Jesus nasceu mesmo no dia 25 de dezembro?

Painel de Azulejos em Gilmonde, Barcelos, Portugal. (Fábrica Aleluia, Aveiro, 1988).

Ninguém duvida que Aristóteles (384 – 322 a. C.) tenha existido, mesmo que tenha nascido quase quatro séculos antes de Cristo, da mesma maneira, ou ainda com mais afinco, nenhum historiador de renome suspeita que o homem dos evangelhos seja o principal personagem de uma fábula.
Trecho do artigo: O que é cultura.



Em que dia nasceu Jesus? Vimos na última resposta que o ano exato em que Cristo nasceu não pode ser definido com certeza, devido à falta de informações e documentos a respeito. Não é de espantar, a fortiori, que também o dia exato do Natal seja incerto e discutível. Existem, porém, inúmeras tradições que, apesar de serem apenas tradições, apontam com quase unanimidade para o dia 25 de dezembro como a data do nascimento de Nosso Senhor. Além disso, a S. Escritura oferece algumas informações que permitem “intuir”  uma data mais ou menos aproximada. É o que tentar fazer Mons. Nicola Bux, autor de Gesù il Salvatore: Tempi e luoghi della sua venuta nella storia.

Obra: "Gesù il Salvatore. Tempi e luoghi della sua venuta nella storia", de Nicola BuxNeste livro, Mons. Bux assinala que é possível ter uma ideia (ao menos provável) da época em que Zacarias, pai de S. João Batista, estava servindo no Templo de Jerusalém quando lhe foi anunciado o nascimento do Precursor: “Nos tempos de Herodes, rei da Judéia, houve um sacerdote por nome Zacarias, da tribo de Abias […]. Ora, exercendo Zacarias diante de Deus as funções de sacerdote, na ordem de sua classe, coube-lhe por sorte, segundo o costume em uso entre os sacerdotes, entrar no santuário e aí oferecer o perfume” (Lc 1, 6.8). Ora, o turno dos sacerdotes da classe de Abias estaria reservado ao mês de setembro, e teria sido mais ou menos por essa época (concretamente, durante os últimos dez dias do mês) que Zacarias exerceu as funções sacerdotais.

Isso parece ser confirmado ainda pela liturgia sírio-jacobita, que prepara o tempo do Natal com um ciclo litúrgico de seis semanas que tem início justamente no dia 23 de setembro, data em que, para os ortodoxos sírios, se comemora o anúncio do nascimento do Batista. Disto se segue uma coincidência cronológica interessante que parece respaldar, em alguma medida, as festividades do nosso próprio calendário litúrgico: a) no dia 23 de setembro, Zacarias e Isabel teriam recebido a notícia de que lhes nasceria um filho; b) seis meses depois, o arcanjo Gabriel teria anunciado à Virgem SS. a encarnação do Verbo e confirmado a gravidez de Isabel, “aquela que era tida por estéril” (Lc 1, 36); c) três meses mais tarde, no dia 24 de junho, nasceria s. João Batista; d) por fim, seis meses mais tarde, no dia 25 de dezembro, Jesus viria à luz.

Seja como for, o que, sim, é bastante certo é que, ao contrário do que muitas vezes se pensa, o dia 25 de dezembro não foi escolhido como data do Natal graças a um suposto “batismo” da festa pagã ao deus romano Sol Invicto, celebrada por ocasião do solstício de inverno no hemisfério norte. Não existe, com efeito, nenhuma base documental que ateste a ligação entre a data oficial do Natal e a celebração do Sol Invicto; não há nenhum documento que sustente que os primeiros cristãos teriam se aproveitado do simbolismo de uma festa pagã, na qual se festejava a “vitória” do sol contra a escuridão da noite, para comemorar o nascimento do Salvador, Sol de justiça e luz do mundo. Trata-se de uma explicação bastante tardia, que parece ter surgido pela primeira vez em plena Idade Média e que só séculos mais tarde foi “redescoberta” por autores racionalistas e anticristãos.

Mons. Bux recorda também que, segundo o testemunho de S. Hipólito de Roma, já no séc. III o Natal era celebrado aos 25 de dezembro pelos cristãos da capital do Império. O próprio Papa Bento XVI, aliás, mencionou o fato na Audiência Geral de 23 de dezembro de 2009: “O primeiro que afirmou com clareza que Jesus nasceu a 25 de dezembro foi Hipólito de Roma, no seu comentário ao Livro do profeta Daniel, escrito por volta de 204”. O testemunho é de grande valor não só por sua antiguidade, mas também porque S. Hipólito foi um estrênuo defensor das tradições apostólicas e um crítico mordaz de inovações. Isso não significa, é claro, que a data fosse universalmente aceita pelos cristãos de então. Sabe-se, por exemplo, que os fiéis do Egito comemoravam o Natal no dia 6 de janeiro. Diferentes escritores, contudo, indicavam cada um uma data distinta: Clemente de Alexandria propõe o dia 18 de novembro, um pseudo-Cipriano fala de 28 de março, ao passo que a data atual só começou a ganhar terreno entre os autores latinos a partir do séc. IV.


Por Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior.
Publicado originalmente no website do autor, em 19 de dezembro de 2018.


Nota do editor:

Imagem de capa: painel de azulejos localizado na freguesia portuguesa Gilmonde (município de Barcelos).




Em complemento, ouça o próprio autor explanando mais sobre o tema:




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