“Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra: escolhestes a vergonha e tereis a guerra.”
Winston Churchill 1874 – 1965)
Na mensagem de Fátima de 13 de julho de 1917, Nossa Senhora disse: “A guerra está prestes a acabar; mas se não pararem de ofender a Deus, durante o pontificado de Pio XI começará outra ainda pior. Quando virem uma noite iluminada por uma luz desconhecida, saibam que é o grande sinal que Deus lhes dá de que Ele está prestes a punir o mundo por seus crimes, por meio da guerra, da fome e da perseguição à Igreja e ao Santo Padre”.
A Segunda Guerra Mundial começou oficialmente em 1º de setembro de 1939 com a invasão alemã da Polônia. Em dois dias, houve declarações de guerra à Alemanha pela Inglaterra e pela França e, assim, o conflito polonês-alemão se transformou em uma guerra europeia.
Dois anos antes, na noite de 25 de janeiro de 1938, uma aurora boreal de grande brilho iluminou o céu da Europa central e meridional e do norte da África, até a América do Norte e o Canadá. A Irmã Lúcia, no Instituto de Santa Doroteia em Tuy (Espanha), onde então estava hospedada, parecia identificar essa aurora boreal com o “grande sinal” profetizado por Nossa Senhora: “Deus usou isso para me fazer entender que sua justiça estava prestes a ser desencadeada sobre as nações culpadas, e então comecei a pedir insistentemente a Comunhão Reparadora nos primeiros sábados e a consagração da Rússia” (Documentos de Fátima, Porto 1976, p. 231).
Em 1938 reinava sobre a Igreja Pio XI, cujo nome era desconhecido dos pastorinhos de Fátima em 1917. Ele morreu em 10 de fevereiro de 1939 e foi sucedido em 2 de março do mesmo ano por Pio XII. De acordo com a mensagem de Fátima, a guerra não eclodiu em 1939 sob Pio XII, mas um ano antes sob o seu antecessor. Uma vez que nenhum erro pode ser atribuído à Bem-Aventurada Virgem Maria, esse aparente descuido histórico nos leva a refletir sobre a origem do conflito. Entre a aurora boreal de janeiro de 1938 e a morte de Pio XI um ano depois, que evento poderia ser identificado como o gatilho para a Segunda Guerra Mundial?
1938 foi caracterizado pela política anglo-francesa de apaziguamento em relação à Alemanha de Hitler, que com o Anschluss de 13 de março anexou a Áustria ao Terceiro Reich. A principal preocupação do primeiro-ministro britânico Chamberlain era evitar uma guerra contra a Alemanha. Para impedir que a situação internacional se deteriorasse, realizou-se em Munique, de 29 a 30 de setembro, uma conferência das quatro potências ocidentais: França, Inglaterra, Alemanha e Itália, com a participação dos respectivos dirigentes políticos: Edouard Daladier, Neville Chamberlain, Adolf Hitler e Benito Mussolini. No final da reunião, a Inglaterra e a França aceitaram a anexação alemã da Áustria e deram luz verde à Checoslováquia. Chamberlain voltou triunfante a Londres, iludido de que favorecendo o expansionismo de Hitler havia evitado a guerra.
Mas Winston Churchill (1874-1965), em seu discurso na Câmara dos Comuns em 5 de outubro, disse:
“Sofremos uma derrota total e indesculpável. […] Estamos diante de um desastre de primeira magnitude. [….] Todos os países da Europa Central e da bacia do Danúbio serão absorvidos, um após o outro, pelo vasto sistema da política nazista. E não pense que este é o fim. É apenas o começo…” (William L. Shirer, História do Terceiro Reich, Einaudi, Milão 2014, p. 648).
Entre os observadores mais lúcidos da situação internacional estava o diretor da revista brasileira “O Legionário”, Plinio Corrêa de Oliveira (1908 – 1995), que comentou em 2 de outubro de 1938:
“Em matéria de humilhação, a França e a Inglaterra não podiam ir mais longe. Beberam o cálice até a última gota. E quando se lhes anunciou que mediante a ingestão de mais algumas gotas talvez conseguissem a paz, choraram de alegria”.
O ano de 1939, após a anexação alemã dos Sudetos, abriu-se com uma surpreendente previsão do pensador brasileiro, que apareceu no primeiro número do ano do “Legionário”:
“Enquanto todos os campos de batalha estão sendo demarcados, um processo cada vez mais claro está ocorrendo: o da fusão doutrinária do nazismo com o comunismo. Em nossa opinião, 1939 testemunhará a conclusão desta fusão. Poucos meses depois, em agosto de 1939, o anúncio do chamado pacto Ribbentrop-Molotov teve o efeito de uma verdadeira bomba na opinião pública europeia. O pacto de ‘não agressão’ era válido por dez anos e obrigava as duas partes contratantes a desistir de qualquer ataque ‘mútuo’. Somado a isso estava um ‘protocolo secreto’ que deixou o caminho aberto para Hitler atacar a Polônia, deixando a URSS no controle dos três países bálticos, Finlândia, Polônia e Bessarábia” [atualmente Moldávia].
Em 1º de setembro de 1939, o exército alemão invadiu a Polônia. Em sua Nota internacional de 3 de setembro, Plinio Corrêa de Oliveira comentou o evento com estas palavras:
“No dia 23 de agosto é assinado o pacto entre o Ministro Exterior soviético Vyacheslav Molotov e o Ministro Exterior nazista Joachim von Ribbentrop, o famoso pacto Molotov-Ribbentrop.
“Tudo nos leva a crer que a guerra foi determinada não por um simples pacto de não agressão, mas por um acordo secreto entre a Rússia e o Reich, que provavelmente previa a divisão da Polônia”.
Nesse mesmo 3 de setembro, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha. Começou oficialmente a Segunda Guerra Mundial, que Plinio Corrêa de Oliveira em artigo no “Legionário” definiu como a guerra mais enigmática do nosso século (31 de dezembro de 1939). O enigma foi representado pelo véu de aparentes contradições com as quais “as forças obscuras do mal” envolveram suas manobras para destruir o que ainda sobrevivia da civilização cristã.
Os primeiros meses do conflito viram um avanço relâmpago do exército alemão, que depois de ocupar a Polônia, avançou para o oeste, até chegar à costa atlântica. Em 10 de maio de 1940, dia em que Hitler abriu a ofensiva ocidental, Winston Churchill assumiu o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, enfrentando a maior ameaça sofrida pela Inglaterra em toda a sua história. Os panzers da Wehrmacht estavam a 25 quilômetros ao sul de Dunquerque, onde toda a força expedicionária britânica e a maioria dos soldados franceses estavam presos entre o mar e a frente alemã. A França estava à beira do colapso, uma intervenção dos EUA não era previsível e a derrota parecia à porta.
Em seu discurso ao Parlamento em 13 de maio de 1940, o novo chefe de governo prometeu ao povo britânico “lágrimas, sacrifícios, sangue e suor” até a vitória final, declarando na Admiralty House:
“Você pergunta qual é a nossa política? Eu respondo: é uma guerra feita por mar, por terra e no céu, com todo o nosso poder e com toda a força que Deus nos concederá […]. Essa é a nossa política. Você pergunta qual é o nosso propósito? Posso responder em uma palavra: é vitória, vitória a todo custo, vitória apesar do terror, vitória por mais longa e difícil que seja a estrada” (M. Gilbert, Finest hour. Winston S. Churchill, 1939-1941, Heinemann, Londres 1983, p. 333).
No final de junho, depois de rejeitar todas as propostas de negociação com o inimigo, Churchill enfrentou a “Batalha da Grã-Bretanha” desencadeada pelo Führer. A teimosia da resistência britânica forçou Hitler a desistir de seu projeto. Entre as decisões que mudaram a história do mundo no século passado, o historiador britânico Ian Kershaw aponta para a decisão da Grã-Bretanha de lutar até o amargo fim, na primavera de 1940 (Escolhas fatais. As decisões que mudaram o mundo. 1940-1941, Bompiani, Milão 2024, pp. 13-68).
Winston Churchill, acusado de ser um belicista, revelou-se um estadista realista e corajoso. Plinio Corrêa de Oliveira aparece hoje como um dos mais profundos intérpretes dos acontecimentos históricos de seu tempo. Com base em seus exemplos, devemos dizer que a política de compromisso com o inimigo nunca conseguiu evitar guerras, mas muitas vezes as provocou. Aqueles que acreditam que podem evitar a guerra atendendo às demandas dos agressores estão cometendo não apenas uma injustiça, mas um grave erro psicológico e político. A Conferência de Munique, que provocou a Segunda Guerra Mundial, é uma lição perene a este respeito.
Em um lúcido artigo da década de 1970, Plinio Corrêa de Oliveira relembrou o evento da seguinte forma:
“Munique não foi apenas um grande episódio da História deste século. É um acontecimento-símbolo na História de todos os tempos. Sempre que haja, em qualquer tempo e em qualquer lugar, um confronto diplomático entre belicistas delirantes e pacifistas delirantes, a vantagem ficará com os primeiros e a frustração com os segundos. E se houver um homem lúcido a considerar o confronto e a frustração, censurará os Chamberlains e os Daladiers do futuro com as palavras de Churchill: “Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra: escolhestes a vergonha e tereis a guerra” (“Folha de S. Paulo”, 31 de janeiro de 1971).
Por Roberto de Mattei.
Publicado originalmente pela Revista Catolicismo, edição número 886 de outubro de 2024.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Guerra” (1942), de Lasar Segall (1889 – 1957).