“Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão,
a internet, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto.”
Millôr Fernandes (1923 – 2012)
Já ouvi inúmeras vezes que dá medo pensar em ter filhos nesses tempos modernos, de tantas tecnologias, facilidades e ideologias, e que talvez o melhor seja não os ter.
Pelo menos duas razões parecem sustentar este temor. A primeira delas é que podemos acompanhar em segundos quase tudo o que acontece no mundo, seja bom ou ruim, graça ou desgraça. E pela natureza humana, o acidente, a tragédia, o que é negativo, atrai com mais facilidade a atenção das pessoas. Em se tratando de maus hábitos então, é ladeira abaixo, só desce, como disse Jordan Peterson. A preguiça é mais fácil do que o esforço; comer só o que se gosta e tem vontade é mais fácil do que fazer uma dieta saudável; a bagunça em uma casa é mais fácil do que ter tudo organizado, etc., ou seja, o caos é mais fácil que a ordem, seja no interior da pessoa ou no exterior.
Uma segunda razão para o receio de ter filhos é o risco de perder prazeres que nos são apresentados, o “curtir a vida” sofrerá prejuízos. Um filho inevitavelmente exige renúncias, sacrifícios, muito mais esforços em todos os sentidos, e que muitos adultos não estão dispostos a fazer tal troca.
Em meio a este conjunto de pensamentos, tecnologias, receios e desejos, e em grande número de casos, sem o menor preparo emocional, profissional, familiar, seguindo a última razão, de “curtir a vida”, os filhos são feitos e certamente a maioria deles, nasce.
E o grande desafio de ser pai ou mãe, de verdade, se apresenta: fazer renúncias, sacrifícios, para bem cuidar daquele pequeno ser. E se a resposta materna/paterna for negar-se a fazer este esforço que a boa educação dos filhos exige? O mais provável será fazer tudo o que a criança pedir, primeiro pelo choro, depois pelas palavras e birras; deixar ela ser egoísta e agressiva, não dividindo nada com outras crianças; servir tudo a ela; deixar ela o maior tempo possível vendo telas; transferir a educação dela para a creche, escola ou outra instituição. Em outras palavras: literalmente, deixar a criança mandar nos pais ou responsáveis.
Em poucos anos, terá um adolescente revoltado com todos e com a vida pois acha que ninguém o entende, e mais um pouco, um adulto cheio de problemas para se relacionar na vida social, amorosa, profissional, em que os outros adultos não farão questão de conviver com uma pessoa assim, pois não será prazeroso. Não acredita? Você, hoje, certamente não gosta de conviver com quem é preguiçoso, relaxado, se julga o dono da verdade, mentiroso, não é mesmo?
Mas será que as tecnologias, com sua inteligência artificial e outras engenharias, não poderão produzir uma solução para este grande desafio que é levar um recém-nascido a se tornar uma criança/adolescente/adulto equilibrado, honesto, responsável, com bons hábitos para o resto da vida?
Será que, bem à semelhança de filmes de ficção que mostram humanos robôs fazendo tudo o que é esperado deles, agindo como um reloginho, tudo dentro do programado, não dá pra sonhar com filhos assim?
Por aquilo que já é conhecido sobre a influência de tecnologias digitais sobre crianças e adolescentes, não dá para esperar solução positiva.
Michel Desmurget em seu livro A Fábrica de Cretinos Digitais, cita dezenas de estudos comprovando os graves danos causados no cérebro de crianças e adolescentes que ficam muitas horas diante das telas. “Uma maior utilização de telas, está associada a uma queda das capacidades de linguagem”. “A comunidade científica afirma há anos que a mídia eletrônica precisa ser reconhecida como um grande problema de saúde pública”, pois vicia igual ou mais que outras drogas.
Se olharmos mais para o futuro quem sabe se as engenharias romperem todos os limites éticos, se os líderes mundiais colocarem em prática o desejo insano de controlar completamente todas as pessoas, não tenhamos humanos geneticamente modificados para se comportar, exatamente como seus programadores desejam? Necessário lembrar que tal poder decretará o fim do maior bem que faz parte inseparável da vida humana: AS LIBERDADES.
São inegáveis as melhoras, os progressos, a organização, a otimização de recursos que tecnologias trouxeram em tudo a que se relaciona à vida humana.
Os conhecimentos disponíveis na internet mostrando como tudo pode ser feito, tornaram as coisas muito mais fáceis. Mas grande parte do conhecimento que for buscado nessas tecnologias, precisa ser testado na prática e nessa hora, nem sempre as coisas ocorrem como os vídeos ensinam. Só a repetição daquela ação poderá levar à aprendizagem definitiva, ou seja, a fixação daquele conhecimento.
E quando se trata de levar filhos a adquirir bons hábitos e comportamentos socialmente agradáveis de conviver, mostrar, insistir, repetir a mesma ação é absolutamente necessário. Isto exige dos pais ou responsáveis aquela dose extra de sacrifício, de paciência e dedicação.
Embora parece crescente o número de pais solteiros e mães solteiras que simplesmente não querem os filhos após o nascimento, é profundamente impactante a emoção de quem os tem, sobretudo em pais, avós, pois aquele novo ser desperta o maior de todos os sentimentos humanos, e acaba por atrair todas as atenções dos que estão à sua volta, pois claro, precisa disso para sobreviver.
Apesar das muitas dificuldades, os pais ou responsáveis precisam colocar em prática, enquanto eles são pequenos, aquela força que está no coração, e que, lamentavelmente, em muitos casos, se manifesta em uma tragédia, como quando se trata de tirar um filho das drogas ou da cadeia: A FORÇA DO AMOR. Esse impulso que move pais em momentos de tragédia PRECISA ser acordado, precisa ser colocado em ação através das pequenas correções, com muita paciência, com muita insistência, quando os filhos ainda são pequenos, para que eles tenham uma boa direção e adquiram bons hábitos; para que o desejo de ordem, no seu interior e exterior, entre de fato na vida deles.
A internet está repleta de sugestões muito didáticas, de como pais podem melhor praticar esta opção, como olhar com mais atenção para aquela criança, quando estiver com ela — considerando que muitas passam horas na creche ou escola.
Algumas coisas que ajudam muito. Estimule a imaginação e capacidade de observação por meio de contato com coisas concretas, como uma horta, ferramentas, produção de alimentos, jogos de tabuleiro, uma limpeza, guardar as compras do mercado, etc.
E muito importante: fale de Deus, fale que ELE é pai e gosta de pessoa que diz a verdade, pois nossa alma anseia pelo que é eterno, pelo que é elevado. Deixar de falar de Deus, como disse Anthony Esolen, é semelhante a olhar para teto de sua casa e pensar que o mundo acaba ali, que nada mais existe além dele. Loucura? Muitos pais praticam isso. Nosso fim não é igual ao fim de um rato, de uma barata ou um animal de estimação. Temos uma centelha de eternidade em nós.
Este AMOR de pais, de avós, que não é fruto de tecnologias, quando colocado em prática nos primeiros anos da criança, deixará claro para ela que a vida é feita de esforços, de alegrias e frustrações, de que a vida é troca, é cooperação, e de que ninguém, absolutamente ninguém nasceu apenas para ser servido. Ver filhos e netos bem educados e fortes para vida, é uma das maiores alegrias de pais, avós e faz bem para toda sociedade.
O autor, Edésio Reichert, é pequeno empresário no Paraná.
Publicado originalmente no website de Percival Puggina, em 13 de junho de 2024
Nota da editoria:
Imagem da capa: “Child with mobile phone” (2020), de Irina Oleynik.
Em complemento, ouça Olavo de Carvalho (1947 – 2024) explanando que, “para moralizar não basta regrar”: