que as pessoas não hierarquizam as coisas. Para isso, elas precisariam saber o que as coisas são, ou seja conhecer a natureza delas, identificar a essência de cada uma. Sem isso, tudo se apresenta como um emaranhado indistinguível e inordenável, como um amontoado de bugigangas que se sobrepõem sem razão e sem sentido. Então, perde-se a noção do tempo, energia e atenção que cada coisa merece.

Só quem hierarquiza aquilo sobre o que se debruça não se prende ao que não merece mais do que uma olhada de soslaio. Porém, se tudo, para a pessoa, tem a mesma importância ─ o que pressupõe seu desconhecimento das essências ─ resta-lhe reagir através do único elemento que lhe está disponível: a sensação que a coisa lhe provoca ─ o que explica seu entusiasmo ao falar de sua vida diária ou do seu time do coração e seu tédio quando o assunto se eleva além do nível da paixão.

Quando o que define o comportamento é a sensação e não a inteligência, aquilo que mexe com a emoção, com os sentimentos pessoais, com os interesses mais mesquinhos acaba provocando mais fervor do que aquilo que realmente importa. Assim, torna-se muito mais comum as pessoas serem capazes de brigar por seu político preferido ou mesmo por uma sua opinião qualquer ─ mesmo sobre os assuntos mais irrelevantes ─ mas manterem-se inertes diante de pecados mortais e crimes de todo tipo.

Sabendo disso, não tem como não achar que muito do palavrório acalorado com o qual me deparo por aí não passe de fogo fátuo. Sendo assim, minha falta de animação diante de alguns temas acaba sendo inescapável. Espero, portanto, que meus amigos me compreendam se eu não me mostrar muito empolgado por causa de uma discussão política qualquer.


Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 20 de março de 2023.

Fabio Blanco também é o responsável pelo domínio
http://www.filosofiaintegral.com.br/.


Notas da editoria:

Imagem de capa “Friends Talking”, por Leonid Afremov (1955 – 2019).



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