Excertos do tópico: “A juventude é uma barreira para o aprendizado”, o qual faz parte do livro: “Como pensar sobre as grandes ideias”. Publicado pela Editora É Realizações, sob ISBN 978-8580331417. Os 52 capítulos desta obra são transcrições editadas da clássica série norte-americana de TV do professor Mortimer J. Adler, “The Great Ideas”, transmitida nos anos 1950.
Eu acredito que o erro mais profundo e sério que podemos cometer sobre a educação, e um que é cometido por todos os educadores e professores, bem como pelo público em geral, é associar a educação com a escolarização; ou mesmo supor que o tipo de aprendizado que acontece nas escolas, e eu quero dizer do jardim de infância à faculdade, é a parte principal da educação. Ou então supor que o tipo de aprendizado que as crianças têm na escola é o principal negócio da infância, que o aprendizado pertence essencialmente à infância, que a maior parte do aprendizado pode ser feita na infância, e que tudo que os adultos têm de fazer é usar o aprendizado que eles adquiriram na escola quando eram jovens.
Alguém assistindo a este programa supõe isso? Eu temo que muitos de vocês possam supor que sim. Eu gostaria que vocês me acompanhassem agora porque vou tentar convencê-los do oposto. Vou tentar mostrar três coisas a vocês.
A primeira é que o aprendizado é um processo de toda uma vida. A segunda é que o aprendizado adulto é a parte mais importante da educação de alguém. E a terceira é que a escolarização ou o aprendizado na escola é, na melhor das hipóteses, apenas uma preparação para o tipo de aprendizado que deve ser feito, porque só pode ser feito na vida adulta.
Deixem-me comentar por um momento esse terceiro ponto. A escolarização falha miseravelmente se não prepara os jovens a continuarem aprendendo depois que abandonam a escola, a continuarem com seu aprendizado pelo resto de suas vidas. Qualquer um que não compreende isso não consegue compreender uma das questões mais importantes da filosofia da educação, a questão que John Dewey enfatizou repetidamente quando disse que todo aprendizado é causa de mais aprendizado, assim como cada fase de crescimento é causa de mais crescimento. E assim é quase possível dizer que todo o propósito da escolarização ou do aprendizado que temos na escola é nos preparar para o tipo de aprendizado que temos de fazer ou devemos fazer pelo resto de nossas vidas.
Eu usei a expressão “o tipo de aprendizado que temos de fazer ou que devemos fazer”. Não quero dizer, ao falar isso, que a educação adulta é ou deveria ser compulsória. Nós sabemos que não é; nós sabemos que não deveria ser. Mas o fato de não ser compulsória não exclui o fato de ser necessária. O aprendizado adulto é necessário para todos nós, para todos, mesmo que tenhamos frequentado escola e faculdade ou não.
Lloyd Luckman: Bem, o senhor pode estar certo disso, mas eu tenho certeza, dr. Adler, de que há muitas pessoas que pensam o contrário. E eu acho que não é porque elas pensam que o aprendizado é um dever apenas da infância, mas porque pensam que os jovens também têm a capacidade de aprender, uma capacidade que adultos perdem. Quanto mais velhos ficamos, menos conseguimos aprender. O senhor conhece aquele ditado popular que “não se consegue ensinar novos truques a um cachorro velho”.
Mortimer Adler: Eu temo que você esteja certo, Lloyd. Isso é o que as pessoas pensam. E eu acho que o que devemos ver a respeito disso é se conseguimos mudar essa concepção, e essa impressão. Talvez você não consiga ensinar novos truque a um cachorro velho, mas seres humanos não são cachorros velhos, e o aprendizado humano não consiste em adquirir novos truques.
Eu acho que a fonte do erro está na confusão fundamental que muitas pessoas fazem entre o crescimento corporal e o crescimento mental. Não há dúvida que nossos corpos crescem muito rapidamente quando somos jovens e que nós paramos de crescer quando chegamos à idade de 16 ou 18 anos. Mas a mente que não é afetada pela senilidade patológica nunca perde sua capacidade de se desenvolver. Ela mantém seu poder de crescimento desde que seu corpo se mantenha saudável.
Crianças aprendem habilidades; Adultos apreendem sabedoria
A maioria dos grandes educadores reconhece isso, e certamente todos os professores deveriam saber disso, apesar de que alguns infelizmente não sabem. Por exemplo, se eu fosse tirar Platão da prateleira, e examinar a passagem em A República na qual ele trata dos benefícios da educação humana, nos veríamos que ele pensa que a consideração das ideias fundamentas só deve começar quando o homem tem 45 anos. O estudo das ideias e a aquisição da sabedoria são adiados até a outra metade da vida, até quase os 50 anos.
Ou se fôssemos até ética de Aristóteles, veríamos que Aristóteles diz que os assuntos morais, éticos e políticos não devem ser ensinados aos jovens porque eles não têm experiência, estabilidade emocional, ou essa seriedade profunda, sem as quais tais assuntos não podem ser compreendidos.
Deixe-me falar brevemente da minha própria experiência como professor. Eu sempre achei fácil ensinar matérias abstratas e teóricas aos jovens na faculdade. É muito mais difícil ensinar filosofia moral, lidar com questões morais e políticas. É muito difícil, por exemplo, ler grandes romances e peças com jovens, romances e peças que tratam dos problemas mais sérios da vida. Eu já li e discuti romances e peças com jovens na faculdade e com adultos, e a diferença é como entre o dia e a noite.
Deixe-me dar mais uma evidência. Quando eu saí da faculdade, tinha certeza que compreendia alguns dos grandes livros que eu tive a sorte de ler naquela época. Mas eu tive ainda mais sorte na minha carreira de professor de reler muitas vezes alguns desses livros. E eu sei que eu não os entendi muito bem há dez anos. Não é que eu seja mais experto agora; eu simplesmente estou mais velho. Essa não foi sua experiência também, Lloyd, como professor?
Excerto da obra: “Como pensar sobre as grandes ideias”,
de Mortimer J. Adler (1902 – 2001).
A obra são transcrições editadas da clássica série norte-americana de TV do professor Adler, “The Great Ideas”, transmitida nos anos 1950.
Publicado por É Realizações, sob ISBN: 978-85-8033-151-7.
Nota inclusa pela Editoria da Cultura de Fato:
Em apresentações, o filósofo Olavo de Carvalho elucidou: existem matemáticos prodígios; não existem filósofos prodígios. A matemática demanda edificar construções intelectuais que dependem apenas dos próprios pensamentos do matemático; a filosofia é arquitetada pelo acúmulo de experiências de vida, as quais envolvem conflitos internos e externos ao próprio filósofo.
Demais assuntos abordados na obra que originou esta postagem:
- Como pensar sobre a verdade
- Como pensar sobre opinião
- A diferença entre conhecimento e opinião
- Opinião e liberdade humana
- Opinião e a regra da maioria
- Como pensar sobre o homem
- Quão diferentes são os seres humanos?
- A teoria Darwinista da origem do homem
- A resposta de Darwin
- A singularidade do homem
- Como pensar sobre emoção
- Como pensar sobre amor
- Amor como amizade: um mundo sem sexo
- Amor sexual
- A moralidade do amor
- Como pensar sobre bem e mal
- Como pensar sobre beleza
- Como pensar sobre liberdade
- Como pensar sobre aprendizado
- A juventude é uma barreira para o aprendizado
- Como ler um livro
- Como conversar
- Como assistir à TV
- Como pensar sobre arte
- Os tipos de artes
- As belas-artes
- A bondade da arte
- Como pensar sobre justiça
- Como pensar sobre punição
- Como pensar sobre linguagem
- Como pensar sobre trabalho,
- Trabalho, divisão e lazer
- A dignidade de todos os tipos de trabalho
- Trabalho e lazer ontem e hoje
- Trabalho, lazer e educação liberal
- Como pensar sobre a lei
- Os tipos de lei
- A criação das leis
- A justiça da Lei
- Como pensar sobre o governo
- A natureza do governo
- Os poderes do governo
- A melhor forma de governo
- Como pensar sobre democracia
- Como pensar sobre mudança
- Como pensar sobre progresso
- Como pensar sobre guerra e paz
- Como pensar sobre filosofia
- Como a filosofia difere da ciência e da religião
- Os problemas não resolvidos da filosofia
- Como a filosofia pode progredir?
- Como pensar sobre Deus?