“Aquilo que nos divide não é a ciência, mas as nossas cosmovisões, – nós estamos ambos comprometidos com a ciência.
Ninguém deseja basear a sua vida em uma desilusão, mas qual visão é uma desilusão?”, John Lennox.
Os monges deixaram uma contribuição prática muito grande em várias áreas durante a Idade Média, como já vimos um pouco. Uma delas foi na agricultura. T. Woods cita Henry Goodell (1901), presidente da Faculdade de Agricultura de Massachussets, no começo do século XX, que falou sobre isso:
“O trabalho desses grandes monges durante um período de 1500 anos. Eles salvaram a agricultura quando ninguém mais poderia fazê-lo. Eles praticavam-na sob uma vida nova e novas condições quando ninguém mais podia cuidar”. “Nós devemos a restauração da agricultura de uma grande parte da Europa aos monges.” “Sempre que eles chegavam, convertiam o deserto em um campo cultivado, eles desenvolviam a pecuária e a agricultura, trabalhando com as próprias mãos drenando pântanos […]. Por eles a Alemanha se transformou em um frutuoso país.”
Os historiadores modernos mostram que cada mosteiro beneditino tinha um centro de ensino de agricultura para toda a região onde estava localizado. Por exemplo, o historiador francês François Guizot, do século XIX, que não era simpático à Igreja Católica observa: “Os monges beneditinos foram os agriculturistas da Europa; eles desenvolveram-na em larga escala, associando a agricultura com a oração.” (Newman, 1948).
O trabalho pesado da agricultura era para os monges uma maneira de santificação e penitência e por isso não fugiam deles. Eles enfrentaram as pestes em pântanos sem valor, como desafio, e os transformavam em terra de valor. O grande historiador dos monges, do século XIX, Montalembert (1896) disse:
“É impossível esquecer o uso que eles fizeram de tantos distritos incultivados e inabitados, cobertos de florestas ou cercados de pântanos… Embora eles abrissem clareiras nas florestas para habitação humana e uso, eles tinham o cuidado de plantar árvores e cultivar florestas quando possível.”
Onde os monges chegavam introduziam as plantações, indústrias, e métodos novos de produção não familiares; criação de gado e cavalos, produção de cerveja, cultivo de abelhas e frutas. Os camponeses aprenderam com os monges a irrigação do solo. A Idade Média cristã introduziu também a máquina na Europa em larga escala. Os monges trabalhavam na mineração do sal, chumbo, ferro, alumínio, uso do mármore, vidro, fizeram pratos de metal e não havia atividades que eles não tivessem criatividade e espírito de pesquisa, e o seu “know-how” se espalhou por toda a Europa. Eles trabalhavam o minério de ferro e usavam as cinzas dos fornos como fertilizantes por causa de sua concentração de potássio. Na Suécia introduziram a cultura do milho; em Parma, a fabricação de queijo; na Irlanda, criação de salmon, e, em muitos lugares cultivo de uvas; coletavam a água das fontes para distribuí-las no tempo de seca.
Os monges foram pioneiros na produção de vinho, que usavam para a celebração da Missa e consumo, que a Regra de São Bento permitia. A descoberta da champanhe foi feita por Dom Perignon da Abadia de São Pedro. Ele cuidava da adega da Abadia em 1688 e desenvolveu a Champanhe através da experimentação com mistura de vinhos. O mesmo processo é usado ainda hoje. Afirma o Dr. Woods que “é difícil encontrar algum grupo em algum lugar do mundo cuja contribuição foi tão variada, tão significativa, e tão indispensável como aquelas dos monges da Igreja Católica no Ocidente durante um tempo de perturbações e desespero generalizado” (p. 32).
Os monges foram também, como vimos, importantes arquitetos da tecnologia medieval. Os de Cister (cistercienses), uma ordem de São Bento, reformada, estabelecida em Citeaux em 1098, eram bem conhecidos por suas tecnologias sofisticadas. Graças à grande rede de comunicação que existia entre os mosteiros a informação tecnológica se espalhava rapidamente. Encontramos sistemas de propulsão de água semelhantes em mosteiros que estavam a grandes distâncias um do outro, mesmo a milhares de quilômetros. Esses mosteiros foram as unidades mais econômicas que já existiram na Europa e talvez no mundo, até aquele tempo.
O mosteiro cisterciense de Claraval na França usava já no século XII a energia da água, o que mostra como este equipamento tinha se tornado fundamental na vida europeia. Os mosteiros cistercienses geralmente tinham as suas próprias fábricas; usavam a força da água para moer o trigo, peneirar farinha, tecer roupas e fazer cozimento. É impressionante saber que eram 742 mosteiros cistercienses na Europa nesse século, e que o mesmo nível de tecnologia podia ser observado em todos os mosteiros, afirma Jean Gimpel (1976).
Os monges foram conselheiros da Europa após a invasão dos bárbaros. Os cistercienses eram conhecidos por sua habilidade em metalurgia. Gimpel escreve que: “em sua rápida expansão pela Europa foram importantes na difusão de novas técnicas por causa do alto nível de sua tecnologia da agricultura, que era combinada com a tecnologia industrial. Cada mosteiro tinha uma fábrica, tão grande como a Igreja e somente a poucos pés de distância e a força da água tocava as máquinas das várias indústrias localizadas neste local” (Idem, p. 67).
No começo do século XI, um monge chamado Eilmer voou mais de 600 pés com um planador (Jaki, 1995). Alguns séculos depois, o irmão Francesco Lana-Terzi, um padre jesuíta tentou voar sistematicamente, ganhou um prêmio de honra sendo chamado de o “pai do avião”. Seu livro de 1670, “Prodromo all’ Arte Maestra” foi o primeiro a descrever a física e a geometria de um aparelho voador. Isto aconteceu muito antes de Santos Dumont. Os monges também foram especialistas em fabricação de relógios. O primeiro relógio que se tem recordação foi construído pelo Papa Silvestre II (999-1003) para a cidade alemã de Magdeburg por volta do ano 996. E relógios mais sofisticados foram construídos mais tarde. Peter Lightfoot, um monge do século XIV, de Glastonbury construiu um dos mais antigos relógios que ainda existe e que está agora em excelente condição no Museu de Ciência de Londres. A descoberta do relógio possibilitou o avanço da cinemática e da dinâmica; essas partes da mecânica não puderam surgir sem o relógio, porque dependem de medir o tempo. A estática, ao contrário, que não dependia do relógio, se desenvolveu desde os egípcios. (T. Woods, 2005) Richard de Wallingford, um monge Prior do século XIV, do mosteiro beneditino de Santo Albano, foi um dos iniciadores da parte da matemática chamada de trigonometria, e é bem conhecido pelo grande relógio astronômico que projetou para o mosteiro. Um relógio de sofisticada tecnologia não apareceu nos dois séculos seguintes. Este maravilhoso relógio para o seu tempo foi confiscado do mosteiro por Henrique VIII no século XVI. O relógio podia prever com precisão os eclipses lunares.
Os arqueólogos atuais estão descobrindo cada vez mais a grandeza das invenções dos monges e suas habilidades tecnológicas. Thomas W. disse que em 1990 o arqueólogo metalúrgico Gerry Mc Donnell, da Universidade de Bradford, encontrou evidências perto do mosteiro de Rievaulx, em North Yorkshire, Inglaterra, de um grau de sofisticação tecnológica que deu início às grandes máquinas da Revolução Industrial do século XVIII. O Rei Henrique VIII mandou fechar este mosteiro de Rievaulx em 1530 como parte do confisco das propriedades da Igreja, e combateu os mosteiros; por isso, ele bloqueou e atrasou o desenvolvimento da Inglaterra e da Europa por dois séculos e meio. O bloqueio da fé bloqueou também a ciência.
O que muito ajudou os monges cistercienses a difundirem o progresso tecnológico, foi que eles tinham uma reunião regular dos Priores a cada ano, e assim compartilhavam os avanços tecnológicos na Europa.
Excerto da obra: “Uma história que não é contada”, escrita pelo professor Felipe Aquino.
Livro publicado pela Editora Cléofas, sob ISBN: 978-8588158320.
Excerto foi publicado inicialmente no website da Editora Cléofas, em 20 de novembro de 2020.
Nota do editor:
A imagem associada a esta postagem ilustra recorte da obra: “Three Monks”, criada pelo professor e pintor alemão Eduard von Grutzner (1846 – 1925).