Quando começa a vida

Esboço mostrando a anatomia de um Embrião dentro do útero, desenhado por Leonardo da Vinci (1452 - 1519).

Capítulo do livro de ensaios Conscience and its Enemies, ainda não publicado no Brasil



Quando começa a vida de um indivíduo humano? Apesar de a pergunta ter importância óbvia para nossos debates de políticas públicas sobre aborto e pesquisa com células-tronco embrionárias, os políticos a tem evitado como o diabo foge da cruz. Porém, as coisas podem estar mudando. Nos últimos anos, alguns dos líderes políticos mais proeminentes de nossa nação têm se pronunciado a respeito do assunto.

Confrontados com os complicados e não tão amplamente conhecidos fatos da embriologia, a maioria das pessoas são inclinadas a concordar com o sentimento expresso por Nancy Pelosi, a líder democrata na Câmara dos Representantes, que afirmou: “Eu não acho que alguém possa lhe dizer quando… começa a vida humana”.

Mas Pelosi está certa? É mesmo verdade que ninguém pode dizer-lhe com alguma autoridade quando a vida de um ser humano de fato começa?

Não, não é. Tratar a questão como se fosse algum tipo de grande mistério, ou expressar ou fingir incerteza a respeito, pode ser politicamente vantajoso, mas é intelectualmente indefensável. A ciência moderna já resolveu a questão há muito tempo. Nós realmente sabemos quando começa a vida de um novo ser humano.

Os fatos da embriogênese e do desenvolvimento inicial humano tornam a conclusão inevitável: de uma perspectiva puramente biológica, os cientistas conseguem identificar o ponto no qual a vida humana começa. A quantidade de estudos relevantes é avassaladora. Os fatos biológicos são incontestes. O método de análise aplicado aos dados é universalmente aceito.

A sua vida começou – assim como a vida de qualquer outro ser humano – quando a fusão de óvulo e espermatozoide produziu um novo, completo e vivo organismo: um ser humano embrionário. Você nunca foi um óvulo ou um espermatozoide; estes eram, tanto funcionalmente quanto geneticamente, partes de outros seres humanos – seus pais. Mas você foi um dia um embrião, assim como já foi um adolescente, uma criança, um bebê e um feto. Por meio de um processo internamente dirigido, você se desenvolveu desde o estágio embrionário, atravessando os estágios de desenvolvimento como feto, bebê, criança e adolescente, até finalmente chegar à fase adulta, com sua determinatividade, unidade e identidade completamente intactas. Você é o mesmo ser – o mesmo ser humano – que um dia foi um embrião.

É verdade que cada um de nós, nos estágios embrionário e fetal de desenvolvimento, éramos dependentes de nossas mães, mas não éramos partes do corpo materno. Apesar de dependentes, nós éramos seres humanos individuais distintos. É por isso que os médicos que tratam de mulheres grávidas sabem que estão cuidando não de um paciente, mas de dois (ou mais de dois, no caso de gêmeos e trigêmeos).

Por que, então, parecemos estar tão longe de um consenso em questões sobre aborto e pesquisa de células-tronco embrionárias?

Talvez porque o debate sobre o início da vida humana nunca tenha sido a respeito de fatos biológicos. Ele diz respeito ao valor que atribuímos a seres humanos no alvorecer de suas vidas. Quando debatemos questões sobre aborto, tecnologias de reprodução assistida, pesquisas com células-tronco embrionárias humanas e clonagem humana, não estamos realmente discordando sobre se embriões humanos são seres humanos. A evidência científica é simplesmente esmagadora demais para que haja qualquer debate real sobre esse ponto. O que está em discussão nesses debates é a questão sobre se devemos respeitar e defender seres humanos nos estágios iniciais de suas vidas. Em outras palavras, não se trata de uma discussão sobre fatos científicos, mas sobre a natureza da dignidade humana e a igualdade dos seres humanos.

De um lado estão aqueles que creem que os seres humanos possuem dignidade e direitos em virtude de sua humanidade. Eles acreditam que todos os seres humanos, independentemente não só de raça, etnia e sexo, mas ainda de idade, tamanho e estágio de desenvolvimento, são iguais em valor e dignidade fundamentais. O direito à vida é um direito humano e, portanto, todos os seres humanos, desde o momento em que vêm à existência (concepção) até o momento em que deixam de ser (morte), o possuem.

Do outro lado estão aqueles que creem que aqueles seres humanos que possuem valor e dignidade os têm em virtude de terem alcançado determinado nível de desenvolvimento. Eles negam que todos os seres humanos possuem valor e dignidade, e sustentam que se deve distinguir entre aqueles seres humanos que alcançaram o status de “pessoalidade” e aqueles (tais como embriões, fetos e, segundo alguns, bebês e indivíduos com deficiências mentais graves) cujo status seria o de não-pessoas humanas.

Um erro comum é as pessoas transformarem a pergunta sobre quando começa uma vida humana de uma questão de biologia para uma questão de fé religiosa ou crença pessoal. Tanto como senador quanto como vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden afirmou que, apesar de acreditar que a vida começa no momento da concepção, esta é uma crença “pessoal” proveniente de sua religião que não pode ser legitimamente imposta sobre outras pessoas.

Biden está perfeitamente correto a respeito de quando a vida começa – na concepção. Mas ele está errado em supor que esta é uma mera questão de opinião pessoal ou uma posição proveniente apenas da religião. É uma questão de fato biológico. Não se deve permitir que a política passe por cima dela.

À luz dos fatos estabelecidos da embriogênese humana e do desenvolvimento inicial intrauterino, a verdadeira pergunta não é se os seres humanos nos estágios embrionário e fetal são seres humanos. Claramente eles são. A pergunta é se nós iremos honrar ou abandonar nosso compromisso nacional e civilizacional com o igual valor e dignidade de todos os seres humanos – mesmo os menores, mais jovens, mais fracos e mais vulneráveis.



Escrito por Robert P. George. Traduzido por Victor Terra.
Capítulo do livro de ensaios Conscience and its Enemies, ainda não publicado no Brasil.

Sobre o autor:
Robert P. George é professor de Jurisprudence na cátedra McCormick e diretor do programa James Madison em Ideais e Instituições Americanas na Universidade de Princeton, além de professor visitante na Faculdade de Direito de Harvard.
https://lapa.princeton.edu/people/robert-p-george


Leituras recomendadas:

  • Robert P. George – Conscience and its Enemies.
  • Robert P. George e Christopher Tollefsen – Embryo: a defense of human life.
  • Christopher Kaczor – A ética do aborto: direitos das mulheres, vida humana e a questão da justiça.
  • Robert Spaemann – Pessoas: ensaios sobre a diferença entre algo e alguém.
  • George Mazza – O que você precisa saber sobre aborto.
  • Francisco Razzo – Contra o aborto.
  • Ron Paul – O argumento contra o aborto.
  • Pedro Juan Viladrich – Aborto e sociedade permissiva.
  • John Powell – Aborto: o holocausto silencioso.

Nota do editor:

A imagem associada a esta postagem ilustra recorte de um esboço criado por Leonardo da Vinci (1452 – 1519), objetivando apresentar a anatomia de um embrião dentro do útero.


Artigos relacionados

5 1 vote
Classificação
Inscrever-se
Notifique-me sobre
guest
0 Comentários
Comentários
Visualizar todos os comentários
0
Adoraríamos receber sua crítica. Por favor, escreva-a!!x