Por amor próprio…

Obra: "Narcissus" (1597 – 1599), por Caravaggio (1571 - 1610).

Deve-se deixar a vaidade aos que não têm outra coisa para exibir.
Honoré de Balzac (1799 – 1850)




É por amor próprio que gastamos nossas vidas alimentando mágoas, cultivando ódios, cutucando feridas, sem nos dar conta do real problema que não nos deixa enxergar além de nós mesmos: ego inflado e super sensível pelo excesso de amor próprio.

É por amor próprio que nos tornamos hipersensíveis e, facilmente, nos sentimos ofendidos — não podemos aceitar que os outros não reconheçam nossa importância, sem que isso nos cause profundo sofrimento. Como deixar que nos ignorem? Quem eles pensam que são, para nos tratar assim? É evidente que não podemos deixar a mínima ofensa passar despercebida!

É por amor próprio que, obviamente, não podemos abrir mão da vingança, seja em forma de ódio, ira, amargura, rancor, mágoa, autocomiseração ou quaisquer outras manifestações possíveis (internas ou externas). A meta é proteger nossa imagem, nossos direitos, nosso ego, a qualquer custo!

É por amor próprio que relacionamos tudo a nós, achamos que é tudo sobre nós…e perdemos de vista o resto, perdemos as oportunidades para alegrias, perdemos a capacidade de nos encantar com o que está além de nós, perdemos a vida…

Para justificar nossas reações, temos frases do tipo: “Esquecer a dor que me causaram? Como eu poderia?”, ou, “Você diz pra esquecer porque não foi com você. Será que não entende que EU fui ofendido?”. Em outras palavras: “Não entende o quanto eu sou importante?”.

O que fica evidente é que falta de amor próprio nunca foi problema, pelo contrário, nosso problema é excesso de amor próprio. E os efeitos colaterais desse excesso de amor próprio não resulta apenas em ataques aos outros, mas também em profundo sofrimento interno, infelicidade crônica…

E sabe porque anos de terapia não podem resolver o problema? Porque, geralmente, na tentativa de curar nossa dor, a terapia tenderá a estimular mais do veneno que está nos matando: o tal amor próprio! Quanto mais somos estimulados a olhar para nós mesmos, nosso passado, nossas feridas, ou nossa capacidade de curar a nós mesmos, mais mergulhamos no ego…

Como Narciso diante do seu reflexo no lago, nossa tentativa de mergulhar em nós mesmos é suicida. Não fomos feitos para nós mesmos, a vida não é sobre nós. Quanto mais buscarmos redenção em nós mesmos, nossos sentimentos, nossas experiências, nosso passado… mais distorção, desespero e escuridão encontraremos.

Como, então, curar-nos desse amor próprio extremado e doentio? É preciso mudar o foco do olhar. Olhemos para Aquele que disse: “Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” (Is. 45.22) e ainda: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo […] Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará.” (Lc. 9.23-24).


Por Noeme Rodrigues de Souza Campos.
Publicado originalmente no website da Editora Ultimato, em 13 de Junho de 2024.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Narcissus ” (1597 – 1599), por Caravaggio (1571 – 1610).


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