“Muitos modernos têm tratado o gosto como se fosse uma questão moral.
Só espero que não tratem a moral como se fosse uma questão de gosto.”,
G. K. Chesterton (1874 – 1936).
Depois de várias vacinas contra a COVID-19 terem sido desenvolvidas, vários rumores passaram a circular sugerindo a impossibilidade moral de usá-las.
A situação farmacêutica é extremamente complexa e cambiante. Até o momento, existem cerca de cinquenta vacinas diferentes já produzidas ou em desenvolvimento, de acordo com quatro métodos distintos de elaboração.
O presente artigo trata exclusivamente de responder a seguinte questão moral: considerando a base concreta do funcionamento de uma vacina e a maneira como é preparada, é possível utilizar alguma delas sem cometer pecado?
Todos são livres para opinar sobre a origem da COVID-19, sobre a forma como a epidemia tem sido gerida aqui e ali, sobre a política de vacinação de um determinado país ou sobre a vacinação em geral. No entanto, tudo isso não muda a conclusão moral dada aqui.
Este artigo é dividido em três partes, necessárias para a compreensão do julgamento moral apresentado.
I. Visão geral da vacinação
A ideia da vacina
A ideia de preparar o corpo para os efeitos nocivos de venenos ou agentes infecciosos não é nova. Pode remontar ao rei Mitrídates (132 – 63 a. C). Diz-se que ele toma pequenas quantidades de veneno para se acostumar com ela. Essa ideia pode ser encontrada hoje na dessensibilização, que visa reduzir reações inadequadas em indivíduos alérgicos. O sujeito é colocado em contato com quantidades crescentes de elementos aos quais é sensível para, em última análise, suprimir a reação alérgica a esses elementos.
Na vacinação, o mecanismo é diferente. Envolve a administração total ou parcial de um agente infeccioso, às vezes apenas o seu produto, para fazer o corpo reagir e permitir que adquira imunidade contra esse agente.
Uma primeira conclusão importante deve ser tirada. A vacinação não faz mais do que usar uma propriedade do corpo humano ou animal: sua chamada capacidade imunológica de se opor ativamente a agentes estranhos que o atacam. Assim, se um sujeito for infectado pelo bacilo de Koch, o agente da tuberculose, e se recuperar, ficará imune a uma nova infecção: essa é a imunidade natural. Se outro sujeito for vacinado com a vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guérin), que vem de um bacilo de Koch atenuado, também desenvolverá imunidade, produzida pela vacinação: é uma imunidade induzida, eficaz contra o bacilo de Koch.
Mas é óbvio que essa imunidade também é natural: é apenas a forma como foi produzida que difere. Essa imunidade induzida costuma ser menos durável, porque a reação desencadeada é menos vigorosa do que durante uma doença.
Os diversos tipos de vacina
Até o presente, as vacinas podiam ser classificadas em duas categorias: as vacinas de vírus vivo atenuado e de vírus inativado.
No primeiro caso, antes de serem administradas, o agente infeccioso era modificado a fim de tornar-se inofensivo, mantendo, porém, seu poder antigênico, ou seja, sua capacidade de provocar uma reação imunológica. O caso do BCG é característico deste método. O sistema imunológico ataca o agente da vacina e se lembrará de sua intervenção: então, torna-se capaz de se defender contra um ataque do agente infeccioso.
Este tipo de vacinação, no entanto, é contraindicado para indivíduos imunodeprimidos – cujo sistema imunológico é deficiente – porque, nesse caso, há o risco de uma infecção verdadeira. Foi o que ocorreu com a vacinação contra a varíola, produzindo muitos dramas.
No caso das vacinas de vírus inativado, o agente infeccioso está morto; pode ser administrado inteiro ou em parte. Entre as vacinas desse tipo, a antitetânica é um caso singular: não utiliza o agente infeccioso, mas a toxina que ele produz, que é perigosa e até mesmo fatal. Essa toxina é desintoxicada antes de ser administrada, de forma que não representa mais um perigo, mantendo seu poder antigênico.
A esta última categoria podemos associar as vacinas ditas “proteicas”: o agente vacinal é composto apenas de proteínas do envelope do vírus, ou de todo o seu envelope esvaziado de seu conteúdo.
Outra variante consiste em utilizar um vírus inofensivo para o homem, para introduzir o agente vacinal na célula-alvo (vetor viral).
Vacinas sintéticas
Um novo tipo de vacina vem sendo estudado há dez anos. Foi pensado inicialmente para doenças como Ebola ou Zika. A ideia foi retomada para a vacina contra a COVID-19.
Como todas as coisas vivas, o vírus da COVID-19 contém material genético formado a partir do ácido ribonucléico (RNA). Nos seres vivos, o RNA pode existir de várias formas: RNAm (mensageiro), que transmite informações do DNA do núcleo da célula para os sistemas do usuário; RNAt (transportador), que fornece os elementos a serem montados de acordo com o código do RNAm; RNAr (ribossômico) que constitui os ribossomos, as fábricas de fabricação de proteínas.
A ideia da vacina sintética é copiar uma pequena parte do vírus afetado sob a forma de um RNAm. A parte escolhida no caso do COVID-19 é a parte que codifica a espícula, elemento que permite ao vírus entrar nas células.
Este RNAm da vacina é administrado ao sujeito e penetra em uma célula, resultando em sua multiplicação. Ao sair da célula, é apreendido como um elemento estranho e destruído pelo sistema imunológico. Como resultado, o indivíduo adquire uma imunidade induzida que lhe permitirá lutar contra uma infecção real de COVID-19.
A vantagem desse método é a velocidade do processo de elaboração da vacina. Com efeito, dois laboratórios que já anunciaram resultados muito satisfatórios utilizam este método. O laboratório russo Gamaleya produz uma vacina de forma semelhante, mas utiliza um “vetor”, ou seja, um vírus inofensivo para o homem, para introduzir o fragmento de RNA. Isso pode representar um problema moral que será examinado mais tarde.
Os especialistas em RNAm possuem algumas objeções à tais vacinas que merecem ser consideradas. Primeiramente, vários parâmetros necessários à eficácia da vacina parecem aleatórios demais. Por exemplo, pacientes com câncer ou doenças autoimunes podem sofrer complicações. Além disso, a possibilidade do RNAm ser convertido em DNA, embora muito baixa, não é nula. Isso poderia levar à incorporação deste RNA no genoma. Essa é a razão pela qual essa vacina tem sido contraindicada para pacientes infectados com o vírus HIV.
Finalmente, quando se trata de vacinação, a história da medicina tem mostrado que não se pode dispensar certos passos e do tempo que eles requerem. A pressa com que essas vacinas de RNAm foram permitidas, pode, portanto, ser considerada uma grave imprudência.
A preparação das vacinas
A preparação de uma vacina envolve três etapas: desenvolvimento, produção e testes laboratoriais. No curso dessas três etapas pode surgir uma dificuldade moral em função do ambiente na qual a vacina é preparada.
Deve-se notar desde já que vacinas contra doenças transmitidas por bactérias não estão em questão. Neste caso, o meio de cultura é apenas um conjunto de nutrientes que a bactéria usa para se alimentar: glicose, água, cálcio etc.
No caso das vacinas virais, a dificuldade é a seguinte: cada uma das três etapas da sua preparação pode requerer uma cultura do vírus, necessitando de um ambiente celular vivo. No caso específico de vacinas sintéticas, isso ocorre apenas na fase de teste.
Os virologistas usam três tipos de células: células de órgãos humanos ou animais; linhagens contínuas 1, que muitas vezes são de origem cancerosa e se multiplicam quase indefinidamente; e células embrionárias humanas, que também se multiplicam por muito tempo.
Linhagens embrionárias humanas
Entre essas últimas, há atualmente pelo menos três linhagens derivadas de um aborto: a linhagem HEK-293, originária de um feto abortado em 1972 nos Países Baixos, a linhagem MRC-5, originária de um feto abortado em 1966 na Inglaterra, e a linhagem Per.C6, que veio de um feto abortado nos Países Baixos em 1985.
A utilização de células de fetos abortados para produzir vacinas está em curso desde a década de 1960, e já levou ao desenvolvimento de diversas vacinas, como as que previnem rubéola, varicela, hepatite A e zona.
No quadro do desenvolvimento das vacinas contra a COVID-19, essas células são utilizadas tanto para produzir os vetores virais (adenovírus), que transportarão o agente vacinal, como para produzir a proteína da espícula do coronavírus, que provocará a resposta imune.
Infelizmente, as empresas farmacêuticas preferem usar células de fetos em vez de células adultas, que envelhecem mais rápido e param de se dividir. As células fetais também são menos propensas a serem infectadas com vírus ou bactérias, ou ter sofrido mutações genéticas.
II. Problemas morais acarretados pela utilização de linhagem proveniente de fetos abortados
A questão é saber se alguém pode utilizar ou, em alguns casos, ser obrigado a usar uma vacina que teria sido cultivada em células derivadas do aborto.
O crime de aborto é tão abominável e tão difundido hoje em dia que, à primeira vista, a questão parece supérflua; espontaneamente, o católico responde: não.
Na realidade, o problema pode ser extremamente delicado, porque acontece que, em certas circunstâncias muito específicas, podemos ser confrontados com deveres tão graves, que conduzem a verdadeiros casos de consciência. Nesses dilemas assustadores, o apoio da teologia moral é essencial para examinar a situação em profundidade e discernir o bem a ser realizado.
Observações preliminares
É necessário observar que as células fetais não são injetadas com a vacina, como acreditam alguns: elas servem apenas para a cultura dos vírus e, além do mais, são destruídas pelos vírus, como o são as células infectadas de um paciente. Isso não muda em nada o problema moral.
Deve-se notar também que o problema não é o uso das células fetais em si, porque poderiam ter sido obtidas legalmente, no caso de aborto espontâneo. O problema é que foram obtidas por uma má ação, um aborto.
Distinções em jogo
O princípio que guia a reflexão aqui é o da cooperação no mal. A questão geral é a seguinte: é lícito cooperar com o mal ou o pecado dos outros? A teologia moral deu as explicações necessárias.
Ajudar um pecador a cometer seu pecado é chamado de “cooperação para o mal”, independentemente da ajuda dada. Para que se constitua, a ação do cooperador deve ter uma influência real sobre o ato maléfico, através da ajuda prestada para produzi-lo.
Para avaliá-lo, é preciso situá-lo com exatidão. Isso é muito importante. Aqueles que negligenciam esses detalhes podem não julgar apropriadamente a moralidade da cooperação.
A cooperação é dita imediata quando o cooperador realiza com o pecador o ato mesmo do pecado, por exemplo, se ajuda o ladrão a tirar o butim e a escondê-lo. É o caso do auxiliar cirúrgico que realiza certas partes do aborto ao lado do abortista.
A cooperação é dita mediata quando o cooperador fornece algo que será útil ao pecador – material, ajuda, recurso – ou que lhe permita fazê-lo mais facilmente. É o caso de quem segura a escada para o ladrão, ou da enfermeira que auxilia o abortista.
A cooperação mediata pode ser mais ou menos “próxima” ou “distante”, conforme a ajuda prestada influencie mais ou menos o pecado cometido, ou tenha maior ou menor conexão com ele. Assim, fornecer um ídolo a um pagão é uma cooperação estreita. Mas vender a madeira da qual o ídolo será feito é uma cooperação distante.
Além disso, em razão da intenção, distingue-se a cooperação entre formal e informal. A primeira é quando o cooperador consente voluntariamente com o pecado para o qual está ajudando. Portanto, quem ajuda um ladrão ficando à espreita, por exemplo, ao aprovar esse pecado, coopera formalmente. Ele também será chamado de “cúmplice” pela lei.
A cooperação é material quando o cooperador não quer pecar, mas age prevendo que o pecador abusará da sua contribuição para pecar. Assim, o dono do bar que concorda em dar alguns drinques a um cliente já embriagado, apenas pelo dinheiro, participa do pecado da embriaguez, mas não se associa à intenção do bêbado.
Princípios
– A cooperação formal é sempre ilícita e proibida, pois assume o pecado a que se coopera. O cooperador procura o próprio pecado.
– A cooperação imediata, mesmo que apenas material, é ilícita, porque é um ato ruim e, na maioria das vezes, um pecado idêntico ao do pecado principal. Por exemplo, um assistente de cirurgião que participa da esterilização – ligadura das trompas ou vasectomia – comete o mesmo pecado que o do cirurgião, pois sua ação influencia diretamente o ato de pecado que não poderia ser cometido sem o seu concurso, ou ao menos seria realizado com muito mais dificuldade.
– A cooperação mediata pode ser tanto lícita como ilícita. Na maioria das vezes, e ordinariamente, é ilícita, pois devemos sempre procurar evitar ações más ou cooperar com elas.
Não obstante, por uma utilidade real ou grave necessidade, às vezes podemos ser convidados a fazer algo que, embora bom em si mesmo, será uma cooperação mediata a uma ação ruim.
A utilidade ou necessidade em questão pode ser tão imperiosa que se é então dispensado da obrigação de evitar a cooperação com o mal. Diz-se que há uma razão proporcionalmente grave para a cooperação lícita 2.
Tomemos um exemplo geral: os diversos personagens ao redor de um aborto:
– cooperador imediato: o auxiliar cirúrgico que realiza uma parte do procedimento;
– cooperador mediato próximo: o instrumentador, que ajuda o médico dando-lhe os instrumentos.
– cooperador mediato menos próximo: a enfermeira que preparar a mulher para a operação;
– cooperador mediato ainda menos próximo: o funcionário que cuida da sala de cirurgia;
– afastando-se ainda mais: o funcionário que esteriliza os instrumentos necessários;
– cooperador remoto: o laboratório que fornece os anestésicos e os dilatadores, ou o fabricante de instrumentos cirúrgicos: em ambos os casos, os equipamentos fornecidos podem ser utilizados para intervenções que não sejam um aborto;
– cooperador muito remoto: a empresa que realiza a entrega desses produtos.
Pressupondo a cooperação material em todos esses casos, a “proximidade” com o pecado cometido é muito variável. Devemos dizer que todos esses cooperadores materiais estão absolutamente obrigados a abster-se de suas funções? E isso a qualquer custo?
A teologia moral responde que não. A influência sobre o ato mau é tão pequena, por exemplo, no ato de varrer a sala de cirurgia, que a manutenção do emprego é razão suficiente para o faxineiro.
Por outro lado, quanto maior for a influência sobre o pecado, mais grave terá de ser a razão. E quando a proximidade é muito grande, nenhuma razão pode justificar. Então, é preciso recusar, mesmo que se tenha que mudar de emprego.
III. Aplicação ao caso das vacinas preparadas com células provenientes de um aborto
Trata-se agora de situar a cooperação dos envolvidos no preparo ou uso de uma vacina, caso seja preparada com células obtidas de um aborto. Presume-se que esta seja uma cooperação material, porque a cooperação formal é sempre ilícita.
Quem quer que fabrique ou comercialize esta vacina está cooperando com o pecado do aborto de uma forma que, embora não possa ser considerada próxima, pode ser considerada imoral. A culpa varia, entretanto, dependendo do papel exercido.
Quem dirige uma empresa farmacêutica que lucra com um aborto anterior tem responsabilidade maior. Primeiro porque poderia não fabricar essa vacina, segundo porque deveria interromper o uso das linhagens celulares em questão e escolher outras que não representem um problema moral, mesmo que isso tenha suas desvantagens.
O pesquisador que escolhe as linhagens celulares com as quais deseja trabalhar se encontra em uma situação semelhante: está lucrando com um crime passado.
Mas o técnico de laboratório, que é apenas um executor, ou o caminhoneiro que entrega a vacina, têm apenas uma cooperação distante, então é aceitável, principalmente para o segundo.
O médico que vacina um paciente, ou o paciente que é vacinado, tem cooperação distante, pois esses atos encorajam e promovem o pecado do aborto de uma forma muito remota e muito tênue. Por razões de saúde suficientes, tais atos poderiam ser moralmente permitidos.
Uma jovem que está prestes a se casar pode, portanto, receber a vacinação contra a rubéola, embora essa vacina seja quase sempre preparada com células fetais obtidas pelo aborto. O motivo é o perigo para a criança: se uma mulher contrair rubéola durante a gravidez, principalmente no primeiro trimestre, os riscos de malformações – olhos, audição ou coração – são grandes. Essas malformações são permanentes.
No entanto, se uma vacina é obtida de células não abortivas e está disponível, é claro que é ela que deve ser usada.
Aplicação ao caso da vacina contra a COVID-19
Ocupamo-nos aqui apenas com a seguinte questão: o aspecto moral do uso de uma vacina contra a COVID-19 no que se refere ao seu processo de preparação ou fabricação.
Julgamento moral segundo os princípios colocados
Visto que algumas das vacinas existentes não foram preparadas de modo ilícito, elas não representam um problema moral de uso deste ponto de vista. Elas devem, portanto, ter preferência sobre as outras.
As vacinas que usaram uma preparação moralmente ilícita devem ser ignoradas na medida do possível.
Mas e se, em um caso particular, alguém precisar ser vacinado, e não conseguir obter uma vacina “lícita”, tendo apenas uma vacina “ilícita” disponível? Isso pode ocorrer por motivos de saúde – idoso vulnerável – ou devido à situação profissional — pessoal médico exposto; ou por motivos profissionais, como viajar de avião, porque já existe pelo menos uma companhia aérea – a Qantas, no caso – que comunicou que só aceitará passageiros vacinados assim que as vacinas estiverem disponíveis. É muito provável que esse requisito seja rapidamente aceito por muitas companhias aéreas.
Como a cooperação é distante, e o motivo alegado é suficientemente sério, é possível, nesses casos, lançar mão dessa vacina. Além disso, cada um deve julgar, buscando conselhos apropriados, se há real necessidade.
Deve ficar claro que estamos aqui no domínio de um juízo de prudência, que não pode ser uniforme para todos e em todos os casos. A teologia moral diz o que é legal ou ilegal. Ele fornece os princípios, mas cabe à prudência pessoal julgar sua aplicação caso a caso.
Quanto aos elementos alheios a esta questão [da legalidade segundo a origem e o preparo da vacina], são da ordem da opinião pessoal. Como qualquer opinião que não pode ser absolutamente provada, é vão e impossível querer impô-la a todos. Todos são livres para opinar sobre a origem da COVID-19, sobre a forma como tem sido gerida aqui e ali, sobre a política de vacinação de um determinado país, sobre a vacinação em geral; mas todos esses elementos não mudam a conclusão moral dada aqui.
Uma última observação
Deve-se notar que, além do caso dessas vacinas que estudamos, a cooperação com o mal ocorre em muitas situações análogas: esta última pode ser tratada e resolvida de acordo com os mesmos princípios morais. Por exemplo:
Devemos deixar de pagar impostos, por exemplo na França, uma vez que parte do dinheiro é usado para reembolsar o aborto ou reprodução assistida?
Devemos concordar em obter suprimentos de um farmacêutico que vende produtos ilícitos: abortivos, preservativos, anticoncepcionais? Isso não seria uma forma de encorajamento?
Devemos aceitar ser tratados por um médico que aprova o aborto e prescreve a pílula?
Podemos ir até uma loja de departamentos ou a uma livraria que vende jornais ruins?
O caixa deve se recusar a atender um cliente que quer comprar um DVD ruim? Obviamente, a lista poderia continuar indefinidamente.
Apresentamos um exemplo final tirado do Novo Testamento: É lícito comer idolothytus, em outras palavras, carne sacrificada aos ídolos (1 Cor 8, 1)?
Para compreender a questão, é importante saber que toda a carne consumida na Antiguidade necessariamente passava pelos templos. Aliás, só existe uma palavra em grego, mageiros (usada exclusivamente no masculino), para designar o sacrificador, o açougueiro e o cozinheiro: para quem queria se abster da carne imolada, não havia outra carne para comer.
Acrescentemos que o pecado da idolatria é um dos mais graves, pois ataca o próprio Deus.
A resposta que São Paulo dá é a seguinte: é permitido comer essas carnes, a menos que isso escandalize o vizinho. Ou seja, quem quer que consuma essa carne não está participando do pecado da idolatria. Não fosse assim, São Paulo não teria respondido dessa maneira.
Da mesma forma, quem está em uma situação de cooperação material suficientemente distante no uso de uma vacina contra COVID-19, cuja fabricação tenha se beneficiado de uma das linhagens celulares acima mencionadas, não participa do pecado do aborto cometido 35, 48 ou 54 anos atrás.
Porém, como já foi dito, deve-se, na medida do possível, evitar a cooperação no mal, mesmo material, e se houver opção, tomar a vacina que não represente nenhum problema moral.
No entanto, não devemos contentar-nos com este estado de coisas deplorável e não fazer nada. Católicos influentes devem usar todo o seu poder para influenciar a indústria farmacêutica a desenvolver suas novas vacinas de maneira a não apresentar dificuldade moral.
Escrito por Pe. Arnaud Sélégny, FSSPX.
Publicado originalmente Website do Movimento Permanência, em marco de 2021.
Notas:
- Uma linhagem celular é uma população homogênea de células, estáveis após sucessivas mitoses (divisões), possuindo em teoria uma capacidade ilimitada de divisões.
- Merkelbach, Summa Theologiae Moralis, t. I, Paris, Desclée De Brouwer, 1931, pp. 391-400.
Nota do editor:
A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da seção: “A tentação e a expulsão”, pertencente ao extenso afresco da Capela Sistina concebido por Michelangelo (1475 – 1564).