Excertos do primeiro capítulo do livro: “Maquiavel Pedagogo”, escrito por Pascal Bernardin.
Publicado pela Editora Ecclesiae, sob ISBN 978-8563160270.
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Vale salientar: este pequeno trecho não demonstra o objetivo da obra,
para tal finalidade assista ao vídeo disponível no término desta postagem.
Freedman e Fraser, em 1966, [1] trazem à luz um fenômeno conhecido como pé-na-porta. Tratemos brevemente de duas de suas experiências.
Com a primeira delas, se buscava conhecer, em função da maneira como era formulada a pergunta, o percentual de donas de casa dispostas a responder a uma enquete a respeito de seus hábitos de consumo. Estimando que tal enquete deveria ser longa e aborrecida, somente 22% aceitaram dela participar quando se lhes convidou a isso diretamente. Mas os autores, dirigindo-se a uma segunda amostragem, fizeram preceder à pergunta um processo preparatório bastante simples: três dias antes de formulá-la, telefonaram aos membros desse grupo, solicitando-lhes que respondessem a oito perguntas acerca de seus hábitos de consumo em matéria de produtos de limpeza. Quando, três dias mais tarde, se lhes pediu para que se submetessem à mesma enquete que fora feita com os membros da primeira amostragem, a taxa de aceitação elevou-se a 52%. Chama a atenção o fato de que um procedimento tão simples possua tamanho poder.
Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.
Noutra experiência, os mesmos autores dividiram igualmente os participantes em dois grupos. Os membros do primeiro não foram submetidos a qualquer preparação particular. Aos membros do segundo grupo foi solicitado que colassem (ato aliciador) um adesivo na janela. Pediu-se em seguida aos membros dos dois grupos que instalassem, cada qual em seu jardim, uma grande placa – que chegava a encobrir parcialmente a fachada da casa – a qual recomendava prudência aos motoristas. Enquanto o percentual de aceitação, no primeiro grupo, foi de apenas 16,7%, no segundo esse percentual atingiu a marca de 76%. Ainda, convém notar que, contrariamente à pesquisa anterior, nesta, as duas experiências foram conduzidas por duas pessoas diferentes.
“Porta na cara”
Técnica complementar à precedente, a “porta na cara” [2] consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Citaldini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em uma visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-a após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%. Naturalmente, um “pé na porta” ou uma “porta na cara” podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de “bola de neve” é efetivamente aplicada.
Dissonância cognitiva ou o espiritualismo dialético
A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger, [3] permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destacá-la, para que, a partir dela, se tornem visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial. Verificamos anteriormente que é possível induzir diversos comportamentos, apelando-se à autoridade, à tendência ao conformismo ou às técnicas do “pé na porta” ou da “porta na cara”. Os fundamentos que servem de base a esses atos induzidos repercutem em seguida sobre as opiniões do sujeito, modificando-as (dialética psicológica). Assim, encontramo-nos diante de um processo extremamente poderoso, que permite a modelagem do psiquismo humano e que, além disso, constitui a base das técnicas de lavagem cerebral.
“Os métodos ativos, fundados sobre a participação, são particularmente aptos a garantir essa aquisição [de valores úteis].” (Declaração mundial sobre a educação para todos). [4]
Você gosta de gafanhotos fritos?
Sob o pretexto de diversificar o menu de um colégio militar, incluíram-se nele gafanhotos fritos, [5] o que, convém notar, não agradou a ninguém. Mas a apresentação dessa novidade foi realizada de duas maneiras diversas: um grupo foi convidado a dela participar por um sujeito simpático, enquanto o segundo grupo foi confiado a um homem desagradável, que tinha mesmo por objetivo forjar-se numa figura antipática, efeito que obtinha – a par de outros recursos – ao tratar seu assistente de modo grosseiro. Realizada a experiência, constatou-se que, entre as pessoas que realmente comeram gafanhotos fritos, o percentual de membros do segundo grupo que declararam haver gostado era significativamente maior que o do primeiro grupo. Enquanto estes podiam justificar interiormente seu ato, já que haviam agido motivados pela simpatia do apresentador, os membros do segundo grupo viram-se obrigados a encontrar uma justificação do comportamento que lhes fora extorquido. Para reduzir a dissonância cognitiva provocada pela contradição entre sua aversão por gafanhotos fritos e o ato de comê-los, só lhes restava mudar sua opinião a respeito daquela aversão.
Escrito por Pascal Bernardin.
Excertos do primeiro capítulo da obra “Maquiavel Pedagogo”.
Publicado pela editora Ecclesiae, sob ISBN 978-8563160270.
Esta obra foi traduzida por Alexandre Müller Ribeiro.
Notas:
- Freedman, J. L., Fraser, S. C. Compliance without pressure: the foot-in-the-door technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 4, n°2, p. 195-202, 1966.
- R. B. Cialdini, J. E. Vincent, S. K. Lewis, J. Catalan, D. Wheeler, B. L. Darby, Reciprocal concessions procedure for inducing compliance: the door-in-the-face technique, Journal of Personality and Social Psychology, vol. 31 , n° 2, p.2O6-215, 1975.
- L. Festinger. A theory of cognitive dissonance. Stanford University Press, 1968. Ver também: Beauvois et Joule. Soumission et idéologies. Op. cit., p. 49 sq.
- WCEFA, Conférence mondiale sur l’éducation pour tous, 5-9 mars 1990, Jomtien, Thaïlande, Déclaration mondiale sur l’éducation pour tous, New York, 1990, Unicef, p. 5. Essa declaração e o Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, que teremos ocasião de citar ainda várias vezes, foram adotados unanimemente pelos participantes da Conferência mundial sobre educação para todos. Organizada pelo PNUD, Unesco, Unicef e pelo Banco Mundial, ela reuniu delegados de 155 países e de vinte organizações intergovernamentais. Entre tais países e organizações, encontram-se os seguintes: Brasil, Canadá, China, França, RFA, Índia, Itália, Japão, Reino Unido, URSS, USA, ONU, FAO, UNICEF, UNESCO, UNHCR, OMS, Comissão das comunidades europeias, OCDE. Naturalmente, esse documento foi publicado sem nenhuma reserva acerca das opiniões expostas por seus autores.
- Ver: Winn. The Manipulated Mind. Op. cit., p. 121.
Assista ao vídeo produzido pelo canal Vlogoteca, onde a idealizadora, Ana Caroline Campagnolo Bellei, professora de história, comenta a obra que gerou esta postagem: