A inconfiabilidade da confiança

Obra "Barris de Prata" (1897) de Victor Dubreuil (1846 - 1946)

Os bancos lhe emprestarão dinheiro se você provar que não precisa.
Mark Twain (1835 – 1910)



Um dos aspectos que mais releva acentuar, na atualidade dos mercados financeiros de capitais, reside na sua volatilidade e na profunda sensibilidade aos humores de governantes e de investidores.

De rigor, o sistema financeiro trabalha com o “mito da confiança”. Todos sabem que uma vez estabelecido o pânico mundial nos mercados, por conta de fatos imprevisíveis e inevitáveis, o sistema poderá gerar prejuízos consideráveis às nações aos investidores e até falir, em determinados países sem estrutura.

A moeda não existe. O que existe é a confiança de sua existência e de que haverá moeda suficiente e não desvalorizada, em nível de liquidez, sempre que os investidores quiserem retirá-la.

A denominada M-1 (depósitos à vista e dinheiro em circulação) representa, em países de alta inflação, em torno de 1% a 2% dos meios de pagamento em circulação, enquanto nos países desenvolvidos pode chegar a 20%, pois lá hábito de se conservar moeda circulante decorre da sua qualidade, servindo como reserva monetária não só no país, mas em mãos de pessoas e instituições de outras nações.

O euro e o dólar hoje representam reserva para as economias de habitantes de países em crise financeira aguda, muitas vezes em quantidade desconhecida das autoridades, pois, nos países emergentes, com estruturas esclerosadas e envolvidas em empréstimos e déficits públicos permanentes, a tendência é a cristalização de um volume de tributos que gera carga tributária confiscatória. Para evitar a tributação e os confiscos de ativos financeiros nas instituições, muitas pessoas guardam a própria moeda como reserva para enfrentar e evitar calotes públicos.

Capa da obra "A queda dos mitos econômicos", escrita por Ives Gandra MartinsPor essa razão, é difícil quantificar o que há de reserva líquida em moeda fora dos países emissores, como reservas de populações que desconfiam de seus governos das aplicações financeiras no próprio país.

Ocorre que a confiabilidade do sistema financeiro é consequência da certeza de que os países honrarão seus ativos, em que uma sequência de acontecimentos inesperados pode fragilizar o sistema ou provocar transferências de ativos para outras nações.

Tal certeza, todavia, é relativa. A rígida política do Banco Central norte-americano, anunciada na crise de 1929, auxiliou a derrocada do mercado de capitais e implicou a quebra de centenas de instituições financeiras norte-americanas e outras no mundo inteiro. Houve corrida aos bancos e impossibilidade de essas instituições honrarem os ativos de terceiros, por aplicações de risco de um mercado que se revelou esfacelado no início da crise daquele ano.

Ora, o sistema financeiro depende da política monetária global e nacional do FMI e dos bancos centrais que, não poucas vezes, nos países emergentes, se apropriam dos ativos particulares por técnicas de manipulação de índices (tablitas, expurgos, correções ineficientes, tabelamentos) ou por simples apropriação de ativos, mediante empréstimos compulsórios.

Tal prática, própria das nações emergentes, ocorreu também nas nações desenvolvidas, após grandes conflitos, como, por exemplo, na Alemanha de 1923 1948, por força de suas hiperinflações, ou em algumas nações que viveram o fenômeno inflacionário.

Ocorre que, nada obstante os sofisticados controles e o aprimoramento das técnicas de administração monetária, em que os depósitos compulsórios, overnight definição de taxa de juros são essenciais, não se exclui uma crise generalizada, decorrente de uma eventual crise política, econômica ou de conflitos armados, em nível global, que podem abalar os mercados.

A verdade é que o sistema financeiro trabalha com uma moeda escriturai que se multiplica no papel (ou computadores) muito acima da força das riquezas mundiais e essa moeda só é aceita porque se acredita que as instituições que a manipulam são idôneas e os países que a administram, confiáveis. Quanto menos confiável o país, maior a taxa de risco e menor o número de investidores convencidos a aplicar em tais nações.

O drama do século XXI é que a globalização da economia e o crescimento dos acordos plurinacionais geram uma globalização monetária, com os governos não poucas vezes ficando à mercê dos investidores que trabalham com seus ativos escriturais de confiança, sabendo que os principais devedores de todos os mercados são os governos, que, entretanto, já esgotaram seus ativos.

Em outras palavras, a moeda não existe e a escriturai decorre da profissão de fé de que os endividados governos honrarão sempre seus compromissos, apesar de não terem lastro suficiente.


Excerto da obra A queda dos mitos econômicos, de Ives Gandra da Silva Martins.

Esta obra se encontra disponível para download gratuito através do
website do autor. Descarregue-a pelos respectivos links.


Notas da editoria:

Imagem da capa: Barris de prata (1897), do artista norte-americano Victor Dubreuil (1846 – 1946).


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