“Os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis.”
Elbert Hubbard (1856 – 1915)
O objetivo deste escrito não é detalhar profissões, mas expor uma deficiência da nossa época, a qual se torna mais visível, ao menos comigo, sob as “lentes” do “mundo corporativo”. Assim, permita-me colocá-las para alertá-lo sobre percepções também acessíveis a você, porém sob os “ângulos” da sua perspectiva.
Há mais de 35 anos atuo em análises e desenvolvimento de sistemas (softwares), o que, na prática, não significa que detenho mais de três décadas de experiência. Explico.
Cada hora voada de todo piloto de avião é meticulosamente registrada, pois trata-se de um fator fundamental para mensurar a experiência destes profissionais. É claro que as aeronaves e as tecnologias nelas embarcadas ou envolvidas evoluem e exigem reaprendizados constantes, no entanto, a lei da gravidade não foi, nem será revogada, e a segurança aeronáutica não cederá lugar a um belo layout. O primeiro voo de um Boeing 737 ocorreu em 1967 e o último está ocorrendo a todo instante — este aparelho continua sendo fabricado e consta como um dos mais vendidos e operados no mundo —, certamente devido às constantes inovações. Contudo, a alavanca que recolhe ou libera o trem de pouso permanece instalada no mesmo local e com o mesmo formato (um pequeno “bastão” com uma rodinha em uma das extremidades). Agora, mesmo que você apenas utilize softwares e nunca tenha programado, responda a si mesmo: quantas vezes o botão que você usava para imprimir seus documentos ou executar operações fundamentais mudou de posição ou aparência?1
Por mais que os princípios da computação permaneçam tão estáveis como a lei da gravidade, desenvolvedores de softwares e outros profissionais de Ti, de tempos em tempos, têm boa parte de suas “horas de voo” anuladas. Mas há algo que observei de imutável em todas essas décadas: a Ti é genérica como a matemática, logo, por si só, é inútil ou servirá apenas como entretenimento.
Em uma companhia aérea, a tecnologia da informação pode ser aliada na gestão da frota; em uma empresa de distribuição de energia elétrica, sistemas poderão monitorar linhas de transmissão; enquanto em uma fábrica de eletrodomésticos softwares poderão auxiliar na continuidade da linha de produção mantendo os níveis do almoxarifado e de estoque equilibrados. Aliás, todos esses ramos de atividade não utilizam apenas os sistemas aqui mencionados, mas consomem uma gama maior, inclusive diversos com objetivos em comum, por exemplo, para controlar funcionários e gerir finanças.
Assim, a maioria dos tecnólogos contratados por companhias que não sejam de Ti, mas que dela se beneficiam, não trabalham em prol de um único departamento, mas, comumente, em prol de todos. Já aqueles que são contratados por consultorias do ramo tecnológico prestam serviços para muitas empresas e frequentemente de muitos ramos, portanto, em cada uma delas podem auxiliar em diversos departamentos. Daí surge um inconveniente, o ego da maioria de tais profissionais torna-se enorme, frequentemente pensam: “todos dependem do meu serviço”. E essa característica não é uma exclusividade de analistas de sistemas, web designers e afins. Na verdade, logo notei que não é uma peculiaridade somente da Tecnologia da Informação.
Certa vez, no mesmo dia, visitei dois clientes. Primeiro estive em uma distribuidora de energia elétrica, onde ouvi: “Prestamos um serviço vital. Todos dependem de nós”; depois, estive em uma fábrica de eletrodomésticos cujo principal foco eram aparelhos de cozinha. Lá escutei: “A alimentação de muitos depende de nós. Nossos produtos são de uso doméstico e empresarial e ambos dominam o mercado”. Tenho convicção de que na maioria das vezes tais falas são mais marketing do que soberba, porém, de qualquer modo, se olharmos no “retrovisor”, logo ali atrás, no ano de 1871, foi acessa, pela primeira vez, uma Lâmpada Elétrica. E, recuando só um pouco mais, em 1860, chegaremos aos primeiros fogões a gás — o essencial de hoje, seria “apenas” uma comodidade (inimaginável) ao homem mais rico de ontem.
Na verdade, cada ramo de atividade é como se fosse uma engrenagem de um grande e complexo motor, no qual muitas peças frequentemente são incorporadas ou substituídas, e todas são repletas de redundâncias. Quando algo falha, na pior das hipóteses o engenho trabalha por um período em menor harmonia. Já indivíduos como eu e você somos tão bons quanto Leonard Read provou — isolados, somos incapazes de construir um objeto tão “simples” quanto um lápis2 , afinal, como se não bastasse, por exemplo, a necessidade de obter e lapidar grafite, precisaríamos construir serras, vernizes e outros objetos e ferramentas fundamentais na criação de tal produto. Aqueles que já assistiram a algum reality show, no qual indivíduos são largados em lugares hostis como florestas e sem nenhum recurso, certamente compreendem quanto Read foi certeiro, pois sozinhos os participantes não são capazes de produzir objetos básicos como roupas e abrigos simplórios.
Em suma, como mencionado, graças a esforços de muitos desta e de gerações anteriores, temos ao nosso dispor uma quantidade incontável de comodidades. Um sujeito com pouca renda poderá comprar lâmpadas de LED, fogão a gás, celulares e computadores, com recursos medianos poderá cruzar oceanos a mais de 10 mil metros de altura viajando em velocidade próxima de mil quilômetros por hora. No entanto, todas essas maravilhas não eliminam uma variedade de problemas comuns tanto em nossa época como na de Cristo, ou em períodos ainda anteriores.
Apenas para exemplificar: as Sagradas Escrituras relatam que após o nascimento de Jesus, José e Maria migraram de Belém (região da Judeia) para o Egito, na intenção de proteger o recém-nascido do decreto de Herodes, que buscava matar crianças (Mt 2, 13-15). Frequentemente não vemos nos noticiários imigrantes fugindo de tiranos? No entanto, busquemos meditar sobre problemas dos quais, na rara hipótese de não terem ocorrido conosco, já presenciamos de perto como o sofrimento de alguém em função da perda de um ente querido; angústias provocadas por nossos próprios problemas morais, ou pela tristeza em vê-los nos outros; aflições causadas por problemas interpessoais; e tormentos motivados pelo envelhecimento ou por uma vida sem significado.
Na realidade, a vida é e sempre será como uma estrada dotada de alguns trechos repletos de percalços, no entanto, as maravilhas tecnológicas e nosso agitado cotidiano parecem capazes de ofuscá-los até que fiquem a um palmo do nosso nariz. Para piorar, infelizmente, está em voga o desprezo por aqueles que já trilharam os tortuosos e inevitáveis caminhos pelos quais também passaremos, e assim perdemos a oportunidade de, com eles, antever obstáculos e consequentemente viver alguns períodos com maior consolação e lucidez.
Muitos que estão na terceira idade podem nos orientar, mas frequentemente os vemos como pessoas de pouca utilidade, afinal não sabem utilizar ferramentas primordiais que não existiam e logo deixarão de existir, como Internet Banking, NetFlix e WhatsApp. Os personagens de George Orwell, Dostoiévski, Machado de Assis, Tolstói e de outros escritores também passaram por muitos percalços, deixando um legado com todas as diretrizes do percurso que agora é nosso. No entanto, preferimos livros técnicos ou “relaxantes” – apertar arruelas e parafusos ou aprimorar a utilização do Word e do Excel nos coloca em “nosso tempo” e garante bons empregos; os livros clássicos, não. Além do mais, quando autores se debruçam sobre problemas reais e transcendentes ao tempo eles parecem nossos bisavôs — não garantem um “final feliz”, o que é chato; não incluem no enredo comunicações via smartfones, usam as tradicionais cartas de papel, o que é ultrapassado; jamais substituem termos nativos por equivalências em outro idioma (não permutam orçamento por budget e nem reunião por meeting), o que é cafona.
Estamos em uma época na qual fabricantes tornam os seus próprios produtos inúteis, antes que outras empresas façam isso por eles. Até mesmo a identidade das companhias cunhadas em logotipos, slogans e jingles já não são tão duráveis quanto antigamente. Vivemos como se todas as evoluções fossem boas. Esquecemos que doenças, tempestades e outras catástrofes também evoluem.
Maravilhados com os avanços tecnológicos não atentamos que utilizamos os nossos avançados smartphones para transmitir “informações” como se fôssemos homens da caverna, afinal os emojis de hoje só não são exatamente como os hieróglifos do passado por não serem sagrados; viajamos do “novo continente” ao “velho continente” em poucas horas, mas no destino deixamos a vitrine de um shopping e a Rosália Gótica da Catedral de Notre-Dame enobrecessem igualmente as nossas almas; nos preocupamos em adquirir TVs e home theathers de última geração, porém o único requisito de um filme ou de uma música é que a gravação seja em altíssima definição. Enfim, a tecnologia virou um dos nossos deuses e a evolução, o nosso evangelho3.
Claramente, estamos presenciando mudanças em um ritmo frenético, sem precedentes, consequentemente ainda não sabemos muitos dos malefícios de tantas transitoriedades, aliás frequentemente até mesmo os benefícios são incógnitos (não é tão raro descobrir a real função de algumas ferramentas — principalmente as digitais — depois de criadas). Todavia, o real foco deste escrito não é exaltar ou detratar avanços tecnológicos, ambas posições seriam, na prática, igualmente obsoletas. O propósito deste escrito é destacar que só nos livraremos de várias características e muitos problemas humanos se deixarmos de ser humanos.
Da concepção ao nascimento de uma criança, antigamente e hoje, são necessários nove meses; depois de nascida, é de bom grado que a criança primeiro enriqueça o imaginário e fomente boa ética — com literaturas, músicas e lúdicos —, para depois aprender e gerenciar finanças; posteriormente, virá primeiro o autoconhecimento e depois a capacidade de entender as emoções dos outros, podendo só depois no lugar deles se imaginar. Contudo, estamos envoltos em uma atmosfera da qual há pessoas incapazes de desassociar o progresso tecnológico do avanço e das limitações humanas. Muitos acreditam que assim como programadores corrigem softwares ajustando códigos, psicólogos (“técnicos”) e remédios (“objeto”) corrigem mentes, enquanto coachings “reprogramam” (tecnicamente) pessoas para adequarem os desejos profissionais e pessoais delas com elas mesmas. Mas, para alguns, a confusão vai além do plano mental.
Certa vez, faleceu um importante gestor — de “meia idade” — na empresa em que eu trabalhava. Logo que outro executivo soube, proferiu: “Não compreendo. Nós, diretores, temos os melhores planos de saúde, fazermos checkup anualmente em centros e laboratórios altamente tecnológicos. Não há lógica nisso. Não foi acidente de carro, não foi queda, não foi um tiro … é irreal!” Talvez seria melhor que tais dizeres fossem por arrogância, no entanto, ele exteriorizou realmente por perplexidade. Dias depois, foi a minha vez de ficar estupefato. Aconteceu quando o inconformado executivo deixou de contar como estava direcionando os negócios para falar sobre as orientações que angariava para o filho. Disse: “Não procuro escola que ensine música, religião ou ‘literaturas falecidas como a de Brás Cubas’. Quero é que ele saiba declarar o IR antes dos colegas”. Há anos troquei de emprego e não tenho mais contato com esse diretor, porém acredito que o filho dele já saiba declarar o IR com muito mais facilidade do que eu faço, mas também creio que meu ex-gestor continue reclamando do trato do “moleque” (agora um adulto) para com ele. Na verdade, não ficaria nada surpreso em vê-lo sendo chamado de vô por outro “moleque”, agora um bastardo — espantado mesmo eu ficaria se ele descobrisse que muitas das ações produzidas pelo filho de que ele tanto reclamava (e, provavelmente, ainda critica) são produtos das digestões de muitos funks, da crença no ateísmo e, talvez, de determinadas leituras, documentários e sessões de coachings atualíssimas.
Outra situação real e já utilizada como inspiração no início deste artigo ocorreu enquanto eu prestava serviços para uma companhia área. Conversei com um rapaz recém-contratado que tinha grande experiência no departamento de RH e nenhuma no da aviação. Com grande empolgação, ele contava o quão rígidas são as normas na aviação comercial, também admirava como normalmente pilotos e comissários são obcecados pela profissão. Lembro de ele ter dito algo como “além de uma profissão, é um estilo de vida, pois eles estão constantemente distantes da família e da residência — ninguém ‘vira tripulante’ sem desejar sê-lo”. Porém, no final da conversa, concluímos quão necessária é a dedicação de cada comandante, comissário, mecânico, controlador e, enfim, quaisquer profissionais de quaisquer áreas — quando vidas não estão diretamente nas “mãos” de um profissional, outras importâncias estão, como a reputação de uma empresa na qual muitos dela dependem. Porém, o trabalho não diz integralmente quem somos. Fora dele também criamos as nossas próprias “histórias” que interferem em outras. Em analogia, podemos agir como ferramentas, sendo ora altamente funcionais, ora minimamente úteis ou totalmente inconvenientes, mas, diferente de “alicates”, “chaves de fenda” e “computadores”, possuímos a inseparável “função humana” da qual sempre poderá ser útil, e isso não significa necessariamente o uso da razão, como bem explicou C. S. Lewis:
“[…] Em um sentido, a conversa é mais racional por ser capaz de exercer a razão; a dança, não. Porém, nada há de irracional em exercer outras competências além da razão. Em determinadas ocasiões e para certos fins, a verdadeira irracionalidade encontra-se naqueles que não o fazem. O indivíduo que tenta domar um cavalo, redigir um poema ou gerar um filho por meros silogismos é irracional, muito embora os silogismos em si sejam mais racionais do que as atividades exigidas para esses fins. É racional a atitude de não fazer uso da razão, ou não se limitar à razão, nas situações erradas; e, quanto mais racional for o indivíduo, mais ele saberá disso.”4
Ao longo das décadas, inúmeras lembranças de profissionais excelentes e péssimos não deixam de ocupar minha memória — alguns felizmente e outros infelizmente deixavam transparecer o “lado pessoal”. Muitos sabiam de tudo dentro da empresa, e fora delas eram incapazes de programarem as próprias férias. Lembro de um ex-colega que ganhou merecidamente o prêmio de melhor funcionário do ano, ano em que ele perdeu o filho para as drogas; vi profissionais mediando reuniões altamente produtivas, mas ignoravam as reuniões escolares dos filhos, confiavam tanto nos recursos tecnológicos e arquitetônicos dos colégios que desconheciam as metodologias neles aplicadas; também pude presenciar um funcionário com aproximadamente 60 anos que apagou acidentalmente diversas informações importantes em um sistema, pois estava abalado por ter sido deixado pela namorada depois de longos três ou quatro meses; ainda tristemente inesquecível foi presenciar um profissional que esteve no velório do pai pela manhã, no horário do almoço realizou uma reunião de negócios, e pouquíssimos dias depois promoveu um “café motivacional” — com o negócio fechado era fundamental com que todos estivessem tão animados quanto ele; também trabalhei em um local onde nas proximidades sempre víamos um mendigo, muitos diziam que, depois da perda dos pais, ele havia abandonado o trabalhado, perdido todos os bens e, por fim, atingido um perfil (e odor) incondizentes a um ser humano.
Contudo, um estereótipo comum que presenciei e ainda presencio é o daqueles que trabalhavam com total dedicação (o que, como foi dito, é ótimo e necessário), mas, no fundo, objetivavam dar sentido às suas vidas alicerçando-as exclusivamente no trabalho. O que me faz lembrar de uma entrevista concedida pelo Papa Bento XVI ao repórter António Socci, mais precisamente quando o pontífice respondeu se um homem de 2003 ainda precisa de Cristo, dizendo:
“É fácil perceber que as coisas proporcionadas por um mundo meramente material — ou mesmo intelectual — não atendem à necessidade mais profunda, mais radical, que existe em todo o homem: porque — como dizem os Padres da Igreja — o homem anseia pelo infinito. Parece-me que precisamente o nosso tempo, com as suas contradições, os seus desesperos, o seu massivo empenho em refugiar-se em becos sem saída como a droga, manifesta visivelmente essa sede do infinito, e apenas um amor infinito que, apesar de tudo, penetrasse na finitude, convertendo-se diretamente num homem como eu [ou seja, Cristo], poderia ser a resposta.”5
Encerro dizendo que o Sr. Cristovão6 foi o estopim motivador deste escrito. Quem é o Sr. Cristóvão? Com ele convivi pouco. Na verdade, estivemos em um mesmo ambiente por menos de quatro horas, conversamos três vezes e, certamente, a soma de tais diálogos não ultrapassou 15 minutos.
O Sr. Cristovão é um motorista (talvez, ex-motorista) de ônibus rodoviário — frequentemente faz viagens ligando a capital Paulista, São Paulo, a cidades do Vale do Paraíba. Em três oportunidades fui um de seus passageiros, e em todas dialoguei somente enquanto apresentava meus documentos para embarcar. Na primeira delas ele me cumprimentou, pegou meus documentos e, enquanto os conferia, disse a outro motorista que estava ao seu lado: “Minha aposentadoria vai chegar logo, logo”. Neste momento entrei na conversa e disse: “Mas vai dar tempo de chegar em São Paulo, né?”. Ele sorriu, devolveu minha passagem e documentação dizendo: “Fique tranquilo, chegará! Hoje não será rápido devido à chuva, mas chegará em segurança!”.
Na segunda vez (sem que ele se lembrasse de mim), retornei ao assunto e ele abertamente falou: “Adoro minha profissão, mas está no fim”, depois apontou para o veículo e completou: “ônibus automático e com wifi são indícios de que meu ciclo está se encerrando”. Na intenção de entusiasmá-lo, falei: “Sua profissão é essencial. Ao longo dos anos o senhor deve ter levado ao trabalho muitos professores, médicos e, claro, unido muita gente”, ele disse: “Sim. E como não é possível conhecer o objetivo de cada passageiro, tenho apenas esperanças de não ter contribuído com muitas coisas ruins. (…) Mas, na verdade, se eu não estivesse feito as viagens que fiz, quaisquer outros teriam realizado”.
Na terceira e última vez, cheguei bem antes do horário da partida. Ao me reconhecer, o Sr. Cristóvão saudou-me educadamente: ‘É um prazer vê-lo novamente. Tudo bem com o Senhor?”, respondi e em seguida fui para o meu assento, desta vez na primeira fila, ao lado da porta de entrada, então puder notar o quão educado ele foi ao recepcionar cada passageiro. Depois de todos embarcados, restavam alguns assentos e uns cinco minutos para a saída. Foi quando ele fez uma ligação telefônica na qual ficou claro que ele tinha ligado para acalmar o filho, disse que ajudaria a confortar o neto sobre algo que não compreendi (mas que ainda havia “forte esperança”). Certamente era algo critico — lembro de ele ter dito: “só falta uma ida, na volta encerro, ligo quando terminar essa viagem e você me pegue aqui no retorno”. Como nas demais viagens, o Sr. Cristóvão antes da partida pediu que todos colocassem os cintos. Durante todo o trajeto, visivelmente manteve a velocidade dentro dos limites (inclusive onde outros motoristas sempre o extrapolam). Chegando, observei que ele imediatamente pegou o celular, mas não ligou, se despediu das poucas pessoas que saíram antes de mim, dizendo: “Fique com Deus” (com empolgação menor que nas vezes anteriores) — certamente aguardou até que o último passageiro descesse para fazer a ligação.
Certamente as obras de Dostoiévski, C. S. Lewis, Bach, Thomas Edison e tantos outros gênios não são efêmeras, mas acredito fortemente que há grande possibilidade de o Sr. Cristóvão e de outros “Cristóvãos” deixarem legados com raízes mais profundas do que as de muitos executivos, técnicos e cientistas.
Por Eric M. Rabello.
Notas:
- Os primeiros editores de textos (exemplo, WordStar) e as primeiras planilhas eletrônicas (exemplo, Lotus 123) nem botões possuíam — o pressionamento de combinações de teclas exerciam todas as operações.
- “Eu, o lápis”, em https://culturadefato.com.br/eu-o-lapis.
- Propositalmente paradoxal, pois o objetivo dos Evangelhos é a preservação (além, é claro, das revelações) dos ensinamentos de Cristo.
- Deus no banco dos réus, editora Thomas Nelson Brasil.
- “Jesus Cristo: o infinito no finito”, em https://culturadefato.com.br/jesus-cristo-o-infinito-no-finito/
- Assim como as demais, a história envolvendo o Sr. Cristóvão é real. No entanto, por questões óbvias, utilizei pseudónimo, que faz alusão ao padroeiro dos viajantes e dos motoristas, São Cristóvão.
Nota da editoria:
Imagem da capa: pintura a óleo, extraída da obra Schroeder: A man and his art.