A falácia do infindável

Obra: "Three Women Sharing an Umbrella" (1968), por James C. Rinehart.

A primeira lição da economia é a escassez: nunca há o suficiente de algo para satisfazer
plenamente todos aqueles que o desejam. A primeira lição da política é desconsiderar a primeira lição da economia.
Thomas Sowell



Muitas coisas desejáveis são defendidas sem levar em consideração o fato mais fundamental da economia, ou seja, que os recursos são inerentemente limitados e apresentam usos alternativos. Quem pode ser contra saúde, segurança ou espaço público? Mas cada uma dessas coisas é infinita, enquanto recursos não apenas são limitados, mas também apresentam outros usos também valiosos.

Não importa o quanto é feito para promover a saúde, mais poderia ser feito. Não importa até que ponto as medidas tenham sido tomadas com segurança, elas poderiam ser feitas com mais segurança. E não importa quanto espaço público exista, ainda poderia existir mais. Apesar de isso parecer óbvio, existem defensores, movimentos, leis e políticas que promovem um compromisso aberto com mais de uma dessas áreas, sem nenhuma indicação ou nenhum princípio através do qual um limite possa ser estabelecido, e considerando menos ainda os usos alternativos dos recursos que algumas pessoas querem dedicados a qualquer que seja a área que estejam promovendo.

Capa da obra: "Fatos e falácias da economia", de Thomas Sowell.A saúde é certamente algo desejável e a maioria das pessoas fica feliz em ver bilhões de dólares dedicados às pesquisas de combate ao câncer. Mas será que alguém pode querer dedicar metade da renda nacional para acabar com feridas na pele? O controle da criminalidade é certamente desejável, mas será que alguém pode querer dedicar metade da renda nacional para apagar o último vestígio de furtos em lojas? Apesar do fato de que ninguém defenderia estes trade-offs específicos, o que as demandas abertas por espaços públicos, controle da criminalidade, mais saúde ou ar e água mais limpos efetivamente defendem exclui o próprio conceito de trade-offs. É isso que torna essas demandas abertas, no que diz respeito tanto às quantias de dinheiro necessárias quanto ao nível de restrição das liberdades exigido para colocá-las em prática. Demandas abertas são obrigatórias para burocracias governamentais cada vez maiores, com orçamentos e poderes cada vez maiores.

Extrapolações ilimitadas constituem uma variação especial da falácia do infindável. Boa parte da oposição amarga à construção de habitações, de estradas ou até mesmo de sistemas de água e esgoto baseia-se na crença de que estes recursos apenas irão atrair mais pessoas, mais trânsito e mais urbanização, o que acarretará no asfaltamento sobre áreas verdes que estão desaparecendo rapidamente. Mas, além de não existir uma oferta ilimitada de pessoas, cada habitante que se muda de um lugar para outro reduz a densidade populacional do local de onde saiu, aumentando, ao mesmo tempo, a do de destino. Em relação ao asfaltamento de áreas verdes, é necessária uma grande extrapolação para considerar que isso seja um problema nacional nos EUA, onde mais de nove décimos da terra permanecem não construídos.

Extrapolações ilimitadas não lidam exclusivamente com questões ambientais. Decisões dos tribunais em casos antitruste invocaram um temor de que uma empresa específica em crescimento represente um monopólio “incipiente”. Num caso considerado um marco para a Suprema Corte dos Estados Unidos, uma fusão entre a Brown Shoe Company e as lojas de sapatos Kinney foi dissolvida porque a aquisição da rede Kinney pela Brown — que vendia 1% dos calçados nos Estados Unidos — iria “impedir” o acesso de outros fabricantes de sapatos ao mercado, iniciando o processo de criação de um monopólio que tinha de ser bloqueado em sua “incipiência”. De acordo com esse raciocínio, o fato de a temperatura ter aumentado dez graus desde a hora em que o sol nasceu significa que todos nós ficaremos tostados antes do fim do mês, se as pessoas acreditarem em extrapolações ilimitadas.




Muitas crenças que caem por terra quando estudadas atentamente podem, no entanto, persistir indefinidamente quando não o são e, especialmente, quando possuem defensores habilidosos, capazes de perpetuá-las ao evitar a análise consistente, recorrendo ao apelo a emoções ou interesses. Algumas falácias populares são refutadas há séculos, mesmo que sejam recondicionadas numa retórica atualizada para se adequar ao tempo presente.


Por Thomas Sowell.
Excerto da obra: Fatos e falácias da economia,
publicada pela Editora Record. ISBN  978-8501090799.


Notas da editoria:

Imagem de capa: “Three Women Sharing an Umbrella” (1968), por James C. Rinehart.


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