Em 2022, a Editora Thomas Nelson Brasil lançou a obra “Sobre escrever: Uma miscelânea de conselhos e opiniões”.
Como o próprio título induz, o livro apresenta uma coletânea de orientações sobre a arte da escrita, todas
de autoria de C. S. Lewis, incluindo as duas cartas reproduzidas abaixo
Carta a Joan Lancaster
Você descreve sua Noite Maravilhosa de um modo excelente. Ou seja, você descreve o cenário, as pessoas, a noite e a sensação disso tudo de forma extremamente agradável — mas não a coisa em si: o cenário, mas não a joia. E não me admira! Com frequência, Wordsworth faz a mesma coisa. Seu Prelude (você provavelmente o lerá daqui a dez anos. Não tente agora; caso contrário, arruinará a leitura que fará posteriormente) está cheio de descrições de tudo, menos da coisa em si. Se você se tornar escritora, passará a vida inteira tentando descrever essa coisa, e terá sorte se, em dezenas de livros, uma ou duas frases, apenas por um instante, chegarem perto de conseguir isso. […]
- Procure sempre usar a linguagem de forma a deixar claro o que você quer dizer, certificando-se de que sua frase não tem outro significado.
- Prefira sempre a palavra simples e direta a uma longa e vaga. Não apenas prometa, mas cumpra.
- Nunca use substantivos abstratos quando substantivos concretos dão conta do recado. Se você quer dizer “mais pessoas morreram”, não diga “a mortalidade aumentou”.
- Ao escrever, não use adjetivos que meramente nos digam como você quer que nos sintamos sobre o que você está descrevendo. Assim, em vez de nos dizer que uma coisa era “terrível”, descreva-a de modo que fiquemos aterrorizados. Não diga que foi “prazeroso”; faça com que nós digamos “prazeroso” ao lermos a descrição. Observe que todas essas palavras (horrível, maravilhoso, tenebroso, peculiar) são apenas como dizer aos seus leitores: “Por favor, faça meu trabalho por mim.”
- Não use palavras grandes demais para o assunto. Não diga “in nitamente” quando quiser dizer “muito”; do contrário, você já não terá mais palavras quando quiser falar sobre algo realmente in nito.
26 de junho de 1956.
The Collected Letters of C. S. Lewis, Volume 3.
Carta a Thomasine
É muito difícil dar qualquer conselho geral sobre a escrita. Eis a minha tentativa:
- Desligue o rádio.
- Leia todos os bons livros que puder e evite quase todas as revistas.
- Sempre escreva (e leia) com os ouvidos, não com os olhos. Você deve ouvir cada frase que escreve como se estivesse sendo pronunciada ou lida em voz alta. Se não soar bem, reformule-a.
- Escreva sobre o que realmente lhe interessa, sejam coisas reais ou imaginárias, e nada mais. (Perceba que isso significa que, se você estiver interessada apenas em escrever, nunca será uma escritora, pois não terá nada sobre o que escrever.)
- Faça um grande esforço para ser clara. Lembre-se de que, embora você comece sabendo o que quer dizer, o leitor não sabe, e uma única palavra mal escolhida pode levá-lo a uma interpretação equivocada. Em uma história, é terrivelmente fácil esquecer que você não disse ao leitor algo de que ele precisa saber — o quadro geral está tão claro em sua mente que você esquece que não está nítido na mente do leitor.
- Quando você quiser desistir de um trecho de seu trabalho já produzido, não o jogue fora (a menos que seja irremediavelmente ruim). Coloque-o em uma gaveta. Poderá ser útil mais tarde. Grande parte do meu melhor trabalho, ou ao menos do que julgo ser o meu melhor, consiste na reescrita de coisas que foram iniciadas e abandonadas anos antes.
- Não use máquina de escrever. O barulho destruirá seu senso rítmico, o qual ainda necessita de anos de treinamento.
- Certi que-se de saber o signi cado (ou os signi cados) de cada palavra que usar.
14 de dezembro de 1959.
The Collected Letters of C. S. Lewis, Volume 3.
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Woman Writing a Letter” (1680), por Frans van Mieris the Elder (1635 – 1681).
