A visão católica tradicional acerca da astrologia

Louvai-o, sol e lua, louvai-o, todas as estrelas luzentes.
(Sl 148, 3)



Algumas pessoas simplesmente surtam ao ouvir a palavra “zodíaco”, seus pensamentos remetendo ao mundo da Nova Era, sem se dar conta de que o zodíaco é apenas um conjunto de estrelas — estrelas que Deus criou e chamou “boas”. Mas uma vez que a questão será levantada, o que a Igreja realmente ensina a respeito da astrologia?

Não é nada incomum escutar pessoas — mesmo pessoas instruídas, mesmo padres — expressando não apenas a ideia de que a astrologia seja pura bobagem (no que elas têm todo o direito de acreditar, é claro), mas também que seja proibida pela Igreja. Alguns são veementes a este respeito, insistindo fervorosamente no fato de que a astrologia, in se, seja proibida, como prática ocultista inerentemente aparentada à necromancia ou divinação. Na minha experiência, isso tende a ocorrer especialmente entre convertidos vindos de certas seitas protestantes — geralmente o mesmo tipo que insiste em dizer que fantasmas não existem, que é proibido pensar que eles existem, que magia não funciona (ela funciona, mas é proibida, pois, por definição, deriva seu poder dos demônios), que maldições e objetos amaldiçoados não existem, e assim por diante (leia mais sobre isso em meu website, na subseção O mundo preternatural).

Mas esta crença simplesmente não é verdadeira. O mundo medieval dedicou-se a pensar muito seriamente sobre a astrologia — incluindo grandes doutores e santos da Igreja —, e em tudo, da medicina à agricultura, considerações astrológicas eram frequentemente levadas em conta. A nossa gloriosa herança artística católica — pinturas, a arquitetura das igrejas, vitrais e manuscritos com iluminuras, especialmente no caso do Livro das Horas, no qual os signos do zodíaco foram quase sempre incluídos ao lado de representações dos trabalhos sazonais do homem1 — prova o quão ubíquo e aceito era o pensamento astrológico. Eis um de muitos exemplos de um “homem zodiacal”, que ilustra a ideia de que os diferentes signos do zodíaco influenciam diferentes partes do corpo:


Homem Zodiacal


A literatura medieval é recheada de pensamento astrológico. Os contos da Cantuária, de Chaucer, falam frequentemente sobre influências planetárias, e mesmo a grande obra religiosa de Dante, Divina comédia, relaciona cada um dos sete “planetas” da astrologia medieval a uma das virtudes teologais e cardeais.

Considere a descrição de uma janela de igreja que detalhe como essa janela está coberta de símbolos astrológicos e representações de homens realizando suas tarefas cotidianas. Alguém poderá — compreensivelmente, dado o atual estado de coisas — concluir que tal janela deva estar localizada em alguma igreja modernista por aí, provavelmente planejada por um “católico progressista” absolutamente enganado ou mal intencionado (Deus tenha misericórdia deles!), o tipo de paróquia em que os paroquianos são encorajados a se referir a Deus como “ela”, em que Buda é tratado como um santo católico, e em que outros insultos à Santa Fé, dos tantos que ouvimos falar recentemente, se manifestam. Mas aquela descrição, na verdade, refere-se a esta belíssima janela da Catedral de Chartres:


Vitral na Catedral de Chartres


Ou considere o seguinte excerto:

“O Carneiro (Áries), o Leão ou o Arqueiro (Sagitário), gravados [em pedras], por razão do Fogo e da triplicidade oriental, indicam que as pedras possuem uma propriedade contra febres e enfermidades tais como a hidropisia, paralisias e outras semelhantes. E uma vez que o calor possui um efeito benéfico, acredita-se que estas tornem seus portadores mais habilidosos e inteligentes, alçando-os a posições de honra no mundo; especialmente o Leão [tem este efeito].

Os Gêmeos, a Balança (Libra) e o Aquário, se gravados nas pedras, por razão da triplicidade ocidental e do Ar, acredita-se que predispõem seus portadores em direção à amizade, retidão e boas maneiras, diligente observação de leis e concórdia.

O Caranguejo (Câncer), o Escorpião e os Peixes, gravados nas pedras, por razão da triplicidade do Norte e Água, temperam as febres secas, como [as chamadas] ethica e causon, e semelhantes. Mas de acordo com A Arte das Imagens, produzem uma inclinação à mentira, injustiça, inconstância e licenciosidade. Uma evidência disso é que o Escorpião é a imagem de Maomé, que nada ensinou além de mentiras e injustiças.

E se o Touro, a Virgem ou a Cabra (Capricórnio) são gravados [nas pedras], por razão da triplicidade do Sul e Terra, são frios e secos quanto aos seus efeitos; deste modo, acredita-se que podem curar seus portadores de desmaios e enfermidades quentes, e os inclinam à devoção religiosa e ocupações do campo, como a agricultura e o plantio de vinhedos e jardins.

As mesmas considerações [servem] para as imagens que foram inscritas fora do zodíaco.”

Muitos modernos poderão tomar este trecho como algo escrito por um hippie da Nova Era. Mas, na realidade, isso foi escrito por um dos maiores Doutores da Igreja, Santo Alberto Magno (“Santo Alberto, o Grande”), mentor de Santo Tomás de Aquino, em seu De mineralibus (“Sobre os minerais”). E quanto ao ilustre pupilo de Santo Alberto, na primeira parte de sua Suma teológica, Santo Tomás escreve sobre as influências que os corpos celestes podem exercer sobre nós. Eis alguns desses trechos (localizados na Questão 115, que pode ser lida na íntegra aqui). Respondendo à questão, no Artigo 3, sobre “se os corpos celestes são a causa do que é feito neste mundo, nos corpos inferiores”, ele escreve:

“Como toda multidão procede da unidade, e como o que é imóvel permanece sempre de um mesmo modo, enquanto o que é movido é multiforme, deve-se observar que, em toda a natureza, todo movimento procede do imóvel. Sendo assim, vemos que quanto mais imóveis são algumas coisas, tanto mais são causa das mais móveis. Ora, os mais imóveis entre os corpos são os celestes, que não possuem movimento senão local. Portanto, os movimentos destes corpos inferiores, que são variados e multiformes, devem ser atribuídos ao movimento dos corpos celestes como sua causa.”

Em resposta à pergunta colocada no Artigo 4, sobre “se os corpos celestes são causa dos atos humanos”, ele escreve:

“Deve-se admitir, no entanto, que as influências dos corpos celestes podem alcançar, indireta e acidentalmente, o intelecto e a vontade, isto é, na medida em que tanto o intelecto quanto a vontade recebem algo das faculdades inferiores que dependem de órgãos corpóreos. Mas há aí uma grande diferença entre ambas as potências, pois o intelecto recebe necessariamente o que lhe fornecem as faculdades apreensivas inferiores, e, assim, perturbadas as capacidades imaginativa, cogitativa ou memorativa, necessariamente há de perturbar-se a ação do intelecto. A vontade, por outro lado, não segue necessariamente a inclinação do apetite inferior, pois ainda que as paixões irascíveis e concupiscíveis não deixem de ter certa força para incliná-la, permanece em seu poder o segui-las ou rechaçá-las. Portanto, a ação dos corpos celestes, pela qual podem ser alteradas as potências inferiores, é menos efetiva sobre a vontade, causa imediata dos atos humanos, do que sobre o intelecto.

(…) As substâncias espirituais que movem os corpos celestes operam sobre as coisas corporais por meio desses corpos. Mas sobre o intelecto humano operam diretamente, iluminando-o. Não podem, no entanto, mudar a vontade, como já dissemos.

(…) São muitos os homens que seguem as paixões, que são movimentos do apetite sensitivo, sobre as quais podem influir os corpos celestes. Por outro lado, poucos são os sábios que resistem contra elas. Esta é a razão pela qual os astrólogos podem predizer, na maioria das vezes, coisas verdadeiras, principalmente em sentido geral, mas não em casos particulares, pois resta sempre a possibilidade de que qualquer homem resista às paixões através de seu livre arbítrio. É preciso ter em mente que os mesmos astrólogos afirmam que ‘o homem sábio domina os astros’ [Ptolomeu, Centilóquio, prop. 5], à medida que domina suas paixões.”

Em outras palavras, de acordo com o pai da escolástica, sim, os corpos celestes não apenas podem como nos influenciam a nível corporal, o que inclui o intelecto em certa medida e, em menor grau, a vontade. Mas a vontade não pode ser suplantada por nenhuma dessas influências; a vontade é suprema. No entanto, porque tantos homens se permitem ser governados por suas paixões, criando maus hábitos e não exercitando sua vontade da maneira correta, o poder que os corpos celestes podem exercer sobre eles é mais evidente. Ou, dito de outro modo, os corpos celestes podem influenciar nossas inclinações e personalidades básicas, mas esta influência só tem o poder que damos a ela, o poder que permitimos que ela tenha por não utilizarmos nossa vontade para superar quaisquer inclinações negativas que ela pudesse causar. Uma analogia: as estrelas poderiam influenciar quais cartas recebemos em um jogo de poker e como jogamos aquela rodada, mas não poderiam determinar como jogamos a não ser que nos recusássemos a usar a nossa vontade para jogar corretamente.

Além desses textos, você também encontrará muitos Padres da Igreja que escreveram contra a astrologia, mas eles se referem à astrologia tal como praticada em seu tempo — astrologia realizada de modo errado, astrologia que ignora o livre arbítrio, astrologia que se torna divinação, entre outros casos. Mas mesmo Santo Agostinho, famoso por ter escrito contra a astrologia, concedeu, no livro V, capítulo VI de sua obra Cidade de Deus, esta mesma ênfase:

“Mas, embora não seja totalmente absurdo dizer que certas influências siderais têm certo poder para causar diferenças nos corpos — uma vez que, por exemplo, vemos que as estações do ano fazem seu ciclo pela aproximação e afastamento do Sol, e que certos tipos de coisas aumentam ou diminuem de tamanho de acordo com as crescentes e minguantes da Lua, como os ouriços-do-mar, as ostras e as maravilhosas marés do oceano —, disso não se conclui que as vontades dos homens devam ser submetidas à posição das estrelas.”

Precisamente o que disse Santo Tomás.

Os primeiros padres escreveram fervorosamente contra qualquer tipo de fatalismo, e muitos escreveram contra os astrólogos de seu tempo, que eram consultados de modo ilícito, adquiriam uma influência desmedida sobre os que estavam no poder e, em essência, eram golpistas da mesma forma que os “astrólogos” charlatães de hoje em dia, que escrevem aquelas imbecis colunas de revista.

Tudo isso é semelhante ao fenômeno da clarividência: há uma multidão de mentirosos e autoproclamados “videntes” prontos para oferecer suas “leituras” em troca de muito dinheiro. Considere Sylvia Browne, uma vigarista que declarou ter poderes especiais e alcançou fama e fortuna com base nesta falsa afirmação, ferindo2 e defraudando muita gente no caminho. Não obstante, não deixa de ser um fato que Deus — e mesmo, talvez, Deus através da natureza, por leis naturais que ainda não descobrimos cientificamente — concede a alguns a habilidade de ver coisas que os outros não veem. A Bíblia fala expressamente daqueles aos quais foi dada a habilidade de ler as almas e profetizar. Por exemplo, São Padre Pio era capaz de conhecer os pecados de seus penitentes antes de que fossem confessar-se com ele. Ele era, portanto, um “vidente”. Poderes desse tipo existem, e nenhum dos charlatães que há por aí — nem mesmo todos eles juntos — torna esse tipo de dom menos genuíno.

E o mesmo se dá com a astrologia, adequadamente compreendida. Novamente, nenhum católico é obrigado a acreditar na astrologia, isto é, nenhum católico precisa acreditar que os corpos celestes podem e de fato nos influenciam. Um católico pode considerar tudo isso a mais perfeita bobagem; trata-se de uma questão de fatos e, em última análise, de uma questão científica, e não de verdades eternas ou dogmas que precisamos conhecer de modo a salvar nossas almas. Mas um católico pode acreditar que “as estrelas” nos influenciam, e pode manter-se perfeitamente ortodoxo ao fazê-lo. Não é pecado mortal ler um mapa astral para tentar identificar as influências planetárias que podem vir a afetar as suas inclinações. O que é terminantemente proibido é ler mapas para adivinhar o futuro, como se este se encontrasse gravado em pedra pelas estrelas (o que seria um tipo de divinação), ou acreditar em qualquer forma de astrologia que negue o livre arbítrio. Se esses conceitos não são absolutamente cristalinos para você, o melhor é ficar totalmente longe de tudo isso.


Por Tracy Tucciarone.
Tradução: Daniel Marcondes.

Artigo original disponível em:
https://www.fisheaters.com/astrologybackground.html.


Notas:

  1. Cf. as páginas de meu website a respeito das Têmporas. Subir
  2. Eis um exemplo da crueldade de Sylvia Browne: em outubro de 2002, um garoto de 11 anos de idade chamado Shawn Hornbeck foi raptado enquanto andava de bicicleta perto de sua casa, no Missouri. Seus pais estavam perturbados, desesperados, e fizeram tudo o que podiam para encontrar o garoto. Infelizmente, eles se depararam com Sylvia Browne no Montel Williams Show — um talk show de televisão —, e foi isto o que aconteceu: https://www.youtube.com/watch?v=hpZ_nP8pPsI. Mais tarde, em 2007, o garoto foi encontrado vivo. Ele havia sido sequestrado e escravizado por anos. Ela teve sorte em acertar o primeiro nome do sequestrador — Michael —, mas errou em todo o resto. O homem não tinha pele negra, não era hispânico, não usava dreadlocks, não tinha o físico de um jogador de basquete e não dirigia um sedã azul antigo, mas uma caminhonete branca, veículo que utilizou para sequestrar Shawn. Sylvia Browne fez a mesma coisa com a mãe de uma outra criança que havia desaparecido, uma garota chamada Amanda Berry, que sumiu em Cleveland em 2003. Embora a srta. Berry tivesse sido raptada e mantida como escrava juntamente com outras duas meninas em uma casa em Cleveland — Amanda lá ficou por uma década —, Sylvia Browne disse à mãe da garota que sua filha estava morta. A mãe, devastada, é claro, foi para casa, livrou-se das coisas da filha e morreu de ataque cardíaco dois anos depois. Browne chegou a dizer a uma mulher, cuja mãe havia morrido, que o homem que ela acreditava ser seu pai não era realmente seu pai biológico. Em outras palavras, ela acusou a mãe da mulher de adultério (ou fornicação) e lançou sobre ela o descontentamento de acreditar que o homem que havia amado como pai não era seu verdadeiro pai biológico, mas, na realidade, apenas um homem traído. Se o pai também estivesse morto, ninguém teria como se defender de tamanha calúnia ou detração, se fosse o caso; se estivesse vivo e acreditasse em Browne, seria deixado a pensar que sua falecida esposa o havia traído: https://www.youtube.com/watch?v=brTzXut7vp8. Absolutamente vil, tudo isso. Esse tipo de maldade é indescritível. Aproveitar-se dos fracos e vulneráveis, daqueles que estão de luto, é o mais baixo dos níveis. Mas a maldade de Browne em nada refuta a existência de habilidades “paranormais”, não mais do que os charlatães “astrólogos de revista” refutam o princípio básico da astrologia em si mesma. Subir

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