Como é possível Deus ser a base da moral?

Obra: "Mosè con le tavole della legge", de Rembrandt Harmenszoon Van Rijn (1606 - 1669): pintor e gravador holandês.

A razão vos é dada para discernir o bem do mal.”,
Dante Alighieri (1265 – 1321): escritor italiano.



Questionamento enviado por Thomas:

Minha pergunta se refere à discussão sobre Deus como um ser logicamente necessário no livro em que o senhor debate com o então ateísta Antony Flew [1]. A título de esclarecimento, o senhor afirma que Deus, para ser logicamente necessário, tem de ser onipotente, onisciente e moralmente perfeito em todos os mundos possíveis. O Senhor demonstrou esses pontos mediante os argumentos Kalam, ajuste fino e moral, respectivamente. Esse breve resumo está certo?

Minha indagação diz respeito à objeção dos filósofos cristãos Keith Yandell / Richard Swinburne de que Deus não pode explicar a objetividade da moralidade. O senhor argumenta que é pelo fato de ser logicamente necessário que (entre outras razões) Deus pode explicar a moralidade. Porém, isso parece ser (segundo penso) um argumento circular, uma vez que o senhor precisa da prova do argumento moral para demonstrar que Deus é logicamente necessário, a fim de poder refutar a objeção de Swinburne. Mas o senhor precisa rebater a objeção antes de argumentar que Deus é logicamente necessário. Qual é a sua réplica? Será que entendi isso corretamente?

Resposta do dr. Craig:

A sua pergunta revela um mal-entendido. Assim, antes de abordá-la diretamente, permita-me esclarecer o que eu disse. Em primeiro lugar, a existência de Deus não está relacionada necessariamente ao fato de ele ser onipotente, onisciente e moralmente perfeito, ao menos, não de um modo direto. Para que Deus seja logicamente necessário, ele simplesmente precisa existir em todo mundo logicamente possível; de fato, dizer que Deus é logicamente necessário é o mesmo que dizer que ele existe em todo mundo possível. Ora, evidentemente, uma vez que os atributos mencionados por você são essenciais a Deus, deduz-se que ele terá tais atributos em todo mundo possível. Mas não estou sugerindo que Deus existe em todos os mundos possíveis em razão de ele ter esses atributos.

Em segundo lugar, não procurei demonstrar que Deus tem esses atributos por meio dos três argumentos que você menciona. Os argumentos kalam e do ajuste fino implicam na existência de um ser imensamente poderoso e inteligente, mas não a existência de um ser onipotente ou onisciente. O argumento moral pode ser ampliado para levar à conclusão de que Deus, como fundamento do valor moral objetivo, é moralmente perfeito, mas essa não é a conclusão do argumento em si.

Capa da obra: "A Razão da Nossa Fe", escrita por William Lane Craig e Joseph E. Gorra. O livro está registrado sob ISBN 978-85-275-0790-5, é publicado pela Editora Vida Nova.Ora, Yandell e Swinburne entendem que Deus não pode ser o fundamento do valor moral, em parte porque ambos pensam que Deus existe apenas contingentemente e não necessariamente, ao passo que ao menos alguns valores morais existem necessariamente. Assim, segunda a visão deles, há mundos possíveis nos quais Deus não existe, embora os valores morais existem. O meu argumento é que o teísta clássico não enfrenta tal problema, uma vez que ele acredita que Deus é um ser logicamente necessário, e portanto, pode ser o fundamento dos valores morais em todo mundo logicamente possível. Desse modo, a objeção não surte efeito contra o teísta clássico.

Imagino que agora você possa perceber que não se trata de um argumento circular. Se Deus é um ser contingente, ele não pode fundamentar valores morais. De acordo! Agora, cabe a Yandell ou Swinburne provar que Deus é um ser contingente. A menos que consigam provar, a conclusão não implica que Deus não pode fundamentar valores morais.

Sendo assim, é realmente irrelevante o porquê de o teísta clássico acreditar que Deus é logicamente necessário. Ele pode ter essa crença com base na religião, no argumento ontológico ou no argumento da contingência. Ele também pode, como você sugeriu, ter essa crença com base na moral, pois se valores morais objetivos implicam na existência de Deus, plausivelmente isso não é um mero fato contingente. Valores morais não podem existir sem Deus; eles demandam na sua existência. Ou seja, se valores morais necessariamente existem, segue-se que Deus necessariamente existe.

Portanto, o argumento tem a seguinte estrutura:

  1. Necessariamente, se existem valores morais, então Deus existe.
  2. Necessariamente existem valores morais.
  3. Portanto, necessariamente existe Deus.

Yandell e Swinburne negam a premissa (1) porque entendem que Deus é contingente, mas não é possível simplesmente assumir que Deus é contingente, senão se incorre em petição de princípio, pois isso seria tão somente assumir que a conclusão (3) é falsa, que Deus não existe necessariamente. Portanto, se alguém corre o risco de cair em um raciocínio circular, esse alguém é quem se opõe argumento moral.

Assim, o teísta clássico que acredita, até mesmo por razões morais, que Deus é logicamente necessário não está raciocinando em círculo. Para quem nega a premissa (1) porque Deus existe contingentemente, o teísta clássico replica: “Prove-o (sem recorrer à petição de princípio)!”. A bola está agora no campo do discordante.


Extraído da obra: “A razão de nossa fé”, escrita por William Lane Craig e Joseph E. Gorra.
Publicado pela Editora Vida Nova, sob ISBN 978-85-275-0790-5.

Clique aqui para ler o sumário e um trecho da obra (formato PDF).



William Lane Craig
Sobre o autor:

William Lane Craig é doutor em filosofia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra; e, em teologia pela Universidade de Munique, na Alemanha. Foi professor de Filosofia da Universidade Biola, na Califórnia. Atualmente é professor pesquisador de Filosofia na Talbot School of Theology (La Mirada, Califórnia). É conferencista internacional e autor de dezenas de artigos e livros no campo da filosofia e da apologética.


Nota:

  1. Veja Stan W. Wallace, org., Does God exist?: the Craig-Flew debate (Aldershot: Ashgate, 2003). Respondido por K. Yandell, P. Moser,, D. Geivett, M. Martin, D. Yandell, W. Rowe, K. Parsons; W. J. Wainwright.

Nota do editor:

A imagem associada a esta postagem ilustra a obra: Mosè con le tavole della legge, trata-se de uma pintura a óleo criada em 1659 pelo pintor e gravador holandês Rembrandt Harmenszoon Van Rijn (1606 – 1669). Para obtê-la em alta definição, clique aqui.



Em adendo, assista ao vídeo intitulado: “O argumento cosmológico”, e compreenda com o autor deste artigo, William Lane Craig, uma das fortes evidências da existência de Deus:


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