Enfadonhas certezas políticas

Obra: "The House of Commons" (1833), por Sir George Hayter (1792 - 1871)

Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.
Sócrates (470 a. C. – 399 a. C.)



Outro dia fui convidado para participar de um seminário sobre política. Depois das palestras, sempre há aquele momento que oradores e plateia se juntam para conversar mais pessoalmente. Não me furtei a isso. No entanto, confesso, não consegui ficar mais do que vinte minutos no local.

No dia seguinte, encontrei-me com meus alunos de filosofia e foi como um bálsamo. Passei o dia inteiro com eles e ficaria mais. A diferença é que enquanto aquelas pessoas do dia anterior tinham certeza de tudo, teoria sobre tudo, respostas exatas sobre as questões mais complicadas do mundo e as soluções para os problemas mais complexos da sociedade, meus alunos tinham principalmente dúvidas.

Pessoas muito certas do que falam costumam ser chatas porque não há espaço, no diálogo com elas, para o aprendizado. Há apenas a exposição do que se pensa que se sabe. Geralmente, quem participa de movimentos políticos já escolheu um lado, possui uma ideologia pronta, tem uma visão de mundo bem estabelecida. Uma conversa de cinco minutos com qualquer pessoa desse tipo, por isso, torna-se enfadonha, pois não passa de um desfile de teorias e convicções.

Toda vez que troco palavras com pessoas ligadas à política me frustro. Não porque não gosto de falar sobre política – pelo contrário –, mas costumo fazer isso tentando levantar mais suspeitas do que certezas. Consciente da dificuldade que existe na colheita dos dados que devem formar meu conhecimento, prefiro tomar as informações como temporárias e suspendo os julgamentos o máximo que eu posso. No entanto, isso é visto nos meios políticos como falta de engajamento, como isenção. Neles, se a pessoa não tiver muito claro o que está ocorrendo no mundo, quem são os inimigos a se combater e os objetivos a se buscar ela é vista como alguém que mais atrapalha do que ajuda.

Obra: "The Card Sharp with the Ace of Diamonds" (1636–1638), por Georges de La Tour (1593 - 1652). Pequeno cantos esfumaçados.Na política, não há muito espaço para questionamentos. Simplesmente, você precisa entrar nela já certo de todos os movimentos que ocorrem na sociedade, com todas teorias sobre as forças que existem bem estabelecidas em sua mente. Qualquer vacilo quanto a tudo isso é sinal de fraqueza.

A militância política é o exato oposto do que se espera de uma personalidade filosófica. Esta, apesar de buscar a verdade e perseguir a certeza, tem como princípio a dúvida e como primeira lição o mapeamento da própria ignorância. Uma mente filosófica compreende a complexidade do mundo e sabe que os fatos são sobrepostos. Por isso, ela entende que as primeiras impressões que tem sobre o que acontece geralmente não refletem a verdadeira natureza das coisas nem a essência dos fatos.

Se a filosofia propõe mais perguntas do que oferece respostas não é porque se delicia na dúvida, mas por querer encontrar uma verdade que seja inabalável e sabe que, para isso, tem de rastrear os dados com muito cuidado e parcimônia.

Não é por acaso que minhas conversas com os alunos de filosofia são deliciosas: elas não possuem aquela certeza apressada de quem acha que pode entender o mundo com base em algumas informações confusas. O verdadeiro estudioso de filosofia é humilde, no sentido mais exato desse termo, sabendo sua posição no mundo e seu estado atual de conhecimento, estando, assim, mais abertos ao aprendizado mútuo. Por isso, apesar de não haver certeza sobre muitas coisas, os diálogos com eles são muito mais frutíferos.


Por Fabio Blanco.
Publicado no website do autor em 23 de janeiro de 2023.

Fabio Blanco também é o responsável pelo domínio
http://www.filosofiaintegral.com.br/.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “The House of Commons” (1833), por Sir George Hayter (1792 – 1871).


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