Estudos provam que…

Obra: "The Stock Exchange" (1878 – 1879), por Edgar Degas (1834 - 1917).

Sumário


  1. Parte I
    Frequentemente “estudos provam” qualquer coisa desejada por aqueles que fizeram o estudo.
  2. Parte II
    Ninguém tem tempo de checar toda alegação de que “estudos provam que”.
  3. Parte Final
    Frequentemente ouvirmos que “todos os especialistas concordam que” A é melhor que B. Mas uma das razões para isso pode ser que aqueles que preferem A sejam os que conseguem mais dinheiro para conduzir seus estudos .


Parte I Subir



Todas as vezes que eu ouço a frase “estudos provam” isso ou aquilo me lembro do início de minha carreira como economista no Ministério do Trabalho, em Washington.

O ministro do trabalho Arthur Goldberg ia comparecer perante o Congresso para defender uma determinada política de seu ministério e tentar transformá-la em lei. Na parte inferior da hierarquia, me apresentaram quatro conjuntos de dados, ainda não publicados, e me pediram para elaborar um relatório, a ser enviado ao ministro, analisando-os.

Dois dos conjuntos de dados pareciam apoiar a posição do ministério, mas os outros dois pareciam contrariá-la. Quando escrevi o parecer explicando essas coisas e dizendo que, no geral, os dados eram inconclusivos, houve muito desânimo em toda a hierarquia que me separava do ministro.

Eles ficaram também surpresos com o fato de alguém escrever tais coisas mesmo sabendo qual a posição do ministério sobre a questão. Eles pegaram meu relatório, editaram-no e o reescreveram antes de encaminhá-lo às camadas superiores de comando.

O ministro Golberg fez, confiante, a apresentação do relatório reescrito ao Congresso, provavelmente sem saber que os dados contraditórios foram deixados de lado.

Foi uma valiosa experiência, em meu início de carreira, aprender que o que os “estudos provam” é, geralmente, qualquer coisa desejada por aqueles que fizeram o estudo. Os estudos do Ministério do Trabalho “provam” o que quer que sirva aos interesses do Ministério do Trabalho, tal com os estudos do Ministério da Agricultura “provam” o que serve aos interesses do Ministério da Agricultura.

O mesmo acontece do outro lado do Atlântico, onde um novo livro sobre o sistema criminal inglês expõe os métodos fraudulentos usados para gerar estatísticas sobre o “sucesso” de vários programas de alternativas à prisão. O livro intitulado A Land Fit for Criminals (Um País Ideal para Criminosos) de David Fraser.

Os dados podem ser precisos, mas a definição de “sucesso” os torna sem significado. Quando um criminoso é colocado em regime de suspensão condicional da pena e esse regime não é revogado por uma violação, isso é “sucesso”.

Infelizmente, o sistema de justiça criminal inglês não revoga automaticamente a condicional quando um criminoso comete um novo crime. Um criminoso numa condicional de dois anos pode cometer um crime depois de seis meses, ser condenado e sentenciado e depois de cumprir a sentença, voltar para completar os 18 meses restantes da condicional, produzindo “sucesso” estatístico para o programa de regime condicional. Esse é o ponto central do “estudo”.

Do outro lado do Atlântico, é um caso terminal de ingenuidade colocar estudos estatísticos sob a responsabilidade das mesmas agências governamentais cujas políticas estão sendo analisadas por esses estudos.

Tampouco é razoável deixar essas agências contratarem os estudos de pesquisadores “independentes” nas universidades ou de think tanks, pois, elas [as agências] obviamente identificarão as pessoas com percursos pessoais que virtualmente garantirão as conclusões por elas desejadas.

O especialista em clima, Richard S. Lindzen, do M.I.T. tem afirmado que a enorme quantidade de recursos governamentais disponíveis para estudos sobre o “aquecimento global” pode desencorajar os céticos a se manifestarem sobre seu ceticismo.

Isso não é peculiar ao estudo do “aquecimento global”. Muitas pessoas que reclamam do efeito corruptor do dinheiro parecem nunca considerar esse efeito quando se trata de dinheiro governamental.

Se as autoridades governamentais estivessem dispostas a conhecer os fatos, elas poderiam estabelecer uma agência estatística independente, do tipo do General Accounting Office, para elaborar estudos dos efeitos das políticas das outras agências.

Isso significaria que a raposa não estaria mais na chefia do galinheiro, quer a raposa fosse o Ministério do Trabalho, do Comércio ou qualquer outro ministério ou agência.

Significaria também que várias idéias “brilhantes” do Congresso ou da Casa Branca correriam o risco de serem desmascaradas como contra-produtivas ou ineficientes. Carreiras promissoras poderiam ser arruinadas, tanto de políticos eleitos como de burocratas nomeados.

Não suspenda a respiração, esperando que isso aconteça. Mas, lembre-se sempre disso quando alguém diz “estudos provam que.”


Parte II Subir




Meu falecido orientador, economista prêmio Nobel George Stigler, costumava dizer que é muito instrutivo gastar algumas horas numa biblioteca, checando estudos que foram citados como fontes em outros trabalhos. Quando comecei a fazer isso, achei não só instrutivo, mas decepcionante.

Uma nota de pé de página num texto sobre economia do trabalho citava seis estudos que apoiavam suas conclusões. Mas, depois que fui à biblioteca e consultei esses seis estudos, descobri que eles citavam um outro estudo – o mesmo em todos os seis.

Agora que os seis estudos tinham se reduzido a um, fui a ele – e descobri que era um estudo de uma situação muito diferente da discutida no texto sobre economia do trabalho.

Alguns anos atrás, houve uma grande agitação na mídia esquerdista por causa de um estudo que mostrava que (1) grávidas negras recebiam cuidados pré-natais menos frequentes que as brancas e que (2) a taxa de mortalidade infantil era maior entre os negros.

Houve editoriais indignados no New York Times e no Washington Post culpando o governo por não prover um acesso maior aos cuidados pré-natais a fim de prevenir a mortalidade infantil.

Depois de conseguir uma cópia do estudo original, descobri que o mesmo estudo – na mesma página – mostrava estatísticas que indicavam que (1) as mulheres americanas de descendência mexicana recebiam ainda menos cuidados pré-natais que as mulheres negras e que (2) a taxa de mortalidade infantil entre os americanos de descendência mexicana não era maior que entre os brancos.

Poucas páginas além, as estatísticas mostravam que as americanas de descendência chinesa, japonesa e filipina também recebiam menos cuidados pré-natais que as mulheres brancas – e seus descendentes apresentavam uma menor taxa de mortalidade.

Aparentemente, o cuidado pré-natal não era a resposta, apesar de ser um tipo de resposta adequada à tendência mental da mídia esquerdista e além de proporcionar uma ocasião para eles se mostrarem indignados.

Mais recentemente, a National Academy of Sciences – NAS (Academia Nacional de Ciências) divulgou um estudo que supostamente provava, além de qualquer dúvida, que as atividades humanas eram responsáveis pelo “aquecimento global”. Um coro de vozes na mídia, na política e na academia proclamava que isso não era mais uma questão a ser discutida, mas um fato científico, provado por dados reais.

Gráfico EstatísticoO relatório do NAS não continha apenas estatísticas, mas uma impressionante lista de cientistas que supostamente colocavam a “cobertura no bolo”.

O único problema era que os cientistas não tinham escrito o relatório e, de fato, não o tinham sequer visto antes de publicado, ainda que eles tivessem algum tipo de afiliação à NAS.

Pelo menos um dos cientistas, o meteorologista Richard S. Lindsen do MIT, publicamente se opôs à conclusão do relatório e continua a fazê-lo. Mas esse fato se perde em meio à comoção midiática.

Além disso, o que é um meteorologista do MIT comparado a Al Gore e seu filme?

Ninguém tem tempo de checar toda alegação de que “estudos provam que”. Mesmo com a ajuda de um incrível assistente de pesquisa, consigo checar apenas algumas.

No entanto, as grandes redes de televisão e a mídia impressa têm amplos recursos financeiros para conferir as alegações, antes de apresentá-las ao público como “notícias”. Mas quando o programa “60 Minutes” não se preocupa em basear uma estória, sobre o período em que presidente Bush serviu à guarda nacional, em documentos forjados, não espere muita preocupação com os fatos quando isso puder estragar uma saborosa estória ou a distorção política que a acompanhe.

Reconheçamos. Não há muita recompensa para quem fica conferindo as fontes originais.

Certa vez, um ministro estava me explicando a estrutura de suas orações funerais. Ele dizia, “Em determinado momento, todos esperam que você diga algo de bom sobre o morto. Agora, se eu estivesse rezando em seu funeral, o que eu diria de bom sobre você, Tom?”

Ele pensou, pensou – por um período desconcertantemente longo. Finalmente, ele disse gravemente: “Em suas pesquisas, ele sempre usou fontes originais”.

Aceitarei o elogio!


Parte Final Subir




É frequente ouvirmos que “todos os especialistas concordam que” A é melhor que B ou que “estudos provam que” A é melhor que B. Mas uma das razões para isso pode ser que aqueles que preferem A sejam os que conseguem mais dinheiro para conduzir seus estudos ou que têm acesso aos dados necessário aos estudos.

Há alguns anos atrás, um livro de William Bowen e Derek Bok apresentava uma lista de levantamentos estatísticos que os autores interpretaram como probantes do sucesso de políticas de admissão preferencial de negros nas faculdades e universidades.

Um coro de aprovação a esse estudo foi ouvido na mídia que foi ecoado na academia e dentre políticos esquerdistas. O estudo foi posteriormente citado numa decisão histórica da Suprema Corte a respeito da ação afirmativa.

Nem todos, contudo, consideraram esse um grande estudo – ou mesmo um estudo adequado. Mas, a ninguém foi permitido o acesso aos dados brutos sobre os quais Bowen e Bok basearam o estudo. Desta forma, ninguém pôde trabalhar com os números e tirar suas próprias conclusões.

Dentre aqueles que viram os dados está o professor Stephen Thernstrom, cujo longo e respeitável trabalho na área do estudo inclui a criação, juntamente com outros indivíduos, da Enciclopédia Havard de Grupos Étnicos Americanos. A ele foi negado acesso aos dados.

Quando somente pessoas com determinadas visões podem conduzir certos estudos, não se surpreenda se “estudos provarem que” aquele conjunto de visões é verdadeiro.

Eu não me surpreendi que não se permitiu ao Prof. Thernstrom o acesso aos dados. Eu já tive experiências similares.

Nos anos 1970, tentei conseguir dados estatísticos de Havard para testar várias alegações sobre políticas de ação afirmativa. Derek Bok, então reitor de Havard, foi um primor de pessoa ao me receber, chegando até a elogiar um livro sobre economia que eu havia escrito. Mas, no final, eu não consegui sequer um único conjunto de dados.

Durante o mesmo período, eu estava também pesquisando as escolas para negros de comprovado sucesso acadêmico. Atravessei o país de ponta a ponta para tentar conseguir dados de uma escola, conversei com os membros do Conselho de Educação, enfrentei todos os “caminhos” burocráticos – e, depois de tudo feito e a poeira abaixada, eu acabei não conseguindo uma única estatística.

Por que não? Pense bem. As autoridades educacionais desenvolveram explicações para a razão de eles não conseguirem educar crianças negras. Se eu escrevesse alguma coisa informando sobre resultados acadêmicos extraordinários nessa escola de negros em particular, isso iria abrir uma caixa preta política, que levaria as pessoas a perguntarem o porquê de outras escolas não poderem fazer o mesmo.

Os burocratas da educação decidiram manter a caixa preta selada.

Os críticos da ação afirmativa têm dito, há muito tempo, que a admissão de negros em escolas para as quais eles não têm qualificação cria insucessos acadêmicos totalmente desnecessários para esses estudantes, que evadem ou são reprovados nas escolas em que eles nunca deveriam estar, quando, a maioria deles tem condições de obter sucesso em outras escolas.

O fim da admissão preferencial na Universidade da Califórnia e na Universidade do Texas levou a um aumento da taxa de conclusão dos cursos de graduação de estudantes negros, como os críticos previam? Quem sabe? Essas universidades nada informarão sobre essas estatísticas.

Thomas SowellIsso não é peculiar aos EUA. Na Inglaterra, a alegação tem sido, infindavelmente, que colocar criminosos na cadeia “não funciona” e que vários programas de reabilitação “na comunidade” têm mais sucesso na redução da reincidência dos criminosos em seus crimes.

Quando dados estatísticos do Home Office mostraram o contrário do que estava sendo proclamado pelo secretário desse departamento, por outras autoridades, pela mídia e pela academia, a solução foi simples: tais dados não estão mais acessíveis.

Às vezes, não são os dados, mas é o dinheiro que é usado para limitar quem pode fazer estudos sobre questões controvertidas.

Defensores do “aquecimento global” têm acesso a todo tipo de verba governamental, mas os céticos e críticos não podem depender de tal generosidade e podem colocar suas carreiras em risco, pois, com esses estudos muitos burocratas raivosos podem perder seus cargos e são exatamente estes que controlam a chave do cofre.

Mesmo quando o dinheiro dos impostos que pagamos é usado para coletar dados ou financiar estudos, aqueles que gastam esse dinheiro e controlam dos dados tratam, freqüentemente, essas coisas como se fossem sua propriedade particular, a ser usada para promover estudos que reforcem seus próprios interesses e ideologias.


Por Thomas Sowell.
Tradução de Antônio Emílio Angheth de Araújo.

Publicados originalmente no website Mídia Sem Máscara, em agosto de 2006.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “The Stock Exchange” (1878 – 1879), por Edgar Degas (1834 – 1917).


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