Excerto da obra “Meditar e aprender”, de Hugo de São Vítor

Obra: "Praying Border", por Victor Brindatch.

O mais sábio é aquele que sabe que não sabe.
Sócrates (470 a. C. ou 469 a. C. – 399 a. C.)



O princípio do aprendizado é a humildade, sobre a qual muitas coisas têm sido escritas. Ao estudante são especialmente apropriadas as três seguintes. Primeira, que ele não tenha como desprezível nenhuma ciência ou escritura. Segunda, que não o envergonhe aprender de ninguém. Terceira, quando tiver alcançado uma ciência, que não despreze os que não a possuem.

Muitos se enganam porque querem parecer sábios antes do tempo, e acabam por ter vergonha de aprender com os outros o que ainda não sabem. Tu, porém, meu filho, de boa vontade aprende de todos o que não sabes. Serás, assim, o mais sábio de todos se de todos quiseres aprender. Quem recebe de todos é o mais rico de todos.

Não tenhas por vil nenhuma ciência, pois toda ciência é boa. Não desprezes nenhuma escritura ou, pelo menos, nenhuma lei que estiver à disposição. Se nada ganhares com isso, também nada perderás. Como disse o Apóstolo: Omnia legentes, quae bona sunt tenentes (1Ts 5, 21) 1.

O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio às preocupações mundanas e às tentações dos prazeres, e disposto a aprender de todos com boa vontade. Que ele nunca tenha sua ciência em alta conta, nunca queira parecer sábio, mas sê-lo. Que busque as sentenças dos sábios e procure ardentemente ter sempre a sua imagem diante dos olhos da mente, como em um espelho.


Aos estudantes três coisas são necessárias


Três coisas são necessárias aos estudantes: a natureza, o exercício e a disciplina. Pela natureza ele deve perceber com facilidade o que foi ouvido e reter firmemente o que foi percebido. Pelo exercício ele deve cultivar a inclinação natural pelo trabalho e esmero. Pela disciplina ele deve harmonizar os hábitos com o conhecimento, vivendo de modo louvável.


Tenha em alta conta o engenho e a memória


Capa da obra: "Meditar e Aprender", de Hugo de Hugo de São Vítor.Os que se dedicam ao estudo devem primar ao mesmo tempo pelo engenho e pela memória. Pois os dois estão de tal modo unidos entre si em todo estudo que, faltando um, o outro é incapaz de levar qualquer pessoa à perfeição, assim como ninguém pode usufruir de suas riquezas se não houver como protegê-las; e em vão fortificam os cofres os que não possuem o que neles guardar.

O engenho é uma certa força presente na alma que tem valor por si só. A memória é a percepção mais consistente das coisas, das palavras e das sentenças e significados por parte da alma ou da mente. O engenho descobre, a memória guarda. O engenho provém da natureza, é favorecido pela prática, embotado pelo trabalho imoderado e aprimorado pelo exercício adequado. A memória é auxiliada e fortalecida especialmente pelo exercício de memorizar e meditar frequentemente.

Há duas coisas que exercitam o engenho: a leitura e a meditação. Na leitura, mediante as regras e os preceitos, somos instruídos pelas coisas que estão escritas. A leitura é também uma investigação do sentido por uma alma disciplinada.

Há três gêneros de leitura: a do docente, a do aprendiz e a do que estuda por conta própria. Na prática, dizemos: “eu leio o livro ao aluno”, “eu leio o livro a pedido do professor”, ou simplesmente “eu leio o livro”.


Sobre a meditação


A meditação é o pensamento frequente com deliberação, que investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa. A meditação tem o seu princípio na leitura, entretanto não se realiza por nenhuma regra ou preceito da leitura. Na meditação, de fato, agrada-nos discorrer por uma espécie de espaço aberto, no qual direcionamos nosso olhar para a verdade a ser contemplada, considerando ora uma, ora outra das causas das coisas; às vezes também penetrando no que nelas há de mais profundo, não deixando nada de duvidoso ou obscuro.

O princípio do conhecimento, portanto, está na leitura, e sua consumação na meditação. Quem aprender a amá-la intimamente e se dedicar a ela com frequência, tornará sua vida imensamente gozosa e terá na tribulação a máxima consolação. A meditação é, entre todas as coisas, a que mais afasta a alma da barulheira das ações mundanas; e pela doçura da sua quietude oferece já nesta vida um antegosto da vida eterna. Ela nos faz buscar e conhecer o Criador por meio das suas criaturas, e dessa forma ensina a alma pela ciência e a aprofunda na felicidade, donde que na meditação se realize a maior das alegrias.


Os três gêneros de meditação


Três são os gêneros de meditação. O primeiro consiste no exame dos costumes; o segundo, na indagação dos mandamentos; o terceiro, na investigação das obras divinas. Nos costumes examinam-se os vícios e as virtudes. Nos mandamentos divinos, os que são preceitos, os que são promessas e os que são ameaças. Nas obras de Deus, as que foram criadas pela sua potência, as que são moderadas pela sua sabedoria, e as que têm a cooperação da graça. Quanto mais dignas de admiração forem essas obras e quanto mais nos acostumarmos a meditar atentamente as maravilhas de Deus, tanto mais elas serão conhecidas.


Excerto da obra Meditar e aprender: Sobre o modo de aprender e meditar, de Hugo de São Vítor (1096 – 1141).
Publicado pela Editora Kírion, sob ISBN 978-6587404974.


Nota:

  1. “Examinai tudo, ficai com o que é bom”. Subir

Nota da Editoria:

Imagem da capa: “Praying Border”, de Victor Brindatch.


Artigos similares:



Artigos relacionados

5 1 vote
Classificação
Inscrever-se
Notifique-me sobre
guest
0 Comentários
 mais antigos
mais recentes  mais votado
Comentários
Visualizar todos os comentários
0
Adoraríamos receber sua crítica. Por favor, escreva-a!!x