Hume tinha razão, sem querer

Obra: "Sunrise in the Harbor", por Leonid Afremov.

* Artigo minimamente modificado. A versão original foi escrita em
português de Portugal, para acessá-la clique aqui.



Alguém que aborde, atualmente, a filosofia da ciência (epistemologia) e não tenha em devida consideração a Quântica, deve ser ignorado.

Obviamente que, no tempo de Hume, a noção de “átomo” era a dos pré-socráticos. Portanto, não podemos exigir de Hume o que teremos de exigir de um analista atual.

Acreditar, portanto, que o Sol pode possivelmente não nascer amanhã é,
num sentido estrito, lógico, uma vez que a conclusão que ele nascerá
amanhã não se segue inexoravelmente das observações passadas.

David Hume e o problema da indução

Hoje, pensar que a Terra pode passar a “elipsar” em torno de outra estrela, ou que o Sol pode não nascer amanhã, não é tão absurdo quanto seria no tempo de Hume. Naturalmente que a probabilidade é mínima: quanto maior for a matéria (a massa) de um objeto, menor é a possibilidade de ocorrência de um “efeito de túnel” e de um “salto quântico”.

Um átomo de hidrogénio, o mais simples de todos, tem um próton e um elétron. O elétron “gira à volta” do próton sob o efeito da força elétrica de atração, ou “energia potencial”.

O que impede que o elétron, no seu movimento giratório, se “liberte” do próton?

Pelo fato do elétron “girar” em torno do próton, ele sofre uma aceleração radial — mais ou menos como um carro de F1 em uma curva apertada. Em função desta aceleração radial, o elétron, porque possui carga elétrica, perde energia emitindo luz [toda a realidade é fluorescente!]. E na medida em que perde energia potencial, o elétron aproxima-se do próton, ao mesmo tempo que aumenta a sua energia cinética que provém do movimento de aceleração do elétron em torno do próton.

No elétron, aumenta a energia cinética e diminui a energia potencial. A soma entre os dois tipos de energia é a “energia total” do elétron. Quando a energia total do elétron chega a um ponto de equilíbrio entre os dois tipos de energia [cinética e potencial], o elétron entra no “estado fundamental” que corresponde à normalidade da natureza. Mas isso não significa, de modo nenhum, que a probabilidade de o elétron embater no próton é de zero. E, de modo semelhante, existe a probabilidade de o elétron saltar da sua órbita ou “salto quântico” [quantum leap].

A probabilidade de o planeta Terra “saltar” da órbita do Sol e passar a girar em torno de uma outra estrela, quiçá a milhões de anos/luz de distância, não é de zero [salto quântico]. A probabilidade é pequeníssima e residual [talvez na ordem de 1080, ou coisa que o valha], mas não é de zero. Não é lógico que se diga: “a possibilidade é pequena, e por isso, impossível”. Ou existe possibilidade e não é impossível, ou sendo impossível a possibilidade é igual a zero.

Por exemplo, físicos atuais dizem que é provável que nenhum objeto macroscópico (pertence à nossa dimensão física) com mais do que 1023 [1 seguido de 23 zeros] átomos tenha jamais atravessado a barreira do “efeito de túnel”. Eles dizem: “é provável”, mas não dizem que é 100% certo. A ciência é construída sobre dados recolhidos no passado, e como é impossível conhecer o futuro porque este ainda não existe, e porque não existe, de fato, um determinismo total, seria irracional que a ciência dissesse o seguinte: “existe uma certeza absoluta, ou de 100%, de que o Sol vai nascer amanhã”.

A ciência atual concorda com Hume sobre as dúvidas acerca da indução — não porque concorde com o subjetivismo e com o ceticismo radical de David Hume, mas porque conhece, hoje, melhor as leis que regem a Natureza.


Por Orlando Braga.
Originalmente publicado em 23 de dezembro de 2023, no website do autor.


Nota da editoria:

Imagem da capa: “Sunrise in the Harbor”, por Leonid Afremov.


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