“Cada um fala da opinião pública, entendendo por isso a opinião pública, menos a sua.”,
G. K. Chesterton (1874 – 1936).
Pessoas completamente mundanas nunca entendem sequer o mundo; elas confiam plenamente numas poucas máximas cínicas não verdadeiras. Lembro-me de que, certa vez, fiz um passeio com um editor de sucesso, e ele fez uma observação que eu ouvira muitas vezes antes; é, na verdade, quase um lema do mundo moderno. Todavia, eu ouvi essa máxima cínica mais uma vez e não me contive: de repente vi que ela não dizia nada. Referindo-se a alguém, disse o editor: “Aquele homem vai progredir; ele acredita em si mesmo”.
Lembro-me de que, quando levantei a cabeça para escutar, meus olhos se fixaram num ônibus no qual estava escrito “Hanwell”. 1 Disse-lhe eu então: “Quer saber onde ficam os homens que acreditam em si mesmos? Eu sei. Sei de homens que acreditam em si mesmos com uma confiança mais colossal do que a de Napoleão ou César. Sei onde arde a estrela fixa da certeza e do sucesso. Posso conduzi-lo aos tronos dos super-homens. Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos”.
Ele disse calmamente que, no fim das contas, havia um bom número de homens que acreditavam em si mesmos e que não eram lunáticos internados em asilos. “Sim, certamente”, retruquei, “e você mais do que ninguém deve conhecê-los. Aquele poeta bêbado de quem você não quis aceitar uma lamentável tragédia, ele acreditava em si mesmo. Aquele velho ministro com um poema épico de quem você se escondia num quarto dos fundos, ele acreditava em si mesmo. Se você consultasse sua experiência profissional em vez de sua horrível filosofia individualista, saberia que acreditar em si mesmo é uma das marcas mais comuns de um patife. Atores que não sabem representar acreditam em si mesmos; e os devedores que não vão pagar. Seria muito mais verdadeiro dizer que um homem certamente fracassará por acreditar em si mesmo. Total autoconfiança não é simplesmente um pecado; total autoconfiança é uma fraqueza. Acreditar absolutamente em si mesmo é uma crença tão histérica e supersticiosa como acreditar em Joanna Southcote: 2 quem o faz traz o nome ‘Hanwell’ escrito no rosto com a mesma clareza com que ele está escrito naquele ônibus”.
A tudo isso meu amigo editor deu esta profunda e eficaz resposta: “Bem, se um homem não acredita em si mesmo, em que vai acreditar?”. Depois de uma longa pausa eu respondi: “Vou para casa escrever um livro em resposta a essa pergunta”. Este é o livro que escrevi para responder-lhe.
Extraído da obra: “Ortodoxia”, escrita por G. K. Chesterton (1874 – 1936).
Publicada pela editora Mundo Cristão, sob ISBN: 978-8543302751.
Notas:
- Nome de um asilo para loucos.
- Joanna Southcote (1750 – 1814) se dizia virgem e grávida do novo Messias, e chegou a ter muitos seguidores.
Nota da editoria:
O título desta postagem (“Autoconfiança dos patifes é a origem da obra “Ortodoxia” de Chesterton”) foi atribuído por nossa editoria com base no último parágrafo do excerto.
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