Religião e indústria

Obra: "The factory at pontoise" (1873), de Camille Pissarro (1830 - 1903).

Existem incontáveis dádivas provenientes do cristianismo, como as letras minúsculas e os espaços entre as palavras, que existem graças ao reinado do imperador Carlos Magno (742 – 814) e a seu empenho na retomada das artes, religião e cultura por meio da Igreja Católica, a chamada Renascença Carolíngia. […] Diferentemente do que muitos acreditam, a Igreja Católica foi além da invenção das universidades e da consolidação dos hospitais.
Trecho do artigo O que é cultura?



O mundo ocidental cristão se orgulha de sua pujança capitalista. Aqui, o mercado desenvolveu-se com muito mais liberdade que em outras partes do mundo.

Uma tese que tenta explicar essa simbiose entre religião e indústria é a de Max Weber, que afirmava que um dos grandes responsáveis pelo espírito capitalista era a ética protestante.

Segundo ele, o calvinismo, que acreditava na predestinação, ou seja, na salvação apenas dos escolhidos, fez com que uma das marcas dos predestinados fosse ser bem sucedido materialmente por meio do seu ofício. Assim, empreender e conquistar tornou-se sua motivação; trabalho e prosperidade, sua marca.

No entanto, o professor de economia Clarence Edwyn Ayres pensava o contrário. Em seu livro ‘The Theory of Economic Progress’, ele atribui o desenvolvimento da indústria exatamente ao fraco domínio da religião sobre a sociedade.

Ayres justifica sua tese pelo fato de a Europa Ocidental ser uma “religião fronteira da civilização mediterrânea” e que, apesar de dever-se “reconhecer a Igreja como a ponta de lança da resistência institucional à mudança tecnológica, essa oposição foi ineficaz, [pesando] muito menos nos povos ocidentais do que o islã nos árabes, o hinduísmo na Índia ou o confucionismo na China”.

Sendo assim, tendo sido “dentre todas as grandes civilizações da época, incomparavelmente a mais jovem, a menos rígida e menos reprimida do que qualquer outra pelas acumulações seculares de poeira institucional, [foi] de longe a mais suscetível à mudança e à inovação. [Isso] fez [dela] a mãe da Revolução Industrial”.

Conclui-se, portanto, que, segundo a tese de Ayres, a religião cristã ocidental, apesar de seus preceitos formais contrários ao lucro, à usura e à competição, não tinha a força factual para conter o impulso capitalista.

Se aceitarmos a tese de Ayres, podemos concluir que o desafio para os religiosos dos tempos capitalistas é harmonizar esse liberalismo industrial com a ética cristã, sem enfraquecer aquele nem violar esta, mantendo assim uma sociedade próspera sem perder o fervor religioso.

Mas será que isso é possível?


Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 8 de dezembro de 2024.
Fabio Blanco também é o responsável pelo portal filosofiaintegral.com.br.


Nota da editoria:

A imagem da capa é um recorte da obra “The factory at pontoise” (1873), de Camille Pissarro (1830 – 1903).


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